Ciclocosmo https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br Um blog para quem ama bicicletas Thu, 02 Dec 2021 18:10:08 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Ciclista se torna primeira trans a pedalar do Alasca à Patagônia https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2020/05/29/ciclista-se-torna-primeira-trans-a-pedalar-do-alasca-a-patagonia/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2020/05/29/ciclista-se-torna-primeira-trans-a-pedalar-do-alasca-a-patagonia/#respond Fri, 29 May 2020 21:32:53 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2020/05/ABRE.jpg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=2683 Foram quase dois anos, mais de 46.000 km pedalados e 17 países visitados, em uma aventura que teve início no Alasca e terminou na outra ponta do continente americano, na Patagônia.

Só por isso, a empreitada de Natalie Corbett, 33, já seria estupenda. Mas a norte-americana de poderosos olhos azuis e respostas inteligentes vai muito além. Há seis anos, ela assumiu-se mulher e, assim, tornou-se a primeira ciclista trans a completar o percurso, uma das rotas mais sonhadas por quem ama viajar de bicicleta.

Yonder, a bike de Natalie, e uma nova amiga da estrada

A saga ciclística de Natalie não exige apenas determinação e pernas em dia. Requer, acima de tudo, leveza e coragem para enfrentar preconceitos e se viver como se quer. E tornar sonhos realidade — seja derrubando imposições de gênero ou estudando mapas de onde se quer pedalar.

Ver as fotos de sua expedição, algumas das quais publico aqui, é ter a honra de poder acompanhar momentos únicos de uma ciclista inspiradora. E que a todo tempo desafia regras. Seu rosto forte de olhar penetrante e sua risada em países tão distintos quanto os Estados Unidos e o Equador fascinam aqueles que sabem que uma das melhores maneiras de conhecer o mundo — ou seja, de se viver a vida — é mesmo em cima de uma bike.

Autorretrato durante a cicloviagem
Visitando a latitude zero do planeta, no Equador

A seguir, um bate-papo com Natalie sobre transgêneros, desafios e, claro, cicloviagens.

Por que você decidiu pedalar sozinha um percurso tão extenso?
NATALIE CORBETT Porque sozinha eu não preciso perguntar para outra pessoa onde ela quer ir! Para mim, pedalar é uma atividade individual, para se fazer só. Eu uso meu tempo na bike para introspecção e para me perder nos meus pensamentos. Eu curto outras atividades em que prefiro ter alguém comigo, como caminhadas no mato e escalada em rocha. Mas ciclismo, e principalmente cicloviagem, é melhor se fazer sem companhia.

Como pedalar e se lançar em aventuras ciclísticas te ajudou a ser assumir como uma mulher trans, em um mundo onde frequentemente as escolhas alheias não são respeitadas?
Eu diria que foi, na verdade, o contrário. Tornar-me uma pessoa trans me ajudou a ser uma ciclista de aventura. Aprender a não ter vergonha de quem eu sou, a ter orgulho de mim e a viver diariamente como eu acredito foi fundamental para eu viver uma vida de aventuras e acolher esse outro lado de mim mesma.

Muitas pessoas são criadas para se adequar a pequenas caixas, não para facilitar suas vidas, mas sim para fazer a vida dos outros em volta menos desconfortável. Então eu decidi sair dessa caixa das normas de gênero, deixando minha casa para viver na estrada pedalando e acampando. E há muito tempo que deixei de me importar como os outros me vêem. Tornar-me mulher foi a experiência mais profunda da minha vida — não apenas meu gênero se transformou, mas todo meu ser, em direção à pessoa que eu sempre soube que eu era.

A dura arte de limpar o cassete
A Brooks Range ao fundo, cadeia de montanha que vai do Alasca ao Canadá
Autorretrato de bretelle (bermuda de bike com alças), a melhor roupa do mundo

Quais as maiores lições que você aprendeu pedalando do Alasca até a Patagônia?
Essa é a questão mais difícil de responder. Enquanto eu estava pensando em uma maneira de dar uma resposta, percebi minha dificuldade em colocar uma experiência acima de outra. Talvez seja por minha característica de conseguir passar longos períodos de tempo pensando e procurando minhas verdades.

Estamos enfrentando um período muito duro de pandemia, quarentena etc. Como sua vida de bike na estrada te ajudou a lidar com essa situação tão bizarra?
Quando algo dá errado durante uma viagem desse tipo, você tem de tentar fazer o seu melhor e encontrar uma solução produtiva. Houve momentos quando eu estava em subidas intermináveis, com muito vento e chuva. Meu corpo estava ensopado, em uma friaca. Eu fui levada aos meus limites e me senti acabada. Nessas horas, eu gritava o mais alto que conseguia, amaldiçoando o tempo, as montanhas, tudo. Depois de um minuto de gritaria, eu me sentia melhor e prosseguia no meu caminho, porque era isso que eu tinha de fazer.

E é isso que precisamos fazer agora, deixar essas emoções saírem, extravasar as tensões do corpo. Depois disso, vamos usar nossas máscaras e nos isolar até que tudo fique mais seguro. Não está sendo fácil, mas no final essas medidas de proteção vão ter valido a pena.

