Ciclocosmo https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br Um blog para quem ama bicicletas Thu, 02 Dec 2021 18:10:08 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Na semana da mobilidade, São Paulo pôde festejar, mas há muito a mudar https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/09/26/na-semana-da-mobilidade-sao-paulo-pode-festejar-mas-ha-muito-a-mudar/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/09/26/na-semana-da-mobilidade-sao-paulo-pode-festejar-mas-ha-muito-a-mudar/#respond Sun, 26 Sep 2021 16:55:57 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/GGG4455-2-320x213.jpg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=3197 “Atualmente, São Paulo virou referência de estrutura cicloviária”, contudo, “ainda temos vergonha de suar, de chegar de bicicleta nos lugares.” Juntos, esses dois comentários —respectivamente do urbanista Gustavo Partezani e da vereadora e cicloativista Renata Falzoni— demonstram o nível da dicotomia cultural que a mobilidade sustentável sofre na cidade mais populosa do Ocidente.

Com a maior malha cicloviária do país —segundo a CET, são 684Km—, a cidade de São Paulo ainda não preparou seus cidadãos para utilizá-la. Para Partezani, ainda falta um plano de educação para a mobilidade: “a urbanidade ensinada nas escolas ainda não aborda uma questão fundamental no desenvolvimento do ser-humano, que é a educação para o espaço público, para a mobilidade.” 

Durante a semana mundial da mobilidade (20-26 de setembro), percorri —de bike, claro— ruas do centro e da periferia da cidade. O que senti foi chocante, e confirma a falta de pedagogia para a mobilidade, relatada por Partezani. A já famosa agressividade do motorista brasileiro, sentida na pele por todo ciclista que roda por aqui, surge —ridícula e obviamente!— de uma falta de investimento em educação para os deslocamentos urbanos sustentáveis. A formação básica dos cidadãos para o tema da mobilidade, seja qual for seu estrato social, é superficial ou inexistente dentro do sistema educacional de nosso país.

Ciclistas na ciclovia da av. Paulista (foto: Caio Guatelli/Folhapress)

Desde o Tremembé (zona norte) até o Capão Redondo (zona sul), passando pelo caos do centro, pelo rico Jardins e pelo diverso Paraíso, o cenário falho é todo muito parecido —com as portas voltadas para importantes ciclovias, escolas paulistanas tem nenhuma (ou quase nenhuma) preocupação com cidadãos ciclistas. Falta desde a oferta de estrutura para estacionar bicicletas, até a importante orientação pedagógica sobre o assunto.

A vereadora Falzoni indica que, no Brasil, aprendemos a nos deslocar na cidade por conta própria: “somos orientados pelo ‘não!’ —‘não pedale na rua!’—, mesmo a rua sendo legalmente uma via para bicicletas.” A vereadora ainda comenta que na Alemanha, a educação para a mobilidade sustentável começa muito cedo: “lá as crianças aprendem a pedalar na escola, aos 6 anos de idade. Quando chegam aos 12, passam a ensinar as mais novas e ganham o diploma de cidadã.”

De volta à realidade nacional… Os dois filhos adolescentes da engenheira Erika Horta estudam no Bandeirantes, uma das escolas que mais produzem intelectuais em São Paulo. Mesmo morando no bairro do “Band” (Paraíso), Erika prefere levar os filhos de carro ou a pé por temer o trânsito agressivo. Sobre a orientação escolar, a mãe comenta: “acho que a escola não os encoraja, lá não há nem bicicletário”. 

Entregador usa bicicleta na ciclovia da av. Paulista (foto: Caio Guatelli/Folhapress)

Questionado, o Bandeirantes afirmou ter oferecido, em 2019, um programa extra-curricular sobre mobilidade urbana para a primeira série do ensino médio. Entretanto, a direção da instituição não comentou sobre a continuidade do curso, nem soube responder sobre as qualidades dos próprios equipamentos de apoio ao deslocamento por bicicleta. Disseram haver um bicicletário, mas não respondem sobre o número de vagas e a frequência de sua utilização. Levantei o dado por conta própria —são apenas 6 paraciclos para 2600 alunos!

Muitos alunos do Bandeirantes nunca ouviram falar da oferta do programa extra-curricular citado pela direção da escola, tampouco da existência dos paraciclos.

Na região central, alunos e professores da escola municipal Celso Leite Ribeiro Filho são servidos com uma ótima ciclovia que passa pelo portão de entrada. De nada adianta —na escola não há sequer uma única vaga para bike. “Nunca vi ninguém chegar aqui de bicicleta. Nem professor, nem aluno, nem pai de aluno”, relatou um dos professores da instituição enquanto uma van escolar atendia seis estudantes, moradores do mesmo bairro onde fica a escola.

Chega a ser constrangedor —tantos investimentos públicos e privados em malha cicloviária, tantos alertas sociais e ambientais, e tanta gente insistindo no trânsito sujo e caótico que nos adoece e mata desde o século passado! Sem falar no custo do carro, dos 7 Reais por litro de gasolina, do tempo perdido… A mudança de hábitos é urgente, e começa com incentivo e educação —para jovens e adultos— em ocupação sustentável e pacífica do espaço público.

Pela ciclovia do Rio Pinheiros é possível ir de Pinheiros até Interlagos pedalando. De quebra, você pode conhecer muita gente legal pelo caminho! (foto: Caio Guatelli/Folhapress)

Guardadas as excessões —e com todo o respeito a quem não pode pedalar—, carro é, na maioria das situações urbanas, um atraso em sua vida! Bora chegar de bike na escola, no trabalho, na casa dos amigos… Além de cuidar da sua saúde, você conhecerá gente muito mais interessante pelo caminho do que conheceria trancado em sua bolha ambulante —experiência própria, pode confiar!

SERVIÇO

Rede Bike Anjo —O projeto tem por objetivo trazer mais ciclistas para as ruas, de forma segura. A rede oferece aulas GRATUITAS para quem quer aprender a pedalar ou para quem já sabe mas tem medo de se deslocar pela cidade. Os voluntários —bike anjas e bike anjos— também oferecem soluções para colégios e empresas.

Para chama-los, basta se inscrever (por aqui).

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Cicloativistas defendem grande eixo cicloviário ligando SP até Santos https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/06/17/cicloativistas-defendem-grande-eixo-cicloviario-ligando-sp-ate-santos/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/06/17/cicloativistas-defendem-grande-eixo-cicloviario-ligando-sp-ate-santos/#respond Thu, 17 Jun 2021 13:24:24 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/2-320x213.jpeg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=3113 Palmas e vivas para os ótimos coletivos de ciclistas que existem em São Paulo — são eles que propõem soluções, cobram o poder público, fiscalizam o dia a dia ciclístico da cidade e, sempre incansáveis, pensam em como a capital pode melhorar sua mobilidade por meio da bicicleta.

Recentemente, os coletivos Bike Zona Sul, Bike Zona Oeste, Bike Zona Norte e Bike Zona Leste têm batalhado para que uma ideia genial finalmente seja colocada em prática por aqui: um grande eixo cicloviário intermunicipal conectando todas as zonas de São Paulo até Santos, incluindo Guarulhos numa ponta e a Rota Turística Marcia Prado na outra.

Conectar diversas regiões de cidades por meio de ciclovias é uma estratégia fenomenal que ajuda a melhorar o trânsito e a levar mais pessoas a se locomover de bike.

Em lugares como Pesaro, uma comuna na costa leste da Itália, há redes de ciclovias que interligam centro e bairros, com sinalização inteligente (o projeto ganhou o nome de Bicipolitana, sobre o qual escrevi aqui).

Veja o mapa ciclístico de Pesaro, que beleza — organizado por cores semelhantes ao metrô de Londres e repleto de oficinas mecânicas e outros comércios importantes para quem pedala ao longo dos percursos:

Em São Paulo, o grande eixo cicloviário contemplaria a ciclovia do Rio Pinheiros, que possui atualmente 21,5 km, que se ligaria a uma ciclovia do Rio Tietê, a ser construída, com 26 km. Dali, ela se comunicaria com a atual ciclovia do Parque Ecológico do Tietê (14 km) e, a partir de um novo trecho de 8 km, chegaria até o aeroporto de Guarulhos. Tudo de forma supersegura para o ciclista.

