Ciclocosmo https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br Um blog para quem ama bicicletas Thu, 02 Dec 2021 18:10:08 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Deveríamos mesmo pedalar em rodovias? https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2019/02/01/deveriamos-mesmo-pedalar-em-rodovias/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2019/02/01/deveriamos-mesmo-pedalar-em-rodovias/#respond Fri, 01 Feb 2019 16:43:42 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2019/01/5d43c039-cd44-4642-9837-3fbec2756c3f-320x213.jpeg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=1965 O título deste texto é, no mínimo, polêmico. E vou ouvir muuuuuitas broncas de colegas ciclistas e desconhecidos que pedalam em estrada, como eu. Mas à luz de um dos piores e mais trágicos acidentes envolvendo bikes em rodovias de São Paulo, a pergunta é pertinente — e necessária para criar debates sobre segurança.

No dia 26 de janeiro, um ônibus atingiu um pelotão de ciclistas na Rodovia dos Bandeirantes, na altura do quilômetro 17 sentido capital paulista, como noticiou a Folha.

Não era apenas “um grupo de ciclistas”: eles eram, em sua maioria, meus amigos. Três atletas morreram, entre elas Keila Blumen, 41, amiga que há mais de uma década me fazia gargalhar com seu alto astral toda vez que íamos pedalar juntas e temíamos qualquer descida mais braba.

Todos os atletas (cerca de 28) estavam fazendo parte dos treinos da JP Ciclismo, empresa do meu antigo treinador João Paulo Vidal, com quem pedalei por mais de três anos semanalmente.

Em choque, desde então não parei de me fazer a pergunta que dá título a meu texto (e olha que já pedalei em praticamente todas as rodovias paulistanas).

O ônibus que se chocou com os ciclistas resultou em três óbitos, entre eles Keila, que morreu na hora (Foto: Jornal da Região)

Se você não é ciclista de estrada, que fique claro: nós sabemos dos riscos de se pedalar em rodovias. Não amamos levar fechadas de carros enlouquecidos ou segurar a bike com força para não cair porque um caminhoneiro desvairado tirou uma fina de propósito (quase sempre buzinando para “fazer graça”).

Porém não tivemos a sorte de nascer na Europa, onde a presença de ciclistas em autoestradas é proibida. Os europeus contam com um emaranhado de estradas secundárias, onde trafegam poucos veículos. Gozam também de uma cultura de maior respeito ao ciclismo — esporte que estamos vendo “bombar” nos últimos anos em cidades como São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.

Mais do que isso: é comum em diversas cidades europeias poder levar a bike no metrô, ônibus e trem, facilitando a vida para se chegar a essas outras opções de treino menos movimentadas.

No Brasil, meu caro, a vida é dura: no metrô de São Paulo, por exemplo, só podemos transportar a bicicleta durante a semana a partir das 20h30! Aos sábados, a partir das 14h — mas quem treina depois das 14h, não é mesmo?

Se você não tem carro, não pode se dar ao luxo de pedalar em locais mais tranquilos como a Estrada dos Romeiros (que começa no km 48 da Castello Branco) ou no Riacho Grande (perto de São Bernardo do Campo). Os menos privilegiados encaram “na raça” a Marginal Pinheiros ou a Tietê, se arriscam todos os finais de semana na Anhanguera, Anchieta, Castello, Band etc.

Durante a semana, com a ciclovia do rio Pinheiros parcialmente interditada há ANOS (leia mais aqui), em um imbróglio ridículo e sem data para ser reaberta, sobra-nos nos espremer ali ou enfrentar motoristas mau-humorados na Cidade Universitária. Sim, há muitos ciclistas mal-educados também, que pedalam como se estivessem dirigindo e que pioram toda essa situação.

Cena da tragédia que envolveu ciclistas no dia 26 de janeiro (Foto: Jornal da Região)

Dito tudo isso, começa a ficar claro que a tal pergunta do título não tem muita resposta “certa”. Não deveríamos pedalar tão perto da morte na Rodovia dos Bandeirantes. Jamais deveríamos ir de bike até o incrível Pico do Jaraguá cruzando tantos veículos que (1) não estão habituados a verem cada vez mais ciclistas no acostamento e (2) que muitas vezes não percebem que deveriam redobrar a atenção ao topar com um grupo de pessoas e suas bikes.

A questão aqui não é fazer dos ciclistas as “vítimas”: quando vamos em bandos para o acostamento de uma autoestrada, também podemos colocar a vida de motoristas em risco em caso de, por exemplo, um acidente bobo.

Para Aparecido Inácio Ferrari de Medeiros, advogado e ciclista que preside a comissão de mobilidade urbana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), a situação-limite a que chegamos “é fruto de uma demanda reprimida, pois nos últimos anos o ciclista foi discriminado, esquecido, tratado como um ser secundário”. Isso, ele completa, “mesmo quando a regra do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) diz que o menor deve ser protegido pelo maior — no caso o carro deve proteger a bicicleta”.

Como bem explica Medeiros, governo e concessionárias sempre pensaram nas estradas e rodovias focando apenas nos carros, relegando a bicicleta a um segundo plano. “Quando a gente está em reunião com o governo e concessionárias e falamos do nosso direito de livre circulação previsto no artigo 58 do CTB, todos se fazem de desentendidos”, diz o advogado, que também é membro do Ciclo Comitê Paulista, que organizou as conversas entre os órgãos públicos e sociedade civil envolvidos no Pedal Anchieta (que reuniu mais de 30 mil ciclistas no final de 2018 de São Paulo a Santos, como escrevi aqui).

Medeiros faz ainda uma importante observação: “Os ciclistas devem ter claro também que todo direito impõe responsabilidades, e uma delas estabelece o respeito igual às regras de trânsito”.

Ou seja, antes de se lançar ao ciclismo de estrada em alguma autoestrada, pense bem se você está mesmo fisicamente apto para ir; se seus equipamentos passaram por manutenção recente; se o grupo com quem você vai é experiente; se o dia/horário da semana escolhido não terá carros em excesso; se as condições climáticas permitem o pedal (muitos amigos meus vão para a estrada mesmo sob garoa e com asfalto escorregadio).

Enfim, é preciso ter mais que coragem para ser um verdadeiro ciclista de estrada — é necessário, antes de tudo, ter bom senso.

Que os ciclistas que se foram no dia 26 descansem em paz.

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Como é ter sua bike roubada em plena rodovia dos Bandeirantes https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2018/07/16/como-e-ter-sua-bike-roubada-em-plena-rodovia-dos-bandeirantes/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2018/07/16/como-e-ter-sua-bike-roubada-em-plena-rodovia-dos-bandeirantes/#respond Mon, 16 Jul 2018 23:19:58 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2018/07/WhatsApp-Image-2018-07-16-at-18.07.57-320x213.jpeg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=1639 Você compra uma bike com o suor do seu trabalho, em um esporte caríssimo e muitas vezes elitista. Até que, em um domingo de sol, é atacado e jogado na estrada, no meio de caminhões.

Perde sua bicicleta, assim, do nada, e o que restam são escoriações, dores no corpo e medo.

Heitor Silva, 29, pedalava com um amigo no domingo (15 de julho) na rodovia dos Bandeirantes, entre os quilômetros 26 e 28, sentido capital paulista — como tem feito dezenas de vezes desde que começou a treinar ciclismo de estrada, há um ano.

Sua bicicleta não era “top de linha”, muito menos daquelas que ultrapassam os R$ 25 mil. Pelo contrário: ele nem sabe a idade do quadro, da marca Olmo. Levou seis meses para comprar todas as peças, economizando aqui e ali.

Mesmo assim, sem estar a bordo de uma bike vistosa ou com roupas caras e chamativas, ele e o colega foram atacados por quatro jovens. Passaram momentos de pânico. O amigo conseguiu fugir, mas Heitor perdeu aquela que vinha alegrando seu dia a dia.

Heitor e sua Olmo, comprada com esforço e montada ao longo de seis meses (Foto: Instagram)

Em mais um exemplo de descaso público contra a segurança de quem pedala nas estradas, o roubo se soma a uma longa lista de casos semelhantes em São Paulo. Como a Folha revelou em 2017, só nos primeiros quatro meses do ano passado o número de roubos de bicicletas na capital paulista teve um aumento de 77,8% em relação ao mesmo período de 2016.