Camping à beira da Laguna Islacocha, no Peru
Poderosa, corajosa, independente, musa absoluta
Natalie com a jersey (camisa) da marca americana Machines for Freedom, que apoia ciclistas que celebram a diversidade

 

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Colírio na pandemia: as fotos maravilhosas do mais antigo clube de cicloturismo off-road https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2020/04/21/colirio-na-pandemia-as-fotos-maravilhosas-do-mais-antigo-clube-de-cicloturismo-off-road/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2020/04/21/colirio-na-pandemia-as-fotos-maravilhosas-do-mais-antigo-clube-de-cicloturismo-off-road/#respond Tue, 21 Apr 2020 19:26:35 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/Chater-John-Arthur-Easter-1973.jpeg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=2627 Se a pandemia tem nos proibido de pedalar (pelo menos entre os ciclistas sensatos), ainda podemos sonhar com estradas e trilhas desafiadoras e cicloviagens por montanhas longínquas, em aventuras nas quais só importa o prazer libertário que a bike é capaz de proporcionar.

Que o digam os integrantes do Rough-Stuff Fellowship, o mais antigo clube de ciclismo off-road do planeta. Criada em 1955, em Leominster, uma pequena cidade do Reino Unido, quase divisa com País de Gales, a organização possui um dos mais belos e comoventes arquivos de fotos de expedições ciclísticas, desde aquela época até hoje.

Em expedição da Inglaterra à Austrália em 1984, amigos pedalaram de Katmandu ao campo base do Everest (Foto: Cortesia Rough-Stuff Fellowship)

São imagens como estas que você aqui no Ciclocosmo, tiradas por viajantes que há mais de seis décadas perceberam dois pontos essenciais para uma vida feliz: conhecer o mundo em cima de uma bicicleta e, de preferência, por estradas sem pavimentação que cortam terras isoladas e paisagens únicas.

O Rough-Stuff Fellowship surgiu quando Bill Paul, um ciclista de Liverpool, decidiu colocar um anúncio na então revista The Bicycle, conclamando entusiastas de cicloviagens off-road para se unir a ele em um clube. Poucos meses depois, cerca de 40 pessoas se reuniam em um pub em Leominster para o primeiro encontro da organização — que, aliás, funciona até hoje.

Empurra-bike (tandem!) em estradas de terra da Irlanda, em 1955 (Foto: Cortesia Rough-Stuff Fellowship)

Não se tratava de um clube para ultraciclistas que pedalam milhares de quilômetros, muito menos uma instituição para celebrar recordes ou grandes performances atléticas. Era, isso, sim, uma reunião de pessoas comuns, em sua maioria de classe média, com uma enorme paixão por desbravar a Terra de bike. Sem distinção de sexo, como você pode checar nas diversas imagens de mulheres participando das trips.

Pelas fotos (como a de cima), dá para ver como boa parte das expedições era um “empurra-bike” sem fim. Os dois ciclistas que foram pedalando de Katmandu, capital do Nepal, até o campo base do Everest, em 1984, confessaram que pedalaram uns 20% do percurso, empurrando suas bicicletas quase 80% do trajeto restante. Pura aventura da maior qualidade.

Cruzando o rio Maize Beck Crossing Easter, na Inglaterra, em 1966 (Foto: Cortesia Rough-Stuff Fellowship)

Uns dois anos atrás, o clube contratou o arquivista Mark Hudson para cuidar das milhares de imagens que foram sendo colecionadas ao longo das décadas, muitas delas de qualidade surpreendente. Os retratados se mostram cheios de estilo, com suas bikes de ferro de guidão curvo, encarando perrengues sensacionais.

Hudson não só organizou o arquivo como criou uma conta do Rough-Stuff Fellowship no Instagram, o que tem ajudado o clube a ganhar notoriedade e atraído aficionados por viagens desse tipo, em especial após a popularização da modalidade gravel (não sabe o que é? Escrevi sobre isso aqui).

Eram tantas fotos maravilhosas que Hudson decidiu que havia material suficiente para um livro, lançado recentemente no Reino Unido (mais informações aqui).

Parada para descanso na cidadezinha inglesa de Myerscough Smithy, em 1965 (Foto: Cortesia Rough-Stuff Fellowship)

Conversei com Mark Hudson para saber mais sobre esse fantástico clube que, com suas fotos, nos faz lembrar do poder que é ganhar o mundo pedalando (mesmo que tenhamos de esperar em casa até o arrefecimento de uma pandemia).

Quantas fotos possui o arquivo do Rough-Stuff Fellowship? Você tem uma preferida?
MARK HUDSON Há mais de 20.000 imagens, até perdi a conta exata! Uma grande parte é de slides em 35 mm, mas temos também muitas fotos e negativos em preto e branco. Não consigo ter uma imagem preferida, porque há tantas muito boas! E cada uma é envolta em sua história.

Como o arquivo foi se expandindo ao longo das décadas? Ainda há gente que envia fotos?
Tem crescido muito! Eu continuo encontrando fotos antigas que não conhecia, e também estou sempre aberto a receber mais material. Antes de eu me tornar arquivista do Rough-Stuff Fellowship, havia apenas umas 200 imagens disponíveis. Agora temos milhares, além de uma ótima coleção do nosso periódico Rough-Stuff Fellowship, cuja origem data de 1955. E também diários e recortes de jornais e outros tipos de materiais dos membros do clube.

A conta de Instagram do clube surgiu em 2018 e já conta com 18.000 seguidores. O que essas fotos têm que vêm atraindo tanta gente?
Quando eu comecei no arquivo, quis imediatamente compartilhá-lo com pessoas que não faziam parte do clube. A resposta foi incrível. Eu acho que isso aconteceu porque as pessoas das fotos são gente comum que se jogou por aí com suas bikes décadas e décadas atrás. É o tipo de pedal (ou caminhada!) que muitos ciclistas estão fazendo só agora. Espero que os seguidores do nosso perfil se sintam inspirados a viajar e curtir a natureza.

Em 1972, a brabeza de pular uma porteira na Escócia com bike de ferro no ombro (Foto: Cortesia Rough-Stuff)Fellowship)
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