Na outra ponta do Rio Pinheiros, a ciclovia se estenderia de modo a se ligar com a Rota Cicloturística Marcia Prado até Santos. Tudo totalizaria 146 km, com a maior parte do trajeto acontecendo sem contato com carros, ônibus, motos e afins.

Com a realização do eixo cicloviário, ciclistas de muitas regiões da cidade poderiam se deslocar para Guarulhos, Santos, e vice-versa. Seria uma baita ferramenta para incentivar mais pessoas a deixarem seus carros, a cuidarem mais da saúde, fazerem esportes e, resumindo, terem uma rotina muito melhor.

“Essa ideia é antiga e já foi citada algumas vezes ao longo dos anos por cicloativistas. A diferença é que agora em 2021 analisamos mapas e vias para propor um trajeto mais detalhado”, diz Thomas Wang, 26, do Bike Zona Sul.

Wang explica que o projeto depende de estudos, de vontade política e, claro, de verba do governo do Estado, das prefeituras e diferentes autarquias e empresas envolvidas. “É uma proposta que abrange várias regiões e autoridades, por isso é complexa e precisa do apoio de todos os ciclistas e de grupos que trabalham com mobilidade, turismo e sustentabilidade.”

Nos últimos tempos, o governo e a prefeitura de São Paulo vêm demostrando maior interesse em assuntos ligados à bicicleta. Seria um passo importantíssimo se o poder público transformasse a ideia do grande eixo em realidade — melhorando a vida não só de ciclistas, mas de todo mundo que mora aqui.

 

 

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Dez anos de atropelamento de ciclistas no RS é relembrado com ato mundial https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/02/24/dez-anos-de-atropelamento-de-ciclistas-no-rs-e-relembrado-com-ato-mundial/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/02/24/dez-anos-de-atropelamento-de-ciclistas-no-rs-e-relembrado-com-ato-mundial/#respond Wed, 24 Feb 2021 20:23:11 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/WhatsApp-Image-2021-02-24-at-15.56.14-320x213.jpeg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=3027 Foi uma cena surreal, que a gente não esquece nem depois de dez anos: durante uma manifestação de cicloativistas da Massa Crítica de Porto Alegre, o bancário Ricardo Neis atropelou intencionalmente 17 participantes.

Ele estava em um Golf preto e, após ficar irritado por não conseguir passar pelo protesto, decidiu que o melhor a fazer não era, por exemplo, virar em uma outra rua ou esperar uns minutos — mas, sim, dar ré, pegar “impulso” e jogar seu automóvel contra o grupo de ciclistas.

Em 2016, o motorista enfim foi condenado por 11 tentativas de homicídio e cinco acusações por lesão corporal. Porém só foi preso mesmo em maio de 2020.

O atropelamento não gerou apenas choque e revolta no país e no resto do planeta. Por causa dele, cicloativistas de diversas nações decidiram se unir para criar o Fórum Mundial da Bicicleta, um movimento horizontal com o objetivo de debater a questão da bike nas cidades e encontrar caminhos para melhorar a mobilidade e fazer com que os centros urbanos planejem com mais consciência seu espaço para pedestres e ciclistas.

No dia 25 de fevereiro (nesta quinta-feira), completa-se uma década do trágico ataque de Ricardo Neis contra essa comunidade de bikers que estava reunida exatamente para se fazer vista e ouvida pelas autoridades e cidadãos — isso em uma época bem menos bike friendly do que hoje.

Ciclistas ao lado das bikes atropeladas por um motorista em Porto Alegre, em 2011 (Foto: Agência Folha/Veja)

Para celebrar a data — e relembrar a violência que ainda existe contra quem pedala, o Fórum Mundial da Bicicleta está conclamando ciclistas a participarem de um ato coletivo contra a violência no trânsito.

Em tempos de pandemia, o protesto do dia 25 pode acontecer de diversas maneiras, mesmo que seja postar uma foto em sua rede social pedindo mais responsabilidade de motoristas e governo, ao lado da hashtag #movendomassas (se puder colocar as versões em inglês e espanhol, ajuda: #movingmasses e #moviendomasas).

Vale também reunir amigos (todos de máscara, evidentemente) e pedalar em sua cidade, em um ato pacífico de ocupação do espaço público pelo meio de locomoção mais limpo e incrível que existe: a bike.

A cicloativista colombiana Ximena Maria Rodriguez Figueroa faz parte do Fórum Mundial e também é empreendedora no mercado cada vez mais pulsante que envolve a bicicleta, como dona da marca Chic*Lista, que produz lindas mochilas e bike bags em seu país.

Ela conversou com o Ciclocosmo sobre o Fórum, os dez anos do atropelamento e sobre a importância de se celebrar essa data para que ninguém esqueça daqueles que arriscaram e arriscam a vida para fazer das cidades lugares mais amigos da bike e das pessoas em geral:

A colombiana Ximena Maria Rodriguez Figueroa, do Fórum Mundial da Bicicleta (Foto: Arquivo Pessoal)

CICLOCOSMO: Qual o papel do Fórum Mundial da Bicicleta hoje? E como você avalia estes dez anos de movimento?
XIMENA FIGUEROA: Desde sua criação, o Fórum teve um papel muito importante na construção da ideia de mobilidade sustentável através de espaços onde se possa discutir mobilidade ciclística, segurança, infraestrutura cicloviária etc. Hoje temos reconhecimento mundial, como um evento que reúne cicloativistas e expoentes da mobilidade e da luta pela cidadania.

Em 2021, estamos organizando o 10º Fórum Mundial da Bicicleta, entre 8 e 12 de setembro, em Rosário, na Argentina. É muito gratificante saber que, a cada edição, atraímos mais pessoas querendo se vincular ao Fórum, vindas de diferentes áreas e todas interessadas em gerar impactos, mudanças e evoluções no universo ciclístico em diversas cidades do planeta.

Nestes últimos dez anos, o espaço para a bicicleta foi muito discutido no mundo, e a figura do ciclista vem ganhando destaque. Por que você acredita que isso aconteceu? 
Sem dúvida, o espaço aberto pelo Fórum Mundial da Bicicleta tem sido de grande importância para dar voz ao ciclista e exigir melhores condições e infraestrutura para se pedalar nas cidades.

Somado a isso, o mundo em geral vem passando por uma transformação e conscientização em relação à sustentabilidade, ao meio ambiente. O comportamento das pessoas já não é mais o mesmo de dez anos atrás, e uma boa parte da humanidade agora está mais consciente sobre o mundo em que vive e sobre as pequenas e grandes mudanças que podem ser conseguidas em se assumir certos hábitos que beneficiam o indivíduo e o coletivo — por exemplo, priorizar a bicicleta como meio de transporte como forma de reduzir a emissão de poluentes e também de melhorar a saúde dos cidadãos.

Ainda falta muito para que as cidades respeitem o ciclista e criem condições reais de segurança para que mais pessoas usem a bicicleta. Como essa situação pode melhorar?
É lamentável ver como ainda existe rancor e até mesmo ódio pelos ciclistas nas cidades. Não tenho uma resposta certa para explicar esse comportamento, mas acredito que tenha a ver com pensamentos egoístas instaurados pelas sociedades de consumo.

Para melhorar essa situação e fazer com que as cidades respeitem o ciclista e ofereçam condições reais de segurança para se pedalar, precisamos seguir firmes com movimentos como o Fórum. Precisamos manter um trabalho em conjunto com setores públicos, privados, com ativistas e cidadãos. Seguir convocando as pessoas e o mundo a melhorar a infraestrutura para o ciclista e educar a população a ter mais empatia é a chave para conseguir que mais gente use a bike e se sinta segura pedalando.