A seguir, Heitor conta como foi o roubo.

Seu amigo, William de Andrade Soares, de 24 anos, também relatou para este blog como foi ter de fugir na contramão em uma das maiores rodovias do país. “Quando vi os assaltantes, minha primeira reação foi jogar a bicicleta para a pista”, diz Will. “Nem olhei se estava passando algum caminhão. Acabei caindo, talvez por ter sido empurrado. Levantei assustado, montei na bike e fui embora. Olhei para trás e vi o Heitor sendo empurrado no chão. Pensei em voltar, mas ouvi meu amigo gritando me mandando ir embora”, lembra ele.

Lamentável, triste, frustrante. Para dizer o mínimo.

A bike roubada, que Heitor usava para treinar em lugares como o Pico do Jaraguá (Foto: Instagram)

O ATAQUE
HEITOR SILVA: “Estávamos voltando para São Paulo, na rodovia dos Bandeirantes. Naquele trecho, entre os quilômetros 26 e 28, há um pequeno viaduto, onde passa um acesso para a região de Perus.

Nesse viaduto, há uma subida leve. Pedalávamos em um passo legal, a uns 25 km/h. De repente, vi quatro pessoas saltando o guard-rail.

Por mais que eu soubesse de casos de roubo nas estradas, levei um susto. Foi tudo muito rápido, eles logo vieram em nossa direção.

Na hora, você liga o modo sobrevivência. Praticamente saltamos para o meio da rodovia, pedalando ainda. Os caras foram atrás, me agrediram, me jogaram no chão.

Eu caí no meio da Band, uns 2 metros à frente do William, que conseguiu voltar para a bike e pedalar na contramão, no meio dos carros e caminhões. Um dos garotos foi atrás dele.

Dois caras me seguraram, pegaram minha bike, me arrastaram pela rodovia. Você tenta escapar, se debate, sai no soco… até você se deparar com uma arma na sua cara. Aí você fica paralisado.”

O CHOQUE
“Foi muito tenso quando percebi que havia uma arma de fogo apontada para minha cabeça. Parece cena de filme. Lembro de alguns caminhões saindo pela direita, desviando pela esquerda.

Eu caí na quarta, terceira faixa da Band, algo extremamente perigoso.

Quando apontaram a arma, simplesmente parei, em choque. Levaram a bike. Enquanto um dos caras apontava a arma, os outros saltaram o guard-rail de volta para o mato, pegaram o acesso sentido bairro e foram embora.

Confuso, simplesmente comecei a caminhar na estrada. Parei uns 3 km para frente… Fiquei pensando: ‘O que aconteceu?’, sem saber se voltava para casa, se acionava alguém. Entrei em um modo vazio…

Fique lá um tempo até o William me encontrar de novo. Acionamos o resgate, que chamou a polícia rodoviária. Eles nos encaminharam para fazer um boletim de ocorrência, o que levou horas, aquela burocracia. Só aí fomos embora para casa.”

Heitor, com a Olmo roubada, e um amigo pedalam à noite na USP (Foto: Instagram)

O DIA SEGUINTE
“Acho que até agora não caiu a ficha completamente. Mas o universo da bike é um ciclo muito grande de pessoas solidárias, que ajudam umas às outras, independentemente do estilo e preço da bike.

Só tenho a agradecer todo mundo que está me apoiando, tentando me ajudar a recuperar minha bicicleta. Teve gente da região que foi até a comunidade perguntar, teve gente que criou grupo de Whatsapp para ajudar. Isso fortalece as amizades adquiridas na vida na bike.

Eu, fisicamente, estou com algumas escoriações na mão, no pescoço. Bati a bacia durante a queda. O joelho deu uma zoada também, pois asfalto queima. Psicologicamente, estou bem, perdi minha bike, mas é um bem material. Vou correr atrás, bola para frente.

Apesar de ser um ciclista amador, participo de algumas provas. Vou correr atrás do prejuízo, tentar não parar de treinar.

Esses casos precisam ser divulgados, para a galera estar ciente. E para ver se alguém toma alguma uma providência. Já passou da hora de providências serem tomadas para nossa segurança.

Fica o aviso para a galera que treina nas estradas: cuidado.”

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