Ciclocosmo https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br Um blog para quem ama bicicletas Thu, 02 Dec 2021 18:10:08 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Tour de Serra Leoa enche o mundo do ciclismo de graça e esperança https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/04/16/tour-de-serra-leoa-enche-o-mundo-do-ciclismo-de-graca-e-esperanca/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/04/16/tour-de-serra-leoa-enche-o-mundo-do-ciclismo-de-graca-e-esperanca/#respond Fri, 16 Apr 2021 20:47:59 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/sprintfaces-320x213.jpeg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=3073 Há não muito tempo, Serra Leoa, na África Ocidental, era sinônimo de palavras sinistras como guerra civil, crianças-soldado, estupro em massa, tráfico de diamantes.

O país até “fez sucesso” em Hollywood, servindo de pano de fundo para o filme “Diamante de Sangue”, protagonizado por Leonardo DiCaprio e mostrando a guerra civil que durou 11 anos, matou centenas de milhares de pessoas e resultou em mais de 2 milhões de refugiados e deslocados internos (quando alguém precisa fugir de casa, mas não cruza as fronteiras de sua nação).

Passados os anos, Serra Leoa continua miserável, mas já tem um Tour de ciclismo inacreditavelmente sensacional para chamar de seu — e esse é um dos sinais de que o país vem aos poucos se recuperando emocionalmente dos traumas de uma das guerras mais sangrentas da África.

O Tour de Lunsar começou nesta semana, com competições femininas e de atletas juniores. Nesta sexta-feira (16 de abril) teve início a prova masculina, que segue elevando a auto-estima nacional e empolgando o mundo ciclístico até o dia 18.

A alegria de quem ama uma corrida de bike <3 (Foto: Matt Grayson)

Não se trata de um Tour profissional, com bikes caras e ciclistas famosos, muito menos cobertura internacional da mídia. Estamos falando de uma volta de ciclismo de estrada humilde, em que os competidores vestem roupas doadas e pilotam bicicletas que já viram dias melhores. E cujo público frequentemente mal tem o que comer.

Mas é aí que reside a imensa beleza desses eventos africanos, como o Tour du Faso (em Burkina Faso, sobre o qual já escrevi aqui), o Tour de Ruanda (leia mais aqui) e o Tour de Camarões.

Tratam-se de competições feitas graças ao colossal esforço nacional de quem adora bike e corridas, como o Lunsar Cycling Team (que já foi tema deste blog), protagonizadas por ciclistas locais que não possuem grana para comprar equipamentos, mas isso pouco importa: ao amor por pedalar supera qualquer dificuldade.

Muito suor e batalhas épicas na prova dos juniores (Foto: Matt Grayson)

O Tour de Lunsar, que é o maior evento de bike de Serra Leoa, acontece longe da capital, Freetown. Lunsar tem cerca de 36.000 habitantes e vive da mineração.

Se você procurar “Lunsar” no Google Images, vai ter uma ideia do quão significativo é fazer com que toda uma cidade vibre ao som de bikes, em um ambiente que já sofreu de surtos de ebola a exércitos de crianças carregando armas e matando gente.

Com 7,8 milhões de habitantes, Serra Leoa contabilizou até agora apenas 4.000 casos de covid-19 e 79 mortes em decorrência da doença. Os baixos números se devem em grande parte ao isolamento do país, cuja fama ainda está ligada à violência e ao caos social.

Observe a largada e reflita se esse não é o Tour mais bacana do momento (Foto: Matt Grayson)

Sem reconhecimento oficial da União Ciclística Internacional (a UCI, órgão que coordena ciclismo mundial), devido a uma série de confusõespolíticas internas, Serra Leoa mal tem federação nacional para representar seus atletas. Como resultado, a UCI ignora um dos Tours mais divinos do continente africano — já tão mal contemplado por eventos e empresas de bike.

Mas o Tour de Lunsar vem atraindo simpatizantes mundo afora, como a Le Col, marca sofisticada de roupas de ciclismo, baseada em Londres. Para apoiar a competição, a Le Col tem feito lindos caps (bonés para pedalar) e jerseys (camisas de ciclistas) celebrando a prova, com renda revertida para os organizadores em Serra Leoa.

Além disso, a renomada marca de suplementos esportivos SIS (Science in Sport) é a grande patrocinadora.

Foco, garra e amor pela bike no Tour de Serra Leoa (Foto: Matt Grayson)

Obviamente que o Tour de Lunsar não vai ser exibido em uma ESPN da vida. Mas você consegue acompanhá-lo via Instagram do Lunsar Cycling Team, que vai te presentear com vídeos e stories fascinantes (não olhe apenas para os atletas, para não perder vendedores de bananas com bacias na cabeça passando do lado dos corredores com olhares curiosos).

Ver esse Tour, mesmo que só pelo celular, vai te colocar um sorriso no rosto, acendendo uma bela ponta de esperança no seu coração. Sim, o ciclismo e o amor pela bike ainda vivem, quase sempre nos cantos mais improváveis do mundo. Lá bicicletas milionárias e roupas de grife não existem, porém sobra paixão, que é o que realmente importa.

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Equipe de ciclismo transforma vidas em Serra Leoa https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2020/07/11/equipe-de-ciclismo-transforma-vidas-em-serra-leoa/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2020/07/11/equipe-de-ciclismo-transforma-vidas-em-serra-leoa/#respond Sat, 11 Jul 2020 18:04:37 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2020/07/Serra-1.jpeg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=2821 Guerras civis costumam ser bem violentas, mas o conflito que assolou Serra Leoa por 11 anos revelou-se um dos mais sangrentos da história recente da África.

De 1991 a 2002, grupos rebeldes atacaram vilarejos, forçaram centenas de crianças a virar soldados, estupraram multidões de mulheres e roubaram um número incontável de diamantes das minas deste país da África Ocidental (os famosos “blood diamonds”), como relatou de forma sublime Ishmael Beah em seu livro autobiográfico Muito Longe de Casa.

Mesmo com um substancial crescimento econômico nos últimos anos, Serra Leoa continua a cicatrizar as feridas da violência — com a ajuda, veja só!, da bicicleta. <3

Criado em uma cidade de mineração no norte do país, o valente Lunsar Cycling Team é um exemplo sensacional de como a bike pode transformar e impactar a vida das pessoas de um jeito singular. A equipe de ciclismo reúne homens e mulheres em treinos diários e competições locais vibrantes, como o Tour de Lunsar.

Falta equipamento e grana, mas sobra estilo e garra no Lunsar Cycling Team, no norte de Serra Leoa (Foto: Divulgação)

A equipe foi fundada por Abdul Karim Kamara, conhecido pelo apelido Stylish (Estiloso), então dono de uma pequena loja de reparos de bicicletas. Único ciclista do pedaço, Stylish foi aos poucos conquistando corações e mentes, até que decidiu criar um time com o nome da cidade, Lunsar.

Sem tradição no ciclismo, Lunsar não tem lojas de bikes de estrada, muito menos onde se podem comprar camisas e bermudas para pedalar. Por isso, a equipe conta a ajuda de doações (quer ajudar? clique aqui).

O Lunsar Cycling Team abriu espaço para as mulheres, em um país ainda bastante marcado pelo preconceito. Garotos e garotas treinam diariamente, e agora também adquiriram o hábito de pedalar até a escola, mercado e outros lugares. O projeto consolidou, assim, um senso de comunidade ciclística, na qual os cidadãos se identificam uns com os outros e aprendem a se respeitar.

“Meu amor pelo ciclismo é a maior coisa que tenho comigo. E meu objetivo é ver a bike fazer parte da vida de cada vez mais pessoas em Serra Leoa”, diz Mr. Stylish. “Meu sonho é ver a bandeira do meu país no Tour de France, nas Olimpíadas e nos Campeonatos Mundiais.”

Apesar de não ser chancelado por órgãos internacionais, seu Tour de Lunsar já entrou para o calendário local, e parte dos ciclistas da equipe até já estreou em uma prova internacional: o Tour da Guinea <3 <3 <3.

Bati um papo com o simpaticíssimo Abdul Stylish Kamara, que falou das conquistas e dificuldades do Lunsar Cycling Team.

O que te levou a decidir que uma equipe de ciclismo poderia ser uma boa ideia para o povo da região de Lunsar?
Abdul Karim “Stylish” Kamara: Eu decidi lançar a equipe Lunsar Cycling Team para que o ciclismo passasse a ser visto como um esporte nacional e para incentivar e empoderar as gerações mais jovens de Serra Leoa. Até então, apenas Freetown, a capital, havia tido alguma experiência com o ciclismo, nos anos 1990.

A ala feminina do Lunsar Cycling Team (Foto: Divulgação)

Como foram os primeiros meses após a criação da equipe de ciclismo, especialmente no que diz respeito a apoio para bikes, roupas e equipamentos para os atletas?
Os primeiros meses e anos foram de grandes dificuldades e desafios para apresentar a equipe de ciclismo à comunidade de Lunsar. Eu era o único ciclista da região, e toda vez que eu colocava minhas roupas de pedalar as pessoas davam risadas, especialmente de minha bermuda de lycra, que deixa a bunda da gente praticamente aparecendo. Quando eu percebi que as pessoas riam de mim quando eu estava vestido assim, resolvi aumentar meus treinos para duas vezes por dia. Fazia questão de que o último treino do dia terminasse no Central Park de Lunsar, onde os jovens costumam se reunir. Eu chegava lá e começava a fazer umas manobras com minha bike — foi daí que surgiu meu apelido “Stylish” (Estiloso). Com essas brincadeiras, fui ganhando popularidade na cidade. E isso foi me dando motivação para inspirar os jovens a pedalar também.

E foi fácil achar quem quisesse se juntar a você?
Eu conheci seis garotos que tinham mountain bikes velhas, e eles passaram a me acompanhar nos treinos todos os dias. Aí comecei a pensar em como conseguir equipamentos, incluindo bikes, para todos, o que se mostrou um tremendo desafio. Contactei o presidente da federação nacional de ciclismo para tentar conseguir bikes para minha turma. O presidente ficou surpreso com a iniciativa, porque sou de uma região bem rural de Serra Leoa. Porém a federação também estava com dificuldades para conseguir equipamentos e não poderia me ajudar. Mesmo assim, virei um grande amigo dele. Continuei tentando apoio, organizando pequenas competições locais em Lunsar, para as quais convidava o presidente da federação e o capitão da equipe nacional. Eu acabei ganhando essa primeira competição, que batizei de Tour de Lunsar.

Tive a sorte de conhecer um norte-americano chamado David Pecham, fundador do Village Bicycle Project [uma organização criada para empoderar comunidades carentes por meio da bicicleta], e o convidei para a segunda edição do Tour. Quando David voltou para seu país, começou a enviar para gente bicicletas usadas, o que nos deu um enorme incentivo a continuar pedalando. Também conheci Tom Owen, britânico que escreve sobre bikes, que nos ajudou a conseguir nosso primeiro uniforme e a trazer a primeira bicicleta Bianchi de Serra Leoa. Dessa maneira, fomos nos tornando a maior equipe de ciclismo do país.

Como a bicicleta tem contribuído para melhorar a vida das novas gerações em um país que sofreu tantos anos com guerras e violência?
Somos um projeto de empoderamento. E, de quebra, contribuímos também para a educação: todos os nossos jovens ciclistas vão para a escola pedalando, e alguns usam a bike para comprar comida e outros itens para suas famílias. Isso sem falar nos benefícios físicos de se exercitar.

Os treinos são abertos a todos que queiram participar (Foto: Divulgação)

O Lunsar Cycling Team tem trabalhado também com mulheres. Por que você resolveu abrir espaço para talentos femininos da bike?
Para promover maior equilíbrio entre os gêneros. Ao inspirar as mulheres daqui a subir na bike, elas compreendem o quanto pedalar pode mudar vidas. Em Serra Leoa, as mulheres são marginalizadas, e há um estigma generalizado de que mulher não deve pedalar. Para acabar com isso, eu abri aulas especialmente para ensiná-las a pedalar. Por causa de nossa iniciativa, muitas garotas de Lunsar agora usam a bike para ir para a escola, o mercado e outros lugares.

Atualmente quais são os maiores desafios e obstáculos da equipe?
Em primeiro lugar, é sempre difícil conseguir equipamentos, bikes e roupas. Faltam pneus, câmaras, correntes, cassetes, sapatilhas… Outro problema é conseguir atendimento médico adequado quando nossos ciclistas mais fortes se acidentam. E também não conseguimos alimentar nossos ciclistas mais experientes, não temos grana para dar alimentação a eles.

A ultracool camisa de ciclismo do Lunsar Cycling Team, produzida pela marca britânica Le Col (Foto: Divulgação)
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