Você acha que um dos legados da pandemia será transformar as cidades e torná-las mais amigas da bicicleta?
Sem dúvida a pandemia tem obrigado, de certa forma, a que mais pessoas usem a bici como meio de transporte, afinal oferece menos risco de contágio que, por exemplo, o transporte público.

Quando se aumenta a demanda, é preciso ampliar a infraestrutura ciclística. E, de certa maneira, a pandemia vem ajudando a acelerar esse processo de construção de uma mobilidade sustentável, com a criação de mais quilômetros de ciclovias e outros espaços exclusivos para a bicicleta.

Espero que esse impulso continue, não apenas com mais infraestrutura dentro das cidades, mas também conectando cidades e populações próximas.

]]> 0 Carta a Marina Harkot https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2020/11/11/carta-a-marina-harkot/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2020/11/11/carta-a-marina-harkot/#respond Wed, 11 Nov 2020 19:01:11 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/7pb2ur6yesl3rwv98vhnl12k7-320x213.jpg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=2991 Querida Marina,

Não te conheci pessoalmente e, após saber da sua morte no último domingo (8/nov), fiquei me perguntando como teria sido sensacional ouvir você defendendo suas ideias tão certeiras e contemporâneas sobre mobilidade, gênero, bicicleta e cidades mais humanas.

Puxa, Marina, como alguém de 28 anos e em pleno caminho para conquistar um doutorado que São Paulo necessitava tanto morre assim? Queria ter te conhecido lá pelos seus 20 anos, para poder ter visto de perto a formação de suas teorias de que as cidades precisam ser para todos — e isso exclui segregar grupos em determinados espaços, aprisionar ciclistas em certos “chiqueirinhos” e manter divisões socioeconômicas que ainda nos remetem aos tempos coloniais da escravidão.

Sabe que ouvi muita gente próxima e querida perguntar por que você não estava pedalando na ciclovia ali da Sumaré, e sim na rua. Escutei até alguém falar que era muito tarde, já passava da meia-noite, para uma menina pedalar sozinha naquela escuridão.

Ainda bem que me enviaram um vídeo da sua orientadora, a professora Paula Freire Santoro (FAU-USP). Porque eu, na minha tristeza, não teria tido a clareza de proferir as palavras tão impactantes de Paula: você estava no lugar onde deveria estar. No horário em que queria estar. Conhecia aquele trecho de São Paulo muitíssimo bem. A questão não é culpar a própria vítima pelo “incidente” (termo que você mesma usou em uma palestra, pois não foi “acidente”). As cidades são para todos, né, Marina? É preciso urgentemente aprender a compartilhar os espaços.

Adeus, Marina, obrigada por tudo (Foto: Arquivo Pessoal)

Na cidade de São Paulo, são tantos e tão variados os corpos que diariamente lutam para se locomover de forma limpa, seja de bike ou a pé. Todo ciclista já tomou “fechada educativa”, recebeu xingamento do nada e teve de suportar carros passarem colados a nosso guidão. O motorista, de cara feia, grita que nosso lugar é na ciclovia. A menina sozinha leva cantada e até passada de mão em movimento. Ainda bem que você sabia que nosso lugar é onde queremos estar, Marina.

Você também sabia que ciclovia não é garantia de segurança (aquela lá do Sumaré tem tantos assaltos). Em 2018, ano em que você defendeu sua dissertação de mestrado (A bicicleta e as mulheres: mobilidade ativa, gênero e desigualdades socioterritoriais em São Paulo), por exemplo, eu pedalava na ciclovia da Pedroso de Moraes e, ao atravessar a rua em um trecho sem semáforo, quase morri ao ser atingida por um carro que não olhou se ali — um local de ciclovia! — poderia haver ciclistas. Dente quebrado, ligamento rompido, rosto cheio de hematomas e meses em trauma.

Que pena que não nos conhecíamos para você me dar força e me fazer entender que, diante da violência do trânsito, é preciso continuar, estudar, debater, lutar por um mundo melhor.

Eu, logo após ser atropelada pedalando em uma ciclovia de SP

Eu fico olhando suas fotos, seu rosto ainda tão jovem, porém já tão cheio de conquistas. Sinto orgulho imenso de sua garra, de seu talento para analisar problemas e soluções para as caóticas cidades brasileiras.

Caramba, Marina, o mundo é mesmo tão doido. Não acredito que não vai dar para te convidar para uma cerveja em alguma bicicletaria de São Paulo e te ouvir me explicar que, sim, as cidades têm futuro — e passam por políticas públicas sérias, nas quais o carro para de ser o centro dos interesses para dar lugar aos pedestres e ciclistas.

Precisava tanto do seu sorriso agora para me animar e me dar conforto na certeza de que os políticos brasileiros um dia vão entender isso.

Prometo não perder as esperanças, Marina. Tem horas que bate desânimo. Mas não seria justo com você e tudo o que você estudou em busca de um mundo melhor.

Obrigada por tudo. E um abraço apertado.

 

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10 razões para você começar a pedalar (agora!) https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2020/08/13/10-razoes-para-voce-comecar-a-pedalar-agora/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2020/08/13/10-razoes-para-voce-comecar-a-pedalar-agora/#respond Thu, 13 Aug 2020 21:54:22 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/Captura-de-Tela-2020-08-12-às-18.26.14-320x213.png https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=2870 Nunca na história recente de São Paulo tivemos tantos fatores reunidos — bons e ruins — para você começar a pedalar. Ou, se você já pedala, para convencer amigos e parentes a abandonar o carro ou o transporte público e tornar a bicicleta parte da rotina.

A conjuntura propícia, infelizmente, não está sendo aproveitada como poderia por nossos governantes. Que pena: políticos de cidades como Bogotá, Lima, Paris e Berlim, entre tantas outras, perceberam o poder da bike neste mundo pandêmico e estão adotando medidas para incentivar a população a pedalar, como ciclovias emergenciais e até dinheiro para que as pessoas façam manutenção em suas bikes antigas.

Mas, mesmo sem muito apoio do poder público, podemos fazer nossa parte e ajudar a alavancar o potencial que a bicicleta tem de melhorar e transformar cidades, comunidades e indivíduos, mais ainda na era do coronavírus.

É hora de eleger e bicicleta como meio de transporte (Foto: Diego Padgurschi/Folhapress)

Pensando nisso, eis aqui uma lista com dez singelas razões para que as pessoas percebam que a vida na pandemia e depois dela trará mudanças importantes, muitas desagradáveis e algumas até que interessantes. Com esforço da sociedade civil, São Paulo ainda tem chance de experimentar os benefícios da ascensão da bicicleta entre os hábitos positivos trazidos pelo tal “novo normal” — tomara que não percamos essa oportunidade.

1. Proteção contra aglomerações

Em tempos de distanciamento social, a bicicleta se firma como um meio de transporte dos mais seguros. Mais ciclistas nas ruas significa menos gente lotando ônibus e metrô, além de menos carros poluindo e congestionando a cidade.

2. Mais dinheiro no bolso

Que pedalar faz a gente gastar menos com passagem de ônibus e metrô, Uber, estacionamento, multas, IPVA e outros impostos parece óbvio. Mas quanto, de fato, a bike ajuda a aliviar os gastos? Em 2018, um estudo inédito realizado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), com patrocínio do banco Itaú Unibanco, revelou que o impacto em nossos bolsos seria considerável, em especial nas classes mais baixas, com uma economia de 14% na renda mensal.

3. Vários modelos de bike no mercado

Foi-se o tempo em que só havia mountain bikes pesadonas e feiosas para quem queria começar a pedalar na cidade. Hoje há modelos para cada necessidade. Dobráveis, elétricas, femininas, parrudas para carregar coisas, versáteis que se saem bem no asfalto e na terra… Gostar da própria bike é essencial, e ajuda bastante a manter o hábito de pedalar. E não esqueça: é melhor gastar um pouco mais e comprar uma bicicleta de maior qualidade, pois equipamentos melhores significam mais segurança, mais conforto e menos manutenção.

4. Sua mente agradece

“Já se sabe que pedalar não melhora apenas a saúde física, mas também tem impacto positivo na saúde mental”, disse recentemente o nigeriano Tijjani Muhammad-Bande, presidente da Assembleia Geral da ONU. Ele está certo: um estudo de 2018 publicado na revista médica inglesa Lancet mostrou que indivíduos que se exercitam têm 43% menos dias ruins, mentalmente falando, do que os sedentários. E que pedalar é a segunda atividade física que mais contribui para isso, segundo as pessoas que participaram da pesquisa. Após meses sem sair ou socializar, sentir o vento no rosto é revigorante demais.

5. Aos domingos, tem de novo a Ciclofaixa

Criado em 2009, o programa Ciclofaixa de Lazer ajudou muitos paulistanos a experimentar o prazer de pedalar sem pressa, curtindo o domingo. Só que, devido ao fim da parceria com a Bradesco Seguros, seu funcionamento foi interrompido em 2019. Para felicidade geral, no dia 19 de julho passado, a Ciclofaixa voltou, com seus 117,7 km agora sob patrocínio da Uber. O uso de máscara é obrigatório para todos, mesmo durante o exercício.

6. Conheça São Paulo de outro jeito

Seja para ir ao trabalho ou para espairecer nos finais de semana, pedalar faz com que a gente se aproprie da cidade de um jeito único. Para desviar de grandes avenidas, você precisa testar ruas menores, o que jamais faria se estivesse de carro. A velocidade da bicicleta te permite reparar em cantinhos paulistanos nunca antes vistos. O inglês Alastair Humphreys popularizou o termo micro-aventuras: ou seja, não é preciso viajar para terras distantes para se divertir ao ar livre. Pegue sua bike no final de semana, escolha uma região da cidade e gaste algumas horas explorando caminhos e lugares.

7. A Ciclovia do Rio Pinheiros melhorou

Desde março, a Ciclovia do Rio Pinheiros está sob administração da iniciativa privada, a Farah Service. Além de reparos e manutenção, a empresa instalou ali uma pracinha com café e cadeiras, e pretende lançar em breve uma série de projetos para atrair mais paulistanos. Será instalado sistema de iluminação e o local ficará aberto até tarde (hoje fecha às 18h). Com 21 km em sua totalidade (hoje apenas parcialmente abertos para ciclistas), a ciclovia é um lugar especial, que faz com que as pessoas redescubram o leito do rio e pedalem longe do estresse do trânsito.

8. Um baita treino para cicloviagens

No novo normal, por um bom tempo vamos viajar menos para lugares distantes, precisaremos evitar deslocamentos longos em ônibus cheio de gente e estaremos bem sem grana para gastar em passagens (ainda mais com o dólar nas alturas). Viajar de bike é divertidíssimo e barato. Mas requer prática e experiência — que podem ser adquiridas nos pedais diários pela cidade.

9. Opção para quem não quer academia

Falta de grana ou medo do coronavírus têm sido fatores a brecar o retorno de muita gente para as academias. Poucos exercícios aeróbicos são tão eficientes para o condicionamento que pedalar. Tire uns dias da semana para usar a bike como treinamento físico (não esqueça de sempre levar algo para comer).

10. Teremos novas ciclovias

Em julho, a capital ganhou novas ciclovias, na avenida Henrique Schaumann e na Avenida Brasil. Esses novos trechos se interligam a outros que levam ao Parque do Ibirapuera. São parte do Plano Cicloviário da São Paulo, no qual a prefeitura se comprometeu a implantar, até dezembro deste ano, 173 km de novas ciclovias (além de 310 km de reformas e melhorias em trechos já existentes).

 

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Ciclovia do rio Pinheiros reabre com melhorias e desafio de ser mais inclusiva https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2020/07/30/ciclovia-do-rio-pinheiros-reabre-com-melhorias-e-desafio-de-ser-mais-inclusiva/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2020/07/30/ciclovia-do-rio-pinheiros-reabre-com-melhorias-e-desafio-de-ser-mais-inclusiva/#respond Thu, 30 Jul 2020 20:25:44 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2020/07/foto-maior-320x213.jpeg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=2849 No dia 3 de agosto, está prevista a reabertura do lado leste da ciclovia do rio Pinheiros, fechado desde 21 de março por causa da pandemia. É uma notícia e tanto em uma cidade cujo transporte público tem estado abarrotado, apesar do ainda elevado número de casos de covid-19.

Com 21,5 km totais, a ciclovia teve grande parte de sua extensão interditada em 2013, por conta de obras do monotrilho que deveriam durar dois anos — até hoje isso não aconteceu. Como resultado, desde então os usuários contam apenas com o trecho que vai do Parque Villa-Lobos à Vila Olímpia.

Como já escrevi aqui no blog, desde março deste ano a administração do local passou para a iniciativa privada, no caso, a Farah Service, por meio de chamamento público. Pelo contrato, a parceria dura 36 meses, que podem ser estendidos por mais 60 meses.

A empresa não recebe nada da CPTM (Companhia Paulista de Transporte Metropolitano), a responsável pelo local, e arca com todos os custos, com exceção da segurança. Em contrapartida, pode captar investimentos com os projetos e anúncios que fizer.

Pintura amarela para alertar ciclistas em trechos próximos a acessos e retornos (Foto: Erika Sallum)

A convite da Farah Service, visitei a ciclovia na semana passada, para ver de perto quais melhorias estão sendo realizadas.

Michel Farah, CEO e fundador da empresa, se mostra bastante animado com as potencialidades que a ciclovia oferece. Isso, por si só, já é louvável, visto que por anos e anos a CPTM tratou o local como uma espécie de fardo que caíra por acaso em suas mãos.

Os ciclistas que voltarão a usar a querida “ciclo-capivara” vão ver um ambiente mais bem cuidado, com grama cortada, plantio de árvores, pintura renovada, com trechos sinalizando em tinha amarela os pontos de maior perigo de acidentes.

No acesso ao Parque do Povo, agora há uma área de espera, onde o usuário pode aguardar um amigo ou observar o melhor momento de entrar na pista (muita gente já se machucou nesse entroncamento por falta de atenção). Ao lado, a empresa construiu uma guarita de alvenaria, com banheiro, muito mais decente do que a triste versão anterior, na qual a equipe de manutenção sofria com calor, frio e falta de infraestrutura.

No acesso da Vila Olímpia, foi instalado um container com cinco chuveiros (banho a R$ 16), uma mão na roda para quem está suado e precisa de uma ducha antes da escola ou do trabalho. E, no retorno do Parque Villa-Lobos, agora existe uma pequena rotatória, uma tentativa simples e que pode se mostrar eficiente em evitar as trombadas desnecessárias de antes.

No acesso da Vila Olímpia, a ciclo ganhou um container com chuveiro, com banho a R$ 16 (Foto: Erika Sallum)

A Farah também está firmando parceria para a instalação de iluminação, para que a ciclo possa ser usada até as 23h (hoje ela funciona das 5h30 às 18h30).

Tudo lindo, ainda mais para nós, ciclistas paulistanos, acostumados com a falta de apoio público e privado a políticas cicloviárias. Certo? Não totalmente.

Ao se tornar a nova administradora da maior ciclovia da capital, a Farah Service também aceita, automaticamente, o complexo desafio de fazer do local um espaço inclusivo, onde diferentes vertentes de ciclistas possam se sentir seguros para pedalar, seja como meio de transporte, lazer ou esporte. Afinal, a ciclo é pública e a todos pertence.

A tarefa até parece simples, mas não é. A ciclovia do rio Pinheiros tem um movimento de 50 mil acessos por mês, sendo 28 mil de usuários únicos. O público “da mobilidade”, ou seja, que utiliza a bike para se deslocar pela cidade, compõe uma bela parcela: 17 mil, enquanto 11 mil pedalam ali por esporte, lazer ou turismo.

Pense nos números acima sob a ótica da pandemia e da ideia de que a bicicleta é um meio de locomoção seguro, que evita aglomerações, que faz bem à saúde física e mental e, para completar, não polui. Por essas e outras, é primordial incentivar mais paulistanos a pedalar. E a ciclovia precisa se tornar um espaço ainda mais acolhedor a ciclistas — amadores e veteranos — que usam a bike para transporte.

Nova guarita, de alvenaria e com banheiro, no acesso do Parque do Povo (Foto: Erika Sallum)

Nesse aspecto, causa estranheza a retirada do acesso da ponte Cidade Jardim. A escada, de fato, estava instalada de forma mambembe em um lugar que volta e meia provocava incidentes. A Farah afirma que retirou a estrutura a pedido da equipe que cuida da ciclovia, que apontara diversas falhas de segurança nela.

Para piorar, a CPTM anunciou que o acesso de ciclistas pela estação Santo Amaro foi desativado do nada, sem aviso prévio, consulta com usuários e entidades.

Seja lá como for, a diminuição de acessos é um ponto de inflexão em uma ciclovia que precisa urgentemente ser mais plural e diversa, em uma época bizarra de pandemia e distanciamento social. Enquanto o resto do mundo, incluindo Peru e Colômbia, criam novas ciclovias e ciclorrotas emergenciais para ajudar a conter a propagação do coronavírus, São Paulo praticamente assistiu a esse “boom da bike” sem fazer nada por seus cidadãos.

“A ciclovia da Marginal passa por inúmeros lugares importantes, mas faltam conexões”, diz Sasha Hart, da Câmera Temática da Bicicleta (câmara técnica criada para auxiliar o Conselho Municipal de Transporte e Trânsito em temas relacionadas à mobilidade por bicicletas). “Hoje há trechos literalmente sem saída. Na zona oeste, por exemplo, ela passa próxima da abarrotada ciclovia da avenida Faria Lima, onde a CET já contabilizou quase 10 mil viagens de ciclistas por dia. Se a ciclovia da Marginal Pinheiros tivesse mais acessos, ela seria bem mais utilizada.”

Outra questão crucial que a Farah vai enfrentar é como fazer com que diferentes tipos de ciclistas convivam em harmonia. Muita gente (eu, inclusive) usa a ciclo da Marginal para treinar. Com a proibição de ciclistas “esportivos” na USP, a ciclocapivara se tornou praticamente o único local onde praticar ciclismo. Mas é preciso saber compartilhar a via com outros usuários, sem que a atividade de um prejudique a do outro.

Parafraseando aquela música dos Titãs, a gente não quer só ciclovia, a gente quer ciclovia, acessos, inclusão, diversidade e, claro, muita gente pedalando.

 

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Ciclovia do rio Pinheiros passa por reforma — e isso é importantíssimo hoje https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2020/06/12/ciclovia-do-rio-pinheiros-passa-por-reforma-e-isso-e-importantissimo-hoje/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2020/06/12/ciclovia-do-rio-pinheiros-passa-por-reforma-e-isso-e-importantissimo-hoje/#respond Fri, 12 Jun 2020 20:36:41 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2020/06/17194376.jpeg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=2744 Eis um fato com o qual a cidade de São Paulo precisa se familiarizar o quanto antes: no tal “novo normal” pós-coronavírus, as metrópoles do mundo todo terão na bicicleta um de seus maiores aliados.

Parte dos paulistanos já se deu conta do fato, mesmo que ainda só em teoria, como mostrou recentemente a pesquisa Viver em São Paulo: Especial Pandemia, realizada pelo Ibope Inteligência e a Rede Nossa São Paulo. Segundo a pesquisa, feita entre 21 de maio e 1º de junho, 38% dos habitantes da capital desejam se deslocar mais a pé depois que a fase aguda da pandemia passar, enquanto 20% querem usar mais a bicicleta no dia a dia.

Prática, econômica, não poluente, a bike afasta as pessoas das aglomerações. Além disso, comprovadamente, trata-se de uma ferramenta que faz um bem danado para a saúde física e mental (algo essencial após meses de distanciamento social).

Como diz o cartaz que reproduzo abaixo, “pedalar não é fantasia; é o futuro”. E esse futuro já chegou, sem pedir licença, atropelando uma cidade inteira (e o país também).

Por tudo descrito acima, os desdobramentos envolvendo a ciclovia do rio Pinheiros ganham importância especial. O local está sob nova administração desde março e passa atualmente por uma reforma, enquanto permanece fechado por conta da pandemia.

Uma ciclovia melhor, mais segura e acolhedora aos ciclistas pode atrair mais gente e, como consequência, contribuir para desafogar o movimento em ônibus e metrô, ajudando a evitar uma segunda onda de contaminação.

Sem falar que mais pessoas pedalando significa menos gastos com saúde pública: uma pesquisa de 2018 revelou que, se a população do município incorporasse a bike em suas atividades, haveria uma economia anual de R$ 34 milhões no Sistema Único de Saúde (SUS) só em internações por doenças cardiovasculares e diabetes (escrevi sobre essa pesquisa aqui).

Funcionários contratados pela Farah Service, nova gestora da ciclovia, trabalhando na reforma (Foto: Divulgação)

Para receber mais ciclistas, São Paulo precisa de mais infraestrutura cicloviária, além de oferecer mais segurança a quem pedala.

Um passo interessante foi dado em março deste ano, quando a ciclovia passou para as mãos da iniciativa privada, no caso a empresa Farah Service, por meio de um chamamento público. A parceria é de 36 meses podendo ser prorrogados por mais 60 meses.

A empresa não recebe nada da CPTM, a responsável pelo local, e arca com todos os custos, com exceção da segurança. Em contrapartida, pode captar investimentos de marcas que queiram apoiar a iniciativa por meio de anúncios ou serviços.

Entrevistei Michel Farah, CEO e fundador da Farah Service, para saber mais sobre a reforma. Segundo ele, as melhorias são resultado de um estudo realizado pela empresa e também de conversas com usuários, entre assessorias esportivas e ciclistas amadores.

Estranhamente, a Farah Service não consultou nenhuma entidade civil organizada em torno das questões de mobilidade urbana.

Melhorias são bem-vindas, porém deveriam ser definidas com base em um processo participativo público e inclusivo, o que não foi feito”, diz Sasha Hart, da Câmera Temática da Bicicleta (câmara técnica criada para auxiliar o Conselho Municipal de Transporte e Trânsito em temas relacionadas à mobilidade por bicicletas). 

Dentre as melhorias, não está prevista, por exemplo, a inclusão de mais acessos à ciclovia, uma demanda de muita gente que vai para o trabalho de bike. Pelo contrário: a escada de acesso à ponte Cidade Jardim será retirada, a pedido dos usuários esportistas consultados pela Farah, que usam o local para treinar. 

Não se pode contemplar apenas ciclistas de elite que circulam ali em alta velocidade”, diz Hart. E ele tem razão: a ciclovia do rio Pinheiros não pode ser apenas um local de treinamento esportivo. É preciso saber compartilhar espaços (ouviram, pelotões de atletas muitas vezes mal educados?) e entender que todo mundo tem o direito de uso.

A seguir, Michel Farah explica o projeto com mais detalhes:

Desde que a parceria foi concretizada, quais melhorias já foram feitas no local, mesmo fechado por conta da pandemia?
MICHEL FARAH 
Inicialmente, gerenciamos a reforma do asfalto na área cedida com as enchentes do verão e também podamos a vegetação. Estamos retirando a escada de acesso à ponte Cidade Jardim e fazendo a manutenção de bebedouros, lavatórios e banheiros. Há ainda a pintura de pontos de apoio e manutenção elétrica deles; ligação de energia, água, esgoto, troca de fechaduras, lâmpadas fluorescentes, luminárias tartarugas e higienização.

