Ciclocosmo https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br Um blog para quem ama bicicletas Thu, 02 Dec 2021 18:10:08 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 ‘Outro Rolê’ denuncia segregação cultural paulistana https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/11/21/outro-role-denuncia-segregacao-cultural-paulistana/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/11/21/outro-role-denuncia-segregacao-cultural-paulistana/#respond Sun, 21 Nov 2021 21:53:25 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/outroroleA-320x213.jpg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=3362 Recém lançado, o documentário “Outro Rolê” esfrega em nossa cara o quanto a bicicleta e suas capacidades de inclusão social são desprezadas pelas políticas públicas e por grande parte dos próprios paulistanos —usar a bicicleta para deslocamentos em São Paulo ainda é condição de inferioridade, perigo, medo e preconceito, quando já deveria ser o contrário!

O filme começa revelando o cenário caótico da cidade —uma vista aérea mostra a trama de cimento e asfalto dominada pelo ruído do trânsito: motores, buzinas e sirenes. Nos instantes seguintes é apresentada uma sequência de ação; são planos curtos e sobrepostos de ciclistas se aventurando pelas perigosas “trilhas” abertas entre carros, sarjetas, buracos e postes. A cena, onde o ciclista urbano é protagonista, parece retirada da tela de um videogame que desafia os limites humanos e subverte a lei da gravidade —só que não! Neste caso, a subversão é ao Código de Trânsito Brasileiro, que prevê a bicicleta como o veículo a ser respeitado, não desafiado.

O enredo revela uma luta do ciclista urbano contra uma cidade que o ignora e o exclui. Uma horda de motoristas violentos, políticos desinteressados e um terreno hostil lembra roteiros de ficção. Mas a narrativa não é nada fabulosa nem extraordinária, é a pura realidade, nua e crua, em exibição pública e gratuita em cada esquina da cidade.

Durante todo o filme, relatos dão conta do descaso do poder público e da cegueira da sociedade para o universo da mobilidade sustentável. 

Ao apontar as lentes para a periferia, a produção mostra líderes comunitários clamando por ciclovias e oportunidades enquanto uma multidão de ciclistas suburbanos ocupa o trânsito desordenado que liga pobres guetos aos arranha-céus do centro financeiro nacional.

A seguir, um bate-papo com o diretor do filme, o cineasta Guilherme Valiengo:

Quem são os personagens de seu filme?

Guilherme Valiengo: Durante todo o processo desse projeto, acredito que a cidade de São Paulo se revela como um dos personagens principais do filme. Através das histórias e situações vividas ao longo do documentário, conseguimos entender um pouco do processo burocrático dentro das sub-prefeituras e também da luta dos cicloativistas em fazer com que as ciclovias saiam do papel. A cidade de São Paulo acaba sendo retratada nas regiões mais extremas, nas franjas da cidade, sem deixar de mostrar o que acontece na região central.

Por que existem muito mais carros do que bicicletas rodando em São Paulo?

Guilherme Valiengo: A cidade desde sempre foi pensada muito mais para os carros do que para as pessoas. A cultura do automóvel foi se desenvolvendo ao longo de muitos anos em todo o país. Pensar a cidade de uma maneira integrada entre todos os modais é um desafio muito grande, principalmente em São Paulo onde o crescimento desordenado acaba se impondo. O que vemos hoje é uma tentativa de arrumar a casa, uma necessidade de dividir os espaços e entender a cidade como uma rede que se conecta de todos os lados. Hoje o carro acaba sendo mais problema do que solução, a cidade não comporta mais automóveis como antigamente. As necessidades são outras e a cidade tem se transformado aos poucos para tentar trazer um ciclista a mais, um pedestre a mais, e, consequentemente, menos carros nas ruas. O aumento de estruturas cicloviárias e um transporte público eficiente são medidas que podem ajudar a diminuir o número de carros. Porém, estamos falando de uma realidade que ainda é para poucos. Essa não é a realidade de quem vive nos extremos da cidade. Quando a moradia fica distante do trabalho e a infra-estrutura não existe, cada um vai se virar do jeito que der.

O que falta para que a bicicleta seja respeitada e ganhe credibilidade em São Paulo?

Guilherme Valiengo: Acredito que seja uma combinação de vontade política, pressão popular, educação e readequação urbana. Existe uma questão que é o tamanho da indústria automobilística em todo o mundo, é muito dinheiro em jogo —carros a menos significam menos pessoas comprando carros, fazendo seguro, comprando combustível… O filme mostra um pouco o trabalho e a luta diária dos cicloativistas que batalham por uma cidade conectada e segura para todos.

O que significa a bicicleta para a periferia?

Guilherme Valiengo: Lá estão bairros onde não existem ciclovias, sistema de compartilhamento de bicicleta, ruas sinalizadas, pavimentação e opções de entretenimento. Ainda assim, a bicicleta está presente em vários aspectos. A bicicleta é uma opção de lazer que acaba suprindo a falta de equipamentos públicos para os jovens periféricos. Além do lazer, diariamente inúmeros moradores cruzam a cidade de bicicleta; são pessoas comuns que utilizam a bike com o objetivo de economizar tempo e dinheiro no final do mês.

ONDE ASSISTIR: https://planetdoc.org/a-different-spin/

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A todas as mulheres que peitam a vida, meus parabéns. Vocês são fantásticas! https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/10/20/a-todas-as-mulheres-que-peitam-a-vida-meus-parabens-voces-sao-foda/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/10/20/a-todas-as-mulheres-que-peitam-a-vida-meus-parabens-voces-sao-foda/#respond Wed, 20 Oct 2021 22:58:51 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/erikasallum-320x213.jpg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=3288 Se hoje a participação da mulher se expande pelos mais machistas círculos da sociedade, e derruba velhos muros patriarcais, saiba que muito disso se deve à coragem e à força de mulheres que ousaram peitar as mais brutas e injustas convenções de nossa história.

Há 16 anos, quando Erika Sallum decidiu ser ciclista e frequentar os pelotões de São Paulo, encontