Ciclocosmo https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br Um blog para quem ama bicicletas Thu, 02 Dec 2021 18:10:08 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Mudança de hábitos  https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/11/14/mudanca-de-habitos/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/11/14/mudanca-de-habitos/#respond Sun, 14 Nov 2021 21:58:10 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/mtst-marighella_121221_0105-320x213.jpg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=3352 Apesar das intensas manifestações por uma guinada nas políticas de clima, a resolução alcançada pelos negociadores da COP26, concluída no último sábado, ficou abaixo das metas ideais para limitar o aquecimento global.

O grande entrave para uma cooperação mundial em torno das metas climáticas foi a falta de capacidade em financiar nações mais pobres na restauração de suas políticas de preservação ambiental. 

Uma flexibilização nos acordos do mercado de carbono e a derrota nas intenções de zerar os subsídios aos combustíveis fósseis, mostram como as ações de governos ainda são insuficientes para mitigar os impactos da interferência humana no equilíbrio ambiental.

Preservar florestas, estabilizar o consumo humano e diminuir a emissão de poluentes —ações cruciais para interromper o aquecimento global— são metas para todos nós, cidadãos dependentes da boa água e do bom ar que restam nesse mundo.

Não é preciso —nem há tempo para— esperar a conclusão de pactos internacionais ou boas iniciativas do Estado para a restauração do meio-ambiente. A mudança de hábitos da sociedade pode ser o grande impulso necessário para corrigir o rumo de nosso planeta, e assim evitar um cenário de intensas crises sociais e econômicas causadas por um grave desequilíbrio ambiental.

Como disse aqui a cicloativista e documentarista Renata Falzoni, “ainda temos vergonha de suar, de chegar de bicicleta nos lugares” —um reflexo dos investimentos desmedidos do setor industrial, que por décadas ditou os hábitos de sociedades “desenvolvidas”; hábitos quase sempre apoiados no consumo excessivo dos recursos naturais.

Forçar o caminho inverso, onde a sociedade impõe os padrões à indústria, através de um movimento coletivo de mudança de hábitos, é imperativo para a guinada nas políticas de clima não alcançadas pelos gestores do Estado.

Por questões diversas, nem todos podem embarcar de imediato nos novos hábitos ecológicos. Consumir alimentos orgânicos ou zerar a emissão de carbono da noite para o dia é praticamente impossível para a maioria dos mortais. Contudo, a quem pode, trocar o carro pela bike, o elevador pelas escadas, ou pelo menos evitar ao máximo tudo o que movimente a indústria do petróleo, da mineração e do agrotóxico, já é um movimento e tanto para ajudar a restaurar o meio-ambiente e forçar governos e indústria a rever seus interesses.

A opção pelos veículos elétricos é uma saída que pode fazer a diferença, e alguns cuidados são importantes antes de embarcar num desses. Para seguir tranquilo, com sua consciência ambiental “limpa”, duas questões básicas precisam estar alinhadas com os conceitos de sustentabilidade.

1- De onde vem a energia que movimenta o motor elétrico?

No Brasil, a matriz energética é em sua maioria renovável, a maior parte da energia é produzida  em usinas hidrelétricas (isso não é exatamente bom. Grandes florestas são alagadas nesse processo). Além disso, ainda produzimos muito em usinas térmicas, especialmente em épocas de estiagem. A melhor alternativa sustentável hoje, seriam as usinas eólicas ou solares. 

A forma mais segura de garantir a fonte dessa energia limpa é ter a própria “usina” geradora para abastecer seu veículo. Aos incrédulos, isso não é mais uma utopia! Já tem gente pagando “zero” para abastecer todo tipo de veículos elétricos.

Instalar painéis solares na própria casa ou empresa, e assim carregar suas bikes elétricas (ou carros elétricos) com energia limpa, é um investimento que pode ser amortizado em menos de 5 anos, garante a empresa 77Sol, que oferece equipamentos e serviços do tipo.

Para os que preferem experimentar antes de comprar, a empresa ZMatch é pioneira no serviço de compartilhamento de veículos elétricos abastecidos exclusivamente por painéis solares. Por enquanto os veículos são oferecidos apenas a quem comprar cotas de investimento, mas o plano é ter, já em 2022, estações de bikes elétricas compartilhadas publicamente—e também outros tipos de veículos elétricos— em pontos estratégicos de algumas capitais do país.

2- De onde vem e para onde vai a bateria desse veículo elétrico?

Para David Noronha, CEO da Energy Source, única empresa que recicla baterias de íons de lítio no Brasil, garantir o mínimo de mineração —e o máximo de reuso e reciclagem— dos metais e componentes da bateria é o grande desafio para o futuro do transporte a eletricidade. 

David conta que, além do pioneirismo em reciclagem por aqui, é da Energy Source a patente do processo de reciclagem com zero emissão de carbono, desenvolvido em parceria com a UNESP, CNPQ, UFSC e Uni Maringá.

Conclusão

Recursos tecnológicos não nos faltam para botar nosso planeta no rumo, a grande questão é nossa disposição (e a disposição de corajosas empresas, como as citadas acima) em mudar nossos perigosos hábitos.

Como disse um grupo de cientistas preocupados com as falhas políticas da COP26: “Nossos maiores desafios não são técnicos, mas sociais, econômicos, políticos e comportamentais”.

 

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No dilema energético, bicicleta ‘a feijão’ é escolha certa https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/11/07/no-dilema-energetico-bicicleta-a-feijao-e-escolha-certa/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/11/07/no-dilema-energetico-bicicleta-a-feijao-e-escolha-certa/#respond Sun, 07 Nov 2021 14:01:53 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/bike_3-8-12_0052-2A-320x213.jpg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=3345 “Basta de nos matarmos com carbono. Basta de tratar a natureza como uma latrina. Basta de queimar, perfurar e minerar cada vez em maior profundidade. Estamos cavando nossa própria cova”, alertou o secretário-geral da ONU, António Guterres, na abertura da COP26.

Se depender das necessidades, e do discurso de Guterres, está posto: vivemos um ponto de inflexão histórica onde o fogo não é mais a grande arma da existência humana, mas sua grande armadilha.  Os alertas estão em todo canto —da natureza às manchetes de jornais—, viver no mundo movido a combustão está cada vez mais sufocante.

Tão quentes quanto nosso temido destino, as alternativas para geração de energia começam a fervilhar. A transição energética para fontes renováveis aparece como a solução da vez. Não faltam planos para mitigar as mudanças climáticas, e a descarbonização da economia passou a ditar os contratos futuros —usinas eólicas e fotovoltaicas são agora as novas apostas de empresas que ainda chamamos de “gigantes do petróleo”. 

Pesquisa da Agência Européia do Ambiente indica que 77% das necessidades energéticas dos europeus são supridas com recursos não renováveis—petróleo, gás, carvão e nuclear. Triste comprovação para uma cultura que sempre esteve à frente de seu tempo, e que ainda mantem a liderança no total das emissões cumulativas de CO2 (desde a Revolução Industrial). Mas essa realidade já tem data para acabar. A partir de 2035, toda frota de carros daquele continente deverá ser movida a energia elétrica. Iniciativa semelhante acontece com a indústria da aviação comercial —protótipos de aviões a bateria já testam suas capacidades de sustentabilidade.

Aproveitando o embalo, a indústria da bicicleta resolveu entrar “na roda” desses veículos “limpos” e já inunda o mercado com bikes movidas a “pedal assistido”. A propaganda promete agilidade sem perder as características limpas da velha bicicleta, mas a nova opção é na realidade muito mais pesada e carrega consigo um punhado de compostos químicos de potencial risco —as baterias de íons de lítio. Assim como o calor do fogo, as armadilhas das novas opções energéticas “limpas” são perigosas e precisam ser conhecidas para impedir o surgimento de novas crises ambientais e sociais.

Para Flavio de Mirando Ribeiro, doutor em Ciências Ambientais e professor da FIA, a transição energética para os recursos renováveis também oferece riscos e se revela não tão sustentável como a propaganda promete. “Baterias que alimentam veículos elétricos são feitas de metais raros, matéria prima escassa a ser minerada em grande escala, como cobalto, manganês e alumínio. Isso causa grande impacto ambiental”, diz Ribeiro, que vai além: “os países onde estão as maiores reservas desses minerais são famosos por práticas inadequadas de trabalho ou até mesmo escravidão. É um risco social que deve ser avaliado por quem acha que veículo elétrico é garantia de sustentabilidade”.

Para o professor, apesar dos riscos, a transição energética para as fontes renováveis é vantajosa, mas há de se criar políticas públicas que regulem importantes soluções. Reciclagem e reuso de baterias devem ser normatizados para evitar um novo colapso dos recursos naturais, e a rastreabilidade da matéria prima deve garantir a origem humanitária do material minerado —mineradores devem ter seus direitos respeitados.

Preocupada com a sustentabilidade, a Specialized —indústria americana de bicicletas que vende modelos elétricos no Brasil— oferece um serviço de coleta de baterias deterioradas para o consumidor brasileiro. As peças recolhidas são enviadas para a única empresa nacional capaz de separar os diferentes metais raros presentes na bateria —os metais são então vendidos para outros usos. Apesar do processo ter o nome de reciclagem, as baterias que não são reutilizadas também não são recicladas em forma de novas baterias. Ainda não há em nosso país nenhuma indústria capaz de reciclar completamente —nem mesmo de produzir—  baterias de íon de lítio, tipo usado para alimentar veículos elétricos. 

O professor Ribeiro comenta, “sustentabilidade é um adjetivo relativo, depende de quanto cada um está disposto a mudar os próprios hábitos. Nesse caso, a bicicleta ‘movida a feijão’ [força humana] é a melhor alternativa”.

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Na contramão do bom senso https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/10/27/na-contra-mao-do-bom-senso/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/10/27/na-contra-mao-do-bom-senso/#respond Thu, 28 Oct 2021 02:15:10 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/2568panbrods_1-320x213.jpg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=3300 Mesmo às vésperas da 26ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (Cop 26), o Governo de São Paulo publicou duas normas que limitam o uso da bicicleta no ambiente urbano, seguindo assim na contramão das tendências mundiais de transporte sustentável —um dos temas centrais da Conferência. 

A primeira norma, publicada no último dia 15 pela Secretaria de Logística e Transportes, define, através da Portaria 122, os limites de uso da bicicleta nas estradas paulistas. 

A nova instrução legal proíbe “comboios de ciclistas” de circularem nas rodovias estaduais sem prévia autorização e pagamento de taxa. De acordo com o documento, poderão fazer uso de estradas e rodovias apenas “transeuntes que utilizam os ciclos como meio de transporte, quais sejam, deslocamento ao trabalho e trânsito comum, ou seja, aqueles alheios às atividades de desporto” —ou seja, pelotões de ciclismo de estrada, profissionais e amadores, que sustentam parte da cultura da bicicleta nesse país, vocês perderam mais uma! Como se já não bastasse a limitação de horário para ciclistas nas ruas da USP —4h às 6h30— e a ausência completa de centros de treinamento para ciclismo de estrada na capital —o velódromo da USP é uma ruína—, a cultura da bicicleta sofre agora com mais um ataque do Estado.

Já a segunda norma, publicada pelo Metrô de São Paulo e pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), reduz o horário de acesso de bicicletas às estações e aos trens. A partir da próxima segunda-feira (1/11), bicicletas não poderão mais ser transportadas nos vagões entre 10h e 16h. De acordo com a Central de Informações do Metrô, o horário de transporte de bicicletas “voltará ao normal”. Só serão aceitas bicicletas nos vagões entre 20h30 e meia-noite.

A assessoria de imprensa do Metrô diz desconhecer a nova norma de limitação de horários para bicicletas nos seus trens (mesmo após a ampla divulgação pela própria Companhia). Normal…

Questionado por telefone sobre a Portaria 122, o governador João Doria disse que estava em viagem ao exterior —o governador visita feira em Dubai (Emirados Árabes Unidos)— e preferiu delegar a resposta à Secretaria de Comunicação. Por meio de nota, o governo informou que “cumpre a legislação vigente no país e no estado de São Paulo, em especial o CTB [Código de Trânsito Brasileiro]”.

Para Daniel Guth, diretor do Aliança Bike (Associação Brasileira do Setor de Bicicletas), “o texto da Portaria 122 não é claro e está sujeito a interpretações diversas”. Guth indica ainda que “a Portaria trata de regra que entra em conflito com o CTB”, e ressalta que o Aliança Bike já entrou com pedido no DER (Departamento de Estradas e Rodagem) e no Ministério Público Estadual para suspensão dos efeitos da nova norma.

O mais incrível é que a feira que Doria visita em Dubai trata de clima, oportunidades, sustentabilidade e mobilidade —ou seja, os grandes valores da bicicleta para um mundo que clama por melhores condições de saúde e transporte. Além disso, estamos a três dias da inauguração da Cop 26, a conferência da ONU que tem como grande ambição atualizar os compromissos ambientais assumidos pelo Acordo de Paris (2015).

O que mais precisa ser dito para convencer a administração pública que sua direção está na contramão dos caminhos sustentáveis, que são os veículos automotores que precisam ser restringidos, não as bicicletas? Como já foi dito aqui, para conter a poluição do ar, países desenvolvidos estão trocando os carros pela bicicleta já faz um certo tempo.

O ciclismo —como esporte, lazer ou transporte— tem função primordial na modificação dos costumes de uma sociedade que cada vez mais morre sufocada pela fumaça —segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), a poluição do ar está entre as 10 principais causas de morte no Brasil.

Governos que não se adequarem às questões climáticas, que não incentivarem o acesso universal ao transporte sustentável e aos novos costumes de preservação ambiental, são como carros movidos a gasolina —vilões do presente, lixo do futuro.

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Espetáculo exótico, Copa do Mundo de Ciclocross já começou https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/10/15/espetaculo-exotico-copa-do-mundo-de-ciclocross-ja-comecou/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/10/15/espetaculo-exotico-copa-do-mundo-de-ciclocross-ja-comecou/#respond Fri, 15 Oct 2021 23:01:14 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/Screen-Shot-2021-10-15-at-19.46.44-320x213.jpg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=3275 Uma das vertentes mais emocionantes do ciclismo, o ciclocross é uma mistura de ciclismo de estrada e corrida a pé, acontece em circuitos de terra e, apesar de ainda não ser um esporte olímpico, é pelo menos 80 anos mais velho que seu irmão caçula —e já olímpico— mountain-bike. A modalidade consiste em usar bicicletas de estrada com pneus finos e guidão ‘enrolado’, ligeiramente adaptadas para rodar em trilhas enlameadas, cheias de obstáculos naturais e artificiais.

As tradicionais provas acontecem no inverno do hemisfério norte, época que o ciclismo de estrada profissional entra em pausa naquela região. Neve, chuva, lama, escadas, areia e diversos obstáculos artificiais dão forma ao circuito e obrigam o ciclista a inverter, por vezes, a sua posição com o equipamento —a bike é que vai por cima do atleta. Pelas características de certos obstáculos, como escadas e lamaçais, é vantagem correr com a bike nas costas. As provas são disputadas em circuitos curtos, de até 3Km, e duram cerca de 1 hora em pura explosão de energia humana.

Ainda pouco conhecida pelos brasileiros, a modalidade teve sua temporada internacional inaugurada no último dia 10, com a primeira etapa da Copa do Mundo de Ciclocross. 

O evento aconteceu no “quintal” da fábrica de bicicletas Trek, em Waterloo (EUA). A marca americana emprestou seu circuito à UCI como forma de consolidar a popularidade desse esporte —tradicionalmente dominado pelos europeus— naquele país. A segunda etapa também já rolou, foi no dia 17, em Fayetteville, também nos Estados Unidos, e serviu para confirmar a hegemonia européia. Belgas dominaram as duas etapas no circuito masculino e holandesas foram a maioria nos dois pódios femininos. 

Mesmo sem nunca ter atingido o topo do pódio no circuito mundial, os Estados Unidos já é o país com o maior número de atletas na linha de largada —tanto no feminino quanto no masculino— e promete bons resultados nesta temporada.

O Brasil, que nunca teve um ciclista participante nos Campeonatos Mundiais e Copas do Mundo, vê o ciclocross ser tocado por pequenos grupos de entusiastas. O empresário curitibano Ivo Siebert acompanha apaixonadamente a modalidade desde 1993. Em 2012, utilizando recursos próprios, Siebert promoveu a primeira prova de ciclocross do país. O evento foi realizado em uma pista de Curitiba e contou com apenas 20 participantes. Ivo ainda organizou outras sete provas, mas teve que abandonar sua empreitada por falta de apoio. “Nós paramos de promover as provas por conta da economia. É complicado ser proprietário de uma loja e organizador de eventos.” 

Ivo Siebert passa por obstáculo da prova de ciclocross organizada por ele mesmo, em Curitiba (Foto: Diego Cagnato)

Para o advogado Albert Pellegrini, co-fundador do Fuga Clube de Ciclismo, a questão passa pela cultura. “até mesmo o ciclismo tradicional tem dificuldade em manter a temporada no Brasil. São poucas as equipes e é pequeno o público que acompanha os campeonatos”. 

Enquanto o ciclismo brasileiro faz vaquinha para sobreviver —sim(!), por falta de investimento público e privado, tá rolando uma vaquinha online para premiar a campeã e o campeão brasileiro de estrada em 2021—, as espertas empresas e os capazes governos além-mar investem pesado nesse mágico e surpreendente espetáculo esportivo.

A próxima etapa da Copa do Mundo de Ciclocross acontece neste domingo (17) às 15h50 (horário de Brasília), em Iowa City (EUA), com transmissão ao vivo pelo canal oficial da UCI no Youtube. Ao final das 16 etapas, a futura campeã e o futuro campeão devem receber, cada um, 81 mil Euros como prêmio.

Já o Campeonato Brasileiro de Estrada 2021, acontecerá de 20 a 24 de outubro, em Londrina (PR). Não há programação de transmissão online. O prêmio oficial será distribuído em medalhas, e, Deus ajude, a campeã e o campeão serão recompensados pela  vaquinha online, criada pelos fãs solidários desse esporte.

 

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Sob ameaça do Talibã, ciclistas afegãs queimam suas histórias https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/09/19/sob-ameaca-do-taliba-ciclistas-afegas-queimam-suas-historias/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/09/19/sob-ameaca-do-taliba-ciclistas-afegas-queimam-suas-historias/#respond Sun, 19 Sep 2021 17:43:27 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/P4180386px-320x213.jpg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=3173 Com o retorno ao poder do grupo fundamentalista Talibã, 20 anos após a invasão americana do Afeganistão, mulheres ciclistas eliminaram todos seus registros neste esporte. Temendo as severas punições da sharia (lei religiosa), entre elas a morte por apedrejamento, as ciclistas queimaram fotografias, diplomas, troféus e todo tipo de equipamentos de ciclismo tão logo as Forças dos Estados Unidos se retiraram do país, há menos de um mês.

A brutal tomada da capital Cabul pelos combatentes talibãs, em 15 de agosto, e o bloqueio ao aeroporto internacional, colocou ciclistas e outros atletas, assim como músicos e artistas que não se encaixam nas doutrinas da sharia, em situação de vulnerabilidade. Queimar seu passado e se submeter ao regime é a única opção aos que não conseguiram embarcar na caótica retirada americana.

“O ciclismo acabou no Afeganistão”, lamenta um membro da Federação Afegã de Ciclismo. Para ele, a proibição de mulheres no esporte e as restrições aos homens —o Talibã proibiu o uso de roupas justas e shorts por qualquer indivíduo— impede o futuro do esporte no país.

Pelotão do time afegão de ciclismo feminino passa, em 19 de abril de 2014, pelo sítio arqueológico de Bamiyan, no Afeganistão – patrimônio mundial pela Unesco (Foto: Shannon Galpin)

A ativista americana Shannon Galpin, que trabalha há mais de uma década com apoio humanitário às ciclistas afegãs —entre outras ações, Shannon conseguiu patrocínios ao time nacional de ciclistas afegãs e produziu o documentário “Afghan Cycles”—, lamenta a atual situação: “são as primeiras mulheres na história desse país a usar bicicletas por esporte e reivindicar seu espaço público. Hoje, essas jovens não podem mais se identificar como ciclistas ou atletas, do contrário tornam-se alvos do regime Talibã.”

Os registros de barbáries contra o povo afegão são seculares. A história descreve os primeiros morticínios ideológicos contra tribos afegãs no século 13, por grupos mongóis guiados pelo imperador Gengis Khan. “De forma infame, Gengis Khan deixou para trás pirâmides de cabeças humanas nas suas conquistas pelo Afeganistão”, descreveu a antropóloga afegã Amineh Ahmed em artigo para o periódico “Cambridge Journal of Anthropology”. Desde então, as atrocidades contra esse povo nunca mais cessaram.

Na Idade Moderna, as disputas sangrentas pelo território passaram pelas mãos de diversos líderes tribais em diferentes guerras, quase sempre financiadas por interesses estrangeiros —Inglaterra, Rússia (e também União Soviética), China, Paquistão, Iran e Arábia Saudita guardam suas culpas. Estados Unidos, última nação a abandonar sua guerra por lá, invadiu o Afeganistão em 2001 à procura do terrorista Osama Bin Laden —líder do grupo Al Qaeda, escondido ali pelo primeiro regime do então recém criado grupo Talibã— logo após os atentados de 11 de setembro.

Por 20 anos, e pelos governos de quatro presidentes (George W. Bush, Barack Obama, Donald Trump e Joe Biden), os EUA tentaram implantar a democracia e afastar líderes extremistas daquele país. Em meio a uma mixórdia política e muita corrupção, o regime democrático levou ao país grandes mudanças de comportamento, em especial para as mulheres. A desobrigação do uso da burca foi seguida por uma série de liberdades, antes banidas pelo extremismo islâmico do Talibã. O acesso à educação, às artes e ao esporte foi novidade para muitas gerações de afegãs e a única realidade para as gerações mais recentes, nascidas no período de ocupação americana. Tudo isso acabou num estalo.

“O sonho acabou. Voltamos 20 anos ao passado. Como mulher, não tenho o direito de sair de casa, de estudar ou de trabalhar. As mulheres hoje são obrigadas a se manter trancafiadas em casa. Pedalar é ilegal no regime Talibã”, disse uma ciclista que começou a pedalar em 2018 e já  fazia parte da seleção afegã de ciclismo.

A cicloativista americana Shannon Galpin (terceira a partir da esquerda) participa de treino com ciclistas mulheres no Afeganistão (Foto: Shannon Galpin)

Outra ciclista, iniciada profissionalmente no esporte há 2 anos, disse: “o ciclismo teve diversos efeitos no meu estilo de vida. Melhorou meu corpo, minha alma e meu conhecimento.” O seu maior sonho, até a retomada do Talibã, era competir as Olimpíadas de Paris em 2024.

Galpin relata que as ciclistas que conseguiram escapar junto com a retirada americana deixaram tudo para trás, levaram apenas uma pequena bolsa de mão. “As que ficaram foram obrigadas a destruir todo seu histórico no esporte”.

COMO AJUDAR

As afegãs destacadas nesse texto —e que tiveram suas identidades preservadas por questões de segurança— como também todas as ciclistas daquele país, podem ser beneficiadas por projetos de auxílio humanitário, como o anunciado pela ativista Shannon Galpin, o “Evacuação das Mulheres Ciclistas Afegãs”.

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Erika Sallum, que sua mensagem viva! https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/09/12/erika-sallum-que-sua-mensagem-viva/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/09/12/erika-sallum-que-sua-mensagem-viva/#respond Sun, 12 Sep 2021 03:05:12 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/erika004-320x213.jpg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=3135 Em 27 de abril de 2017, a jornalista Erika Sallum estreava na Folha o Ciclocosmo. No seu primeiro artigo, publicado aqui, Erika introduzia ao leitor “o poder transformador de uma simples bicicleta”, e contava como o universo do ciclismo a ajudava na sua frenética luta contra o câncer. Foram 177 artigos que usavam a bicicleta como tema para debates democráticos e inclusivos, em defesa da urbanidade, do prazer de pedalar, da cultura ciclística, da saúde e das soluções que esse meio de transporte oferece à sociedade. 

Em 2021, a periodicidade deste blog havia sido comprometida pelo avanço do câncer na jornalista —diagnosticado em janeiro de 2016 nas mamas, a doença se espalhou por metástase em 2018. Apesar dos infortúnios, Erika continuou ativa tanto na bicicleta quanto na sua atividade profissional, mantendo a firmeza em defesa de seus ideais ativistas. Seus textos continuavam fortes, autênticos e lúcidos, assim como sua relação com a bicicleta —pedalou até a véspera de sua última internação, findada com sua morte na noite de 14 de agosto.

Seu último artigo para o Ciclocosmo, publicado aqui, foi escrito na madrugada de uma quinta-feira, 17 de junho, durante a infusão quimioterápica em leito hospitalar. Nele, a admirável jornalista defendia a ideia de cicloativistas de implantar um eixo cicloviário ligando São Paulo a Santos: “um passo importantíssimo se o poder público transformasse a ideia do grande eixo em realidade —melhorando a vida não só de ciclistas, mas de todo mundo que mora aqui”.

Na produção desse texto eu estava lá, dividindo —com ela e um emaranhado de fios e cateteres— o espaço de sua cama. Arrebatado, contemplei a sobrenatural capacidade de superação —suas faculdades intelectuais extrapolavam os limites da compreensão dos próprios médicos. Erika se agarrava ao amor pelo jornalismo e pelo ciclismo para alimentar a profunda convicção de que sobreviveria. Essa era sua melhor tática —viver. Parafraseando aquela música do Caetano, caminhando contra o vento, ela queria seguir vivendo, amando, escrevendo e pedalando. Por que não?

Erika Sallum durante sessão de quimioterapia no hospital A.C. Camargo (SP) em 27 de abril de 2020 (Foto: Caio Guatelli/Folhapress)

Para se pôr a salvo dos tormentos do destino, Erika Sallum repetia quase todos os dias o mesmo enredo: entregava-se, absorta, aos júbilos do ciclismo. A trama tinha início antes do amanhecer, por volta das 4h30, com a escolha de uma jersey (camisa) que exprimisse sua afeição do dia —era uma imensa coleção, quase cem. Entre tantas, fazia questão de vestir autênticas mensagens em defesa da humanidade, como a camisa do time afegão de ciclismo —além de jornalista, Erika era mestre em direitos humanos pela Universidade de Nova York e trabalhou no departamento de operações de paz da ONU.

No ato seguinte, uma insólita sinfonia —as sapatilhas estalavam contra o velho chão de madeira num vai e vem entre a sala e cozinha— geralmente acompanhada pelo ruído frenético das unhas da Tailândia, a vira-lata que perseguia a dona pelo espaçoso sobrado na Vila Madalena. 

Erika Sallum durante treino na Floresta da Tijuca (RJ), em 21 de setembro de 2019 (Foto: Caio Guatelli/Folhapress)

O clímax desse enredo começava logo após vestir o capacete sobre um de seus incontáveis caps (boné de ciclista) e trancar a porta de casa. Contrariando as regras narrativas, o êxtase era duradouro —entre 60 e 120 quilômetros— e regado a um perfeito coquetel de químicas da própria fisiologia: adrenalina, endorfina e serotonina; cada dose a depender dos compromissos que a esperavam para além daquela efêmera narrativa, a quimioterapia.

Era assim que Erika, por cerca de três anos, se esquivava dos prognósticos de sobrevida para seu câncer de mama metastático. Como ela escreveu aqui: “Pedale com diabetes, com uma perna só, com depressão… mas pedale!”. Foi assim que o fez até os limites da dor, em sua última pedalada, 35 dias antes de sua morte. Eu tive a imensurável sorte de estar ali, dividindo com ela as mais lindas experiências do viver. Arrebatado, contemplei a sobrenatural capacidade de superação —Erika se manteve a mesma fiel e ativa comunicadora, dos mais nobres ideais, até perder a fala na véspera de sua partida. Como escreveu Gabriel Garcia Márquez, em “O Amor nos Tempos do Cólera”: “é a vida mais que a morte, a que não tem limites.” 

Erika se foi, mas sua mensagem humanitária vive! Como parte desse ciclo perpétuo, assumo a autoria do blog. Mas que fique claro —esta não é uma estreia, é a continuação do Ciclocosmo de Erika Sallum, até onde minhas pedaladas aguentarem. 

Erika Sallum durante passeio de bicicleta em São Sebastião (SP), em 14 de setembro de 2019 (Foto: Caio Guatelli/Folhapress)

Citando a Erika, termino: “é sobre esse amor que nos impulsiona a cada rotação do pedivela que tratará este blog, e abordará a bicicleta em todos os seus desdobramentos —de treinamento e competições (Vive Le Tour!) a ativismo e mobilidade urbana, passando por equipamentos, nutrição e pessoas que estão mudando o planeta com suas bicicletas. Curtiu? Então escreva, mande sugestões de temas para serem abordados aqui, compartilhe os posts, conte do blog para os amigos. O Ciclocosmo é seu mais novo [bom e velho] clube de ciclismo virtual. Cola na roda e vem junto!”

A jornalista Erika Sallum e seu companheiro, o fotógrafo Caio Guatelli, na abertura da exposição fotográfica “Arremessos Urbanos”, com curadoria de Erika, no Sesc Dom Pedro II (SP) (Foto: Edo Belleza)
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Egan Bernal vence o Giro d’Italia e amplia a força da bike na América Latina https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/05/30/egan-bernal-vence-o-giro-ditalia-e-amplia-a-forca-da-bike-na-america-latina/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/05/30/egan-bernal-vence-o-giro-ditalia-e-amplia-a-forca-da-bike-na-america-latina/#respond Sun, 30 May 2021 16:21:32 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/WhatsApp-Image-2021-05-30-at-12.44.44-320x213.jpeg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=3106 Dois anos atrás, eu escrevia neste blog, com enorme emoção, que o colombiano Egan Bernal havia vencido a mais mítica competição do ciclismo de estrada, o Tour de France. Pois bem: o jovencito de 24 anos, nascido em Bogotá e criado no município de Zipaquirá, acaba de conquistar mais uma das três Grandes Voltas: o Giro d’Italia!

Não é a primeira vez que um colombiano vence o Giro. Em 2014, o conterrâneo Nairo Quintana cravou seu nome na história da competição italiana, e ainda levaria a Vuelta a España, a terceira Grande Volta, em 2016.

Entretanto o sonho de Quintana de vencer um Tour de France e se tornar, assim, o primeiro latino-americano a subir no lugar máximo do pódio na tríade do ciclismo mundial foi ficando cada vez mais distante com os anos.

Com sua vitória de hoje, no 104ª Giro d’Italia, Bernal enche a América Latina de esperança e prova, mais uma vez, que um país em desenvolvimento pode, sim, gerar grandes ídolos da bike — basta governo e sociedade terem seriedade, foco e incentivo, como há na Colômbia.

Bernal na etapa de contra-relógio do Giro 2021 (Foto: Giro d’Italia)

Nação de talentos ciclísticos, como Mariana Pajón, a maior estrela feminina da história do BMX, a Colômbia tem uma das relações mais lindas do mundo com a bicicleta. Não é apenas o território montanhoso andino que explica o sucesso do país nesse esporte.

Desde a década de 1950, quando aconteceu a primeira Volta à Colômbia, que o amor por esporte e bike tem acalentado corações colombianos, ajudando a melhorar a autoestima nacional tão dilacerada por anos e anos de guerra civil e miséria.

Além de Quintana e Bernal, o país tem outros astros, como Rigoberto Urán, Esteban Chaves e Fernando Gaviria, para citar os contemporâneos. Mas, lá atrás, vibrou com performances surreais de nomes como Martín Emilio Rodríguez (o famoso Cochise), Luis “Lucho” Herrera e Fabio Parra.

Nenhuma nação da América do Sul ama mais a bicicleta do que a Colômbia. Lá, a final de um Giro d’Italia para o país inteiro e pode ser assistida até em botecos na beira da estrada. Foi em Bogotá que nasceram as primeiras ciclovias do continente, a partir de um movimento universitário que abriu no muque espaço para bicicletas, em 1974.

Como já escrevi aqui quando Bernal venceu o Tour de France, a conquista de Egan Bernal não é apenas do ciclismo, e nem só da Colômbia, mas é de toda a Latinoamérica — onde demoramos tanto para compreender o poder transformador da bike, mas onde também aprendemos isso na marra com nossos Bernals, Nairos e Luchos.

(Foto: Giro d’Italia)
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Cultura da bike underground perde uma de suas maiores lendas nos EUA https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2020/12/07/cultura-da-bike-underground-perde-uma-de-suas-maiores-lendas-nos-eua/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2020/12/07/cultura-da-bike-underground-perde-uma-de-suas-maiores-lendas-nos-eua/#respond Mon, 07 Dec 2020 21:56:52 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/monstertrack2-469-x3-1606324524-320x213.jpg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=3000 Se a efervescência da cultura da bike se expande hoje em diversos lugares do mundo — como em São Paulo –, saiba que muito disso se deve a guerreiros do underground ciclístico que, anos e anos atrás, já davam o sangue para ocupar seu espaço em cidades violentas para quem pedala.

É gente que se juntava em manifestações como a Massa Crítica, tirava a roupa nas Pedaladas Peladas e que, mesmo sem apoio de governo ou marcas do setor, transformava o planeta em um lugar melhor, por meio da bicicleta.

Por isso o blog de hoje é dedicado a David Confer, um negro norte-americano de 52 anos que se tornou sinônimo da cultura da bike em Washington DC. Mecânico, dono de bike shop, organizador de crit races do submundo das duas rodas de sua cidade, David morreu hoje, após sofrer meses de cirrose e alguns anos depois de se recuperar de um câncer.

David à esquerda, durante um de seus formidáveis Tour de Bike Lane (Foto: The Awesome Foundation)

Esse “fixeiro” (como são chamados os ciclistas que curtem bike fixa, de uma só marcha) fez história ao participar de todos os projetos mais legais de bike de Washington e ao estar à frente de iniciativas sensacionais, como o Tour de Bike Lane DC.

Nesse Tour fantástico, David e uma galera se juntavam algumas vezes por mês ao redor de ciclovias do centro da cidade e, tal qual em eventos famosos como o Tour de France, torciam, vibravam, gritavam, davam flores e celebravam qualquer pessoa que passasse por ali de bicicleta. Sinos, assobios, música e cerveja compunham a balada, que foi criada apenas para festejar quem pedalava em Washington.

Mais uma imagem do formidável Tour de Bike Lane de David Confer (Foto: The Awesome Foundation)

David também ajudou a sofisticar o conceito de bicicletaria. Não, meu caro, uma boa bike shop não tem a ver com bikes milionárias na vitrine ou ferramentas brilhando em bancadas de aço escovado.

Uma loja de bicicleta excelente é aquela em que nos sentimos em casa, paramos para bater papo com nosso amigo — que por acaso é também o mecânico do lugar –, ficamos horas discutindo sobre o melhor guidão e de onde vamos embora com a certeza de que voltaremos em breve. E isso a Fathom Custom Bikes de David sabia fazer de forma exemplar (como, em São Paulo, também fazem, por exemplo, o Las Magrelas, a Ciclo Urbano e a oficina do mito Tom Cox).

Por sua loja modesta, passava a comunidade da bike de Washington, e cada bike criada por ele era largamente discutida com o futuro dono, em divertidos papos. Sempre sem grana, David ainda dava ótimos descontos aos fregueses, afinal, dinheiro não é o objetivo final de quem ama bicicleta de verdade.

David já bem debilitado devido a problemas no fígado (Foto: @demoncatslookbook)

Em 2017, David enfrentou um linfoma não-Hodgkin e, sem condições financeiras para bancar o tratamento em um país sem SUS, juntou grana com uma vaquinha e a ajuda de amigos. Dois anos depois, em março de 2019, ele acordou passando muito mal e logo foi diagnosticado com sérios problemas no fígado.

Alguns meses atrás, os médicos deram pouco tempo de vida a David, e outra vaquinha foi organizada pelos amigos, para que ele passasse os últimos dias com conforto em sua casa, após um ano difícil no qual ele se viu sem fontes de renda.

A comunidade ciclística de Washington se uniu, acolheu uma de suas maiores lendas e até organizou uma pedalada em sua homenagem, mesmo sem a participação de David, que ficou muito debilitado pela doença e já não conseguia fazer o que mais amava.

David morreu ao lado de sua companheira, cercado (mesmo que de longe, por causa da pandemia) por uma extensa rede de amigos eternamente gratos por toda a dedicação que ele mostrou à bicicleta.

Vá em paz, David! Que você pedale muito onde quer que esteja!

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Carta a Marina Harkot https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2020/11/11/carta-a-marina-harkot/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2020/11/11/carta-a-marina-harkot/#respond Wed, 11 Nov 2020 19:01:11 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/7pb2ur6yesl3rwv98vhnl12k7-320x213.jpg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=2991 Querida Marina,

Não te conheci pessoalmente e, após saber da sua morte no último domingo (8/nov), fiquei me perguntando como teria sido sensacional ouvir você defendendo suas ideias tão certeiras e contemporâneas sobre mobilidade, gênero, bicicleta e cidades mais humanas.

Puxa, Marina, como alguém de 28 anos e em pleno caminho para conquistar um doutorado que São Paulo necessitava tanto morre assim? Queria ter te conhecido lá pelos seus 20 anos, para poder ter visto de perto a formação de suas teorias de que as cidades precisam ser para todos — e isso exclui segregar grupos em determinados espaços, aprisionar ciclistas em certos “chiqueirinhos” e manter divisões socioeconômicas que ainda nos remetem aos tempos coloniais da escravidão.

Sabe que ouvi muita gente próxima e querida perguntar por que você não estava pedalando na ciclovia ali da Sumaré, e sim na rua. Escutei até alguém falar que era muito tarde, já passava da meia-noite, para uma menina pedalar sozinha naquela escuridão.

Ainda bem que me enviaram um vídeo da sua orientadora, a professora Paula Freire Santoro (FAU-USP). Porque eu, na minha tristeza, não teria tido a clareza de proferir as palavras tão impactantes de Paula: você estava no lugar onde deveria estar. No horário em que queria estar. Conhecia aquele trecho de São Paulo muitíssimo bem. A questão não é culpar a própria vítima pelo “incidente” (termo que você mesma usou em uma palestra, pois não foi “acidente”). As cidades são para todos, né, Marina? É preciso urgentemente aprender a compartilhar os espaços.

Adeus, Marina, obrigada por tudo (Foto: Arquivo Pessoal)

Na cidade de São Paulo, são tantos e tão variados os corpos que diariamente lutam para se locomover de forma limpa, seja de bike ou a pé. Todo ciclista já tomou “fechada educativa”, recebeu xingamento do nada e teve de suportar carros passarem colados a nosso guidão. O motorista, de cara feia, grita que nosso lugar é na ciclovia. A menina sozinha leva cantada e até passada de mão em movimento. Ainda bem que você sabia que nosso lugar é onde queremos estar, Marina.

Você também sabia que ciclovia não é garantia de segurança (aquela lá do Sumaré tem tantos assaltos). Em 2018, ano em que você defendeu sua dissertação de mestrado (A bicicleta e as mulheres: mobilidade ativa, gênero e desigualdades socioterritoriais em São Paulo), por exemplo, eu pedalava na ciclovia da Pedroso de Moraes e, ao atravessar a rua em um trecho sem semáforo, quase morri ao ser atingida por um carro que não olhou se ali — um local de ciclovia! — poderia haver ciclistas. Dente quebrado, ligamento rompido, rosto cheio de hematomas e meses em trauma.

Que pena que não nos conhecíamos para você me dar força e me fazer entender que, diante da violência do trânsito, é preciso continuar, estudar, debater, lutar por um mundo melhor.

Eu, logo após ser atropelada pedalando em uma ciclovia de SP

Eu fico olhando suas fotos, seu rosto ainda tão jovem, porém já tão cheio de conquistas. Sinto orgulho imenso de sua garra, de seu talento para analisar problemas e soluções para as caóticas cidades brasileiras.

Caramba, Marina, o mundo é mesmo tão doido. Não acredito que não vai dar para te convidar para uma cerveja em alguma bicicletaria de São Paulo e te ouvir me explicar que, sim, as cidades têm futuro — e passam por políticas públicas sérias, nas quais o carro para de ser o centro dos interesses para dar lugar aos pedestres e ciclistas.

Precisava tanto do seu sorriso agora para me animar e me dar conforto na certeza de que os políticos brasileiros um dia vão entender isso.

Prometo não perder as esperanças, Marina. Tem horas que bate desânimo. Mas não seria justo com você e tudo o que você estudou em busca de um mundo melhor.

Obrigada por tudo. E um abraço apertado.

 

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Ciclovia do rio Pinheiros reabre com melhorias e desafio de ser mais inclusiva https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2020/07/30/ciclovia-do-rio-pinheiros-reabre-com-melhorias-e-desafio-de-ser-mais-inclusiva/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2020/07/30/ciclovia-do-rio-pinheiros-reabre-com-melhorias-e-desafio-de-ser-mais-inclusiva/#respond Thu, 30 Jul 2020 20:25:44 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2020/07/foto-maior-320x213.jpeg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=2849 No dia 3 de agosto, está prevista a reabertura do lado leste da ciclovia do rio Pinheiros, fechado desde 21 de março por causa da pandemia. É uma notícia e tanto em uma cidade cujo transporte público tem estado abarrotado, apesar do ainda elevado número de casos de covid-19.

Com 21,5 km totais, a ciclovia teve grande parte de sua extensão interditada em 2013, por conta de obras do monotrilho que deveriam durar dois anos — até hoje isso não aconteceu. Como resultado, desde então os usuários contam apenas com o trecho que vai do Parque Villa-Lobos à Vila Olímpia.

Como já escrevi aqui no blog, desde março deste ano a administração do local passou para a iniciativa privada, no caso, a Farah Service, por meio de chamamento público. Pelo contrato, a parceria dura 36 meses, que podem ser estendidos por mais 60 meses.

A empresa não recebe nada da CPTM (Companhia Paulista de Transporte Metropolitano), a responsável pelo local, e arca com todos os custos, com exceção da segurança. Em contrapartida, pode captar investimentos com os projetos e anúncios que fizer.

Pintura amarela para alertar ciclistas em trechos próximos a acessos e retornos (Foto: Erika Sallum)

A convite da Farah Service, visitei a ciclovia na semana passada, para ver de perto quais melhorias estão sendo realizadas.

Michel Farah, CEO e fundador da empresa, se mostra bastante animado com as potencialidades que a ciclovia oferece. Isso, por si só, já é louvável, visto que por anos e anos a CPTM tratou o local como uma espécie de fardo que caíra por acaso em suas mãos.

Os ciclistas que voltarão a usar a querida “ciclo-capivara” vão ver um ambiente mais bem cuidado, com grama cortada, plantio de árvores, pintura renovada, com trechos sinalizando em tinha amarela os pontos de maior perigo de acidentes.

No acesso ao Parque do Povo, agora há uma área de espera, onde o usuário pode aguardar um amigo ou observar o melhor momento de entrar na pista (muita gente já se machucou nesse entroncamento por falta de atenção). Ao lado, a empresa construiu uma guarita de alvenaria, com banheiro, muito mais decente do que a triste versão anterior, na qual a equipe de manutenção sofria com calor, frio e falta de infraestrutura.

No acesso da Vila Olímpia, foi instalado um container com cinco chuveiros (banho a R$ 16), uma mão na roda para quem está suado e precisa de uma ducha antes da escola ou do trabalho. E, no retorno do Parque Villa-Lobos, agora existe uma pequena rotatória, uma tentativa simples e que pode se mostrar eficiente em evitar as trombadas desnecessárias de antes.

No acesso da Vila Olímpia, a ciclo ganhou um container com chuveiro, com banho a R$ 16 (Foto: Erika Sallum)

A Farah também está firmando parceria para a instalação de iluminação, para que a ciclo possa ser usada até as 23h (hoje ela funciona das 5h30 às 18h30).

Tudo lindo, ainda mais para nós, ciclistas paulistanos, acostumados com a falta de apoio público e privado a políticas cicloviárias. Certo? Não totalmente.

Ao se tornar a nova administradora da maior ciclovia da capital, a Farah Service também aceita, automaticamente, o complexo desafio de fazer do local um espaço inclusivo, onde diferentes vertentes de ciclistas possam se sentir seguros para pedalar, seja como meio de transporte, lazer ou esporte. Afinal, a ciclo é pública e a todos pertence.

A tarefa até parece simples, mas não é. A ciclovia do rio Pinheiros tem um movimento de 50 mil acessos por mês, sendo 28 mil de usuários únicos. O público “da mobilidade”, ou seja, que utiliza a bike para se deslocar pela cidade, compõe uma bela parcela: 17 mil, enquanto 11 mil pedalam ali por esporte, lazer ou turismo.

Pense nos números acima sob a ótica da pandemia e da ideia de que a bicicleta é um meio de locomoção seguro, que evita aglomerações, que faz bem à saúde física e mental e, para completar, não polui. Por essas e outras, é primordial incentivar mais paulistanos a pedalar. E a ciclovia precisa se tornar um espaço ainda mais acolhedor a ciclistas — amadores e veteranos — que usam a bike para transporte.

Nova guarita, de alvenaria e com banheiro, no acesso do Parque do Povo (Foto: Erika Sallum)

Nesse aspecto, causa estranheza a retirada do acesso da ponte Cidade Jardim. A escada, de fato, estava instalada de forma mambembe em um lugar que volta e meia provocava incidentes. A Farah afirma que retirou a estrutura a pedido da equipe que cuida da ciclovia, que apontara diversas falhas de segurança nela.

Para piorar, a CPTM anunciou que o acesso de ciclistas pela estação Santo Amaro foi desativado do nada, sem aviso prévio, consulta com usuários e entidades.

Seja lá como for, a diminuição de acessos é um ponto de inflexão em uma ciclovia que precisa urgentemente ser mais plural e diversa, em uma época bizarra de pandemia e distanciamento social. Enquanto o resto do mundo, incluindo Peru e Colômbia, criam novas ciclovias e ciclorrotas emergenciais para ajudar a conter a propagação do coronavírus, São Paulo praticamente assistiu a esse “boom da bike” sem fazer nada por seus cidadãos.

“A ciclovia da Marginal passa por inúmeros lugares importantes, mas faltam conexões”, diz Sasha Hart, da Câmera Temática da Bicicleta (câmara técnica criada para auxiliar o Conselho Municipal de Transporte e Trânsito em temas relacionadas à mobilidade por bicicletas). “Hoje há trechos literalmente sem saída. Na zona oeste, por exemplo, ela passa próxima da abarrotada ciclovia da avenida Faria Lima, onde a CET já contabilizou quase 10 mil viagens de ciclistas por dia. Se a ciclovia da Marginal Pinheiros tivesse mais acessos, ela seria bem mais utilizada.”

Outra questão crucial que a Farah vai enfrentar é como fazer com que diferentes tipos de ciclistas convivam em harmonia. Muita gente (eu, inclusive) usa a ciclo da Marginal para treinar. Com a proibição de ciclistas “esportivos” na USP, a ciclocapivara se tornou praticamente o único local onde praticar ciclismo. Mas é preciso saber compartilhar a via com outros usuários, sem que a atividade de um prejudique a do outro.

Parafraseando aquela música dos Titãs, a gente não quer só ciclovia, a gente quer ciclovia, acessos, inclusão, diversidade e, claro, muita gente pedalando.

 

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