Estamos produzindo e instalando placas de sinalização e placas de aviso de restrição por conta do conoravírus em todos os acessos da ciclovia. Além disso, estamos retirando o lixo ao longo de seus 21,5 km. Foram removidas mais de 50 toneladas de lixo e 1 milhão de metros quadrados de grama cortados. Os próximos passos são a instalação de postes de iluminação e câmeras de segurança. Haverá novas guaritas, para melhorar o ambiente de trabalho dos controladores de acesso.

 Na última semana, também foram instaladas seis vending machines com produtos para ciclistas, seis máquinas de carregar celulares e um container-chuveiro no ponto de apoio da Vila Olímpia, levando mais uma funcionalidade para a ciclovia. 

Slides de apresentação da Farah Service para atrair patrocinadores (Foto: Reprodução)

Na apresentação da Farah para prospectar parceiros, há imagens que mostram que haverá uma via só para carros [reproduzidas acima]. Os ciclistas não ficarão espremidos em uma só faixa?Originalmente, não existia a ciclovia, que era apenas uma via para os carros de serviço da CPTM, Sabesp e outros órgãos governamentais. Depois, essa via foi adaptada e alargada para conviver com as bicicletas, sendo a faixa da margem do rio preferencialmente para veículos e a que beira os trilhos, para bicicletas [na prática, não é isso que ocorre: há duas mãos para uso das bicicletas, e veículos respeitam essa organização, buzinando eventualmente para conseguir passar].

Haverá velocidade limite na ciclovia? Como vocês vão gerenciar os grupos que treinam ali em alta velocidade e as pessoas que utilizam a ciclovia para deslocamentos?
Os limites de velocidade da ciclovia não serão alterados, porém faremos vídeos para comunicar boas práticas para a segurança de todos. 

Os espaços para patrocinadores podem contemplar algo como um café para o usuário comer e descansar, abrindo assim opções de lazer mais completas para quem usa a ciclovia, especialmente nos finais de semana?
Sim, com certeza está nos nossos planos abrir cafés, minimercados, oficinas de bicicleta e serviços que beneficiem os usuários. 

Os novos containers com chuveiros para os ciclistas (Foto: Divulgação)

Por que apenas um dos lados da ciclovia ficou sob responsabilidade da Farah Service?
A Farah está com o contrato de doação com a CPTM, que administra apenas o lado leste da ciclovia. O lado oeste está sob cuidados do metrô, porém temos o intuito de adotar esse outro lado também.

Haverá mudanças no horário de funcionamento?
De imediato, não, mas estamos tentando um patrocinador para fazer a iluminação da ciclovia. Isso ampliaria o horário diurno de 5h30 para 4h da manhã e noturno de 18h30 para 23h [hoje a ciclovia funciona das 5h30 às 18h30].

Quando as melhorias serão finalizadas?
Estão sendo realizadas desde o primeiro dia da parceria e vamos continuar até o fim do nosso contrato. Acreditamos que até o final do ano teremos a maioria de nossas propostas já implantadas. 

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Brasil, pare de burrice e valorize a bike neste momento, por favor! https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2020/05/23/brasil-pare-de-burrice-e-valorize-a-bike-neste-momento-por-favor/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2020/05/23/brasil-pare-de-burrice-e-valorize-a-bike-neste-momento-por-favor/#respond Sat, 23 May 2020 22:33:31 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2020/05/unnamed.jpg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=2661 A pandemia e o distanciamento social estão jogando em nossa cara o quanto a bicicleta pode — e deve! — se tornar uma ferramenta essencial nas políticas públicas sanitárias, de mobilidade e, mais tarde, de desconfinamento e volta à ainda pouco compreendida “normalidade” pós-coronavírus.

Não surpreende que os países mais desenvolvidos já tenham percebido o poder da bike neste atual momento conturbado da história (poder, aqui, referido à bicicleta como meio de transporte, e não de treinos tresloucados de quem acha que está acima de distanciamentos e pandemias).

Como já escrevi aqui neste blog, nações como a França estão criando projetos e leis para incentivar o uso desse meio de transporte limpo, barato, prático e que não gera aglomerações. Até dinheiro para que as pessoas possam fazer manutenção em suas bikes antigas o governo francês decidiu dar (leia mais aqui).

Uma reportagem de hoje (23/05) do jornal inglês The Guardian conta como as oficinas mecânicas de bike têm visto o público aumentar nos últimos meses. São pessoas que possuem bicicletas velhas largadas na garagem e que, com a pandemia, decidiram voltar a pedalar para se locomover por lá. A venda de equipamentos para levar crianças na garupa também cresceu.

Segundo o jornal, uma combinação de ruas mais vazias, dias mais quentes e a percepção de que pedalar será a melhor opção para ir e voltar do trabalho depois do caos levou a um salto de 50% nas vendas de bicicletas em abril, no Reino Unido. Em Londres, a prefeitura resolveu proibir carros no centro, exatamente para estimular mais pedestres e ciclistas a não utilizarem o transporte público.

Grant Shapps, secretário nacional dos transportes britânico, pediu às autoridades locais que façam “mudanças significativas na disposição das ruas para abrir mais espaço para ciclistas e pedestres”. Além do distanciamento necessário ao combate ao coronavírus, diversos governos europeus querem manter as taxas mais baixas de emissão de poluentes, resultado de menos carros nas ruas e um desaquecimento na produção industrial com a crise.

O boom da bike também tem sido forte nos Estados Unidos. O New York Times publicou dias atrás uma reportagem intitulada “Pensando em comprar uma bike? Prepare-se para uma longa fila”. O artigo detalha a alavancada nas vendas de bikes e acessórios em muitas cidades do país. Há lojas que viram as vendas explodiram em mais de 600%, e outras que ficaram com as prateleiras vazias sem produtos suficientes para os fregueses.

Mas e a gente aqui, onde o contágio e as mortes por covid só fazem aumentar, não teve lockdown oficial e o presidente está mais preocupado em falar palavrão em reunião ministerial do que pensar políticas públicas que ajudem na luta contra a pandemia?

Simples, prática, barata, a bike é o melhor meio de transporte nesta pandemia (Foto: Caio Guatelli)

Calma! Não nos desesperemos, ainda que a situação brasileira seja bizarramente surreal. Ainda é possível não perder o bonde da tendência mundial de dar o devido valor à bicicleta como peça-chave nas questões de mobilidade urbana na era do coronavírus.

“A frase é meio clichê, porém pura verdade: a bicicleta é uma solução simples para nossos problemas complexos”, diz Marcelo Catalan, líder da área de bikes elétricas para América Latina da Specialized, marca norte-americana muito apreciada pelos paulistanos.

“Mas o mercado brasileiro é complexo, especialmente pela carga de impostos. O microempresário no Brasil tem dificuldade de desenvolver seu negócio, o que atrapalha toda a cadeia”, complementa ele, para explicar por que não estamos vendo ainda um crescimento tão expressivo nas vendas no Brasil.

Cyro Gazola, presidente do Grupo Dorel Sports no Brasil (que comercializa as marcas Caloi, Cannondale, Schwinn, GT e Fabric), afirma que as vendas via e-commerce até que estão melhorando, “principalmente na faixa de produtos de R$ 1.000 a R$ 3.000, com foco em bicicletas urbanas e mountain bikes”. “Entretanto esse total ainda não compensa o grande número de lojas fechadas por todo o país”, diz Gazola.

Ou seja, o mercado de bike no Brasil não está festejando as vendas como no Hemisfério Norte. Nem os grupos de cicloativistas e especialistas em mobilidade estão realizados como os da Europa, pois por aqui ainda não vislumbramos nenhum plano de ação satisfatório que envolva o uso da bicicleta como forma de proteger o cidadão e diminuir aglomerações.

Ciclistas entregadores precisam (e merecem!) políticas cicloviárias efetivas (Foto: Caio Guatelli)

Maaaaas a esperança é a última que morre…

Por isso, a Aliança Bike, associação do setor criada para fortalecer a economia da bicicleta e seu uso pela população, resolveu lançar um documento com dez propostas para estimular a utilização e o mercado de bicicletas no país. Não se tratam de ideias novas, mas que valem a pena serem relembradas e reforçadas diante do poder público. “Em alguns casos, são medidas que já estão na mesa de gestores para serem decididas, esperando apenas uma canetada, como é o caso da que contempla redução da carga tributária”, diz Daniel Guth, diretor-executivo da Aliança Bike e pesquisador em políticas de mobilidade urbana.

A seguir, as dez propostas e um bate-papo com Guth para saber o que devemos fazer para não ficar à margem de um dos poucos lados positivos dessa pandemia dos infernos: a valorização da bicicleta.

Houve um crescimento absurdo na venda e uso da bike em várias cidades no mundo. Isso pode vir a acontecer por aqui?
DANIEL GUTH
Por enquanto não temos, ainda, nenhum sinal de que o mesmo fenômeno vá ocorrer no Brasil. Uma pesquisa recente que a Aliança Bike fez com mais de 160 lojistas de todo o país mostrou uma queda no faturamento das lojas de bicicletas de, ao menos, 50%. Para 1/3 das lojas, a queda foi superior a 75%. Esses dados compreendem o período que vai de 15 de março (início da quarentena) até 15 de abril.

No entanto nosso monitoramento do setor já mostra uma boa recuperação do mercado de bicicletas a partir do final de abril e começo de maio. Ainda não “normalizamos”, mas estamos perto disso. Daí para termos um salto no uso e nas vendas de bicicletas precisaríamos de uma série de políticas — que condensamos em nosso documento com as dez propostas.

O que estamos observando na Europa não é apenas o aproveitamento de uma janela de oportunidades, mas a consolidação de políticas que já estavam em curso havia décadas e que só foram aceleradas e aprofundadas. Falta, ao Brasil, algumas “lições de casa” anteriores.

Que medidas poderiam ser tomadas a curtíssimo prazo para incentivar o uso da bike como meio de locomoção nesta fase de pandemia?
Temos que pensar em duas frentes de atuação: uma para o período de isolamento máximo e outra para o processo de saída do isolamento.

Para o período de isolamento máximo, as medidas são emergenciais e visam garantir o deslocamento de trabalhadores de serviços e atividades essenciais — como ciclofaixas temporárias (só com pintura e balizadores), abertura de ruas e avenidas inteiras para modos ativos de deslocamento, redução dos limites de velocidade em avenidas e aumento da fiscalização, bicicletários temporários e amplos em destinos mais acessados, entre outras.

Para o processo de saída do isolamento, há que se pensar no futuro das cidades pós-pandemia, no “novo normal”. Medidas perenes que estimulem diretamente o uso de bicicletas são essenciais, como a redução drástica da carga tributária sobre a bicicleta, linhas de financiamento do governo federal para municípios expandirem malha cicloviária, ampliação de ciclovias e ciclofaixas pelas prefeituras, alteração da lei do vale-transporte para estender esse direito aos trabalhadores ciclistas, campanhas públicas de incentivo ao uso de bicicletas.

Prefeitura e governo estadual precisam incluir a bicicleta em suas políticas na pandemia e depois dela (Foto: Caio Guatelli)

Em algumas cidades, como São Paulo, tivemos um aumento no número de acidentes de trânsito no início da pandemia. Como proteger o ciclista e, ao mesmo tempo, incentivar a bike nas cidades?
O aumento de 40% de óbitos no trânsito da cidade de São Paulo em março (comparação com o mesmo mês de 2019) foi puxado, especialmente pelas mortes de motociclistas (um aumento de 85%).

Por incrível que pareça, o congestionamento é um aliado da segurança viária, pois ruas e avenidas livres e com pouca fiscalização são um convite para condução em alta velocidade. O fato de termos menos congestionamento por conta do isolamento demanda uma atenção em dobro da CET para ampliar medidas de segurança viária para todos no trânsito. Entre as medidas, podemos pensar em decretar novos limites de velocidade máxima em avenidas (eu defendo limite máximo de 40 km/h em todas as vias arteriais, 30 km/h nas coletoras e 20 km/h nas vias locais), aumentar a fiscalização de motoristas, punir exemplarmente os infratores e também implementar estruturas físicas (temporárias e permanentes) como lombofaixas, redutores de velocidade, lombadas eletrônicas etc.

A CET tem uma área competente de segurança viária, ela só precisa ser valorizada e o tema ser pautado com interesse político pelo prefeito Bruno Covas.

 

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Enquanto França decide que pagará para pessoas pedalarem, aqui é só tristeza https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2020/04/30/enquanto-franca-decide-que-pagara-para-pessoas-pedalarem-aqui-e-so-tristeza/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2020/04/30/enquanto-franca-decide-que-pagara-para-pessoas-pedalarem-aqui-e-so-tristeza/#respond Thu, 30 Apr 2020 22:21:16 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/WhatsApp-Image-2020-04-30-at-16.21.15.jpeg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=2650 A notícia chegou causando inveja braba até nos ciclistas paulistanos mais “zen”: na França, entre as medidas de desconfinamento a serem colocadas em prática assim que os números de mortos e infectados baixarem, o governo já separou um pacote de 20 milhões de euros para incentivar o uso da bicicleta no país.

Parte desse valor será destinado a pagar 50 euros para que cada francês ou francesa que tenha uma bike parada na garagem possa dar um trato na magrela para voltar a usá-la nas ruas. Isso mesmo: cientes de que dois terços das 30 milhões de bicicletas que os habitantes possuem ficam sem uso empoeiradas em um canto da casa, as autoridades de lá resolveram PAGAR para que o dono da bici faça nela uma manutenção.

O dinheiro não será distribuído diretamente aos usuários. A pessoa precisará levar a bike até uma bicicletaria, e aí o dono da loja pedirá reembolso ao Estado. Pode não ser um valor que cubra toda a manutenção, mas é uma belíssima ajuda, em especial à população de renda mais baixa da França, como imigrantes e refugiados.

O restante dos 20 milhões de euros serão destinados a treinamento e orientações a novos ciclistas e à melhoria de espaços onde estacionar a bikes pelo território francês.

Imagine pedalar aí e ainda ganhar 50 euros para gastar na manutenção de sua bike! (Foto: Ludovic Marin/AFP)

A decisão de colocar a bicicleta no centro da política pós-confinamento tem vários objetivos — e aí dá mais inveja ainda de quem pode contar com governantes minimamente sensatos. Um deles é fazer com que mais pessoas abram mão das aglomerações de metrôs e ônibus e optem por um meio de transporte muito mais condizente com um mundo que vai precisar encontrar novas formas de convivência que protejam os indivíduos do coronavírus.

Se o distanciamento físico continuar a ser necessário, estimativas já mostraram que, por exemplo, o sistema de metrô de cidades como Londres terá sua capacidade reduzida em 15%.

Parte das pessoas pode se ver livre desse problema adotando a bicicleta como meio de transporte, quando o pico da pandemia passar.

Lugares como Bogotá, na Colômbia, já vêm incentivando o uso da bike (como eu escrevi aqui). Lá a prefeitura restringiu a circulação de veículos automotores para melhorar a qualidade do ar e, assim, tentar diminuir o impacto do coronavírus e os casos de problemas respiratórios comuns com a chegada do inverno.

A capital colombiana foi além, criando corredores emergenciais para bikes em algumas das principais avenidas de Bogotá e ampliando sua malha cicloviária.

Há outros exemplos interessantes de governos adotando alternativas para incentivar o uso da bicicleta e proteger o ciclista, como na Alemanha. Em Berlim, por exemplo, algumas ciclovias dos bairros mais agitados, como Kreuzberg, foram duplicadas, para que haja mais espaço de distanciamento entre quem está pedalando.

Ciclista se locomove em Nova York, cidade que vem incentivando o uso da bike na pandemia (Foto: Al Bello/Getty Images/AFP)

Quase 65 km de ruas e avenidas de Nova York estão tendo ciclovias e calçadas ampliadas, para atrair mais ciclistas e pedestres — mas a ação tem prazo de validade e durará enquanto estiverem em vigor as restrições de lockdown.

Assim que essas restrições forem suavizadas em Milão, na Itália, o governo local pretende instalar mais de 35 km de ciclovias.

Enquanto isso em São Paulo, é aquela tristeza…

A crise econômica e o surto de coronavírus fizeram com que pipocasse a quantidade de entregadores de moto e bicicleta (contei a história de uma dessas bike messengers aqui), que diariamente se arriscam em uma cidade despreparada para acolher ciclistas.

Bike courrier faz entregas (e se arrisca) nas ruas de São Paulo (Foto: Diego Padgurschi/Folhapress)

Para piorar, como bem lembrou a Câmera Temática da Bicicleta em um ofício recente ao prefeito Bruno Covas, aumentou o número de mortes no trânsito em março, em relação a 2019: foram 90 neste ano, contra 65 no ano passado. “Um aumento significativo, mesmo levando em consideração o distanciamento social e o decreto de isolamento do governo”, diz a CTB, que é uma câmara técnica específica criada para auxiliar o Conselho Municipal de Transporte e Trânsito em temas relacionadas à mobilidade por bicicletas.

A CTB lembra bem que decorridos três anos de diálogo entre eles e o poder público, “ainda não foram entregues novas conexões cicloviárias, nem as previstas para 2019-2020, nem outras emergenciais, sendo que poucas dessas obras foram iniciadas e nenhuma concluída”.

Bati um papo rápido com Sasha Hart, conselheiro da CTB, sobre como São Paulo pode ser mais “bike friendly” e como pode abraçar de fato a ideia de que a bicicleta deve ser um aliado fortíssimo para quem precisará se locomover pela capital assim que o período de quarentena passar:

Como vocês da CTB acreditam que o governo de São Paulo pode incentivar o uso da bike a curto prazo? 
SASHA HART Desde 12 de março, nós temos enviado para a prefeitura diversas sugestões de curto a longo prazo, baseadas em recomendações da OMS e de especialistas internacionais e locais. De forma imediata e sem gastos, o prefeito poderia divulgar os diversos benefícios do uso da bicicleta e regulamentar a Lei Municipal BikeSP. Essa era uma meta desta gestão que geraria uma economia no enorme subsídio do transporte e seria usada para incentivar quem optar pela bicicleta. Aguardamos respostas até agora.

Se a violência no trânsito aumentou com o distanciamento social, quais medidas teriam de ser tomadas para proteger o ciclista?
A segurança no trânsito aumentaria muito se a prefeitura melhorasse as condições de quem trabalha com entregas e implementasse amplamente seu Plano de Segurança Viária. Esse plano está baseado nos princípios do Vision Zero, cuja premissa é que nenhuma morte no trânsito é aceitável. É bem sabido que vidas podem ser salvas se aumentarem a fiscalização, melhorarem o sistema viário, promoverem campanhas de conscientização e abaixarem velocidades máximas.

Vocês seriam a favor de fechar vias da cidade para as bicicletas, como fez Bogotá na pandemia?
Sim, as experiências internacionais mostram que abrir as ruas para ciclistas e pedestres é a  forma mais segura para as pessoas se movimentarem, evitar acidentes que costumam encher  hospitais e não gerar a poluição que tanto contribui para doenças respiratórias. Essa medida deveria também exigir os cuidados necessários e não inviabilizar deslocamentos essenciais, como ambulâncias, policiais e bombeiros.

 

 

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Novo app americano permite denunciar maus motoristas https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2020/01/27/novo-app-americano-permite-denunciar-maus-motoristas/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2020/01/27/novo-app-americano-permite-denunciar-maus-motoristas/#respond Mon, 27 Jan 2020 19:55:25 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/Eduardo-Knapp-320x213.jpg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=2478 Cena comum para quem anda de bicicleta em São Paulo: do nada, você leva uma “fechada educativa”, na qual o motorista quase te mata para te fazer entender que “lugar de bike é na calçada”. O veículo arranca e vai embora, e não há nada a se fazer além de amaldiçoar o imbecil.

Um novo aplicativo, lançado neste mês nos Estados Unidos, quer acabar com esse tipo de atitude de quem dirige veículos motorizados, ao permitir que ciclistas reportem mau comportamento e violência por parte de quem fica atrás do volante.

Interface do novo OurStreets, que divide as reclamações em tipos como “estacionar em ciclovia” (Foto: Divulgação)

O app, batizado de OurStreets, vai além, ao fazer com que as denúncias dos usuários formem um grande banco de dados sobre motoristas perigosos. E mais: essas informação poderão ser consultadas e utilizadas como base de pesquisas para prefeituras, ativistas e estudiosos do tema.

O aplicativo foi criado por Daniel Schep e Mark Sussman a partir de uma conta deles no Twitter chamada @HowsMyDrivingDC, que possibilitou a residentes de Washington DC mandar um tuíte com a placa de um carro e receber informações de multas e infrações do condutor do veículo (puxadas de um banco de dados público). A conta do Twitter logo virou um aplicativo de mesmo nome, no qual passou a ser possível detalhar que tipo de infração determinado motorista havia cometido, como estacionar em ciclovias, e até dizer se o carro é particular, táxi ou veículo público.

Com o OurStreets, motoristas desrespeitosos serão “fichados” (Foto: Joel Silva/Folhapress)

Mais até do que um mecanismo de defesa direta do ciclista no trânsito, o OurStreets tem como grande trunfo a gigantesca quantidade de informação reunida por seus usuários. Com isso, pesquisadores e autoridades poderão detectar problemas específicos que precisam ser trabalhados com políticas públicas eficientes.

O recém-lançado OurStreets funciona, por enquanto, apenas nos Estados Unidos, mas a ideia é expandir sua atuação para mais países.

Bati um papo com Mark Sussman, co-criador do app, para saber mais sobre o OurStreets:

Por que vocês decidiram criar o app OurStreets?
Primeiramente, para capturar de alguma forma violações do espaço público tão comuns, porém que passam muitas vezes batidas, como estacionar bloqueando uma ciclovia. Ao registrar essas infrações, temos em mãos informação sólida para melhorar a segurança e a infraestrutura das ruas.

Outro objetivo nosso é ajudar a dar munição a grupos ativistas em favor da mobilidade urbana, para que eles consigam dados essenciais para suas causas.

E, claro, queríamos empoderar os usuários mais vulneráveis das cidades, que são os pedestres e os ciclistas, por meio de uma ferramenta que os conecta uns com os outros, para que se sintam mais seguros e protegidos.

O quão efetivo o OurStreets pode ser em mudar a forma como motoristas se comportam em relação a ciclistas?
Alguns tipos de maus comportamentos de motoristas nunca vão mudar. Mas, a partir do momento em que fornecemos a governantes e pesquisadores informação sobre violações no trânsito, estamos contribuindo para que sejam criadas novas formas de proteger os ciclistas. E assim, aos poucos, vai crescendo o respeito a quem pedala na mesma rua que você dirige.

Como vocês esperam manter o app, em termos financeiros?
Temos alguns caminhos para fazer dinheiro com o OurStreets e, dessa forma, conseguirmos sobreviver. Um deles é trabalhar em conjunto com departamentos de trânsitos de várias cidades para integrar as informações captadas pelo aplicativo a seus projetos de planejamento urbano. Outra ideia é criar parcerias com empresas de micromobilidade, como as de patinente compartilhada – por meio do OurStreets, elas ficam sabendo dos problemas criados por seus produtos e, assim, conseguem resolvê-los mais rapidamente. Entretanto temos consciência de que somos um app novo e que precisaremos de, no mínimo, um ou dois anos para que prefeituras, empresas de micromobilidade e pesquisadores percebam as oportunidades de parcerias conosco.

Vocês planejam se expandir para outros países?
Hoje é possível usar o app em qualquer lugar dos Estados Unidos, e nós já estamos analisando pedidos para funcionar em outras partes do mundo. Não sabemos exatamente quando, mas vamos nos expandir internacionalmente logo.

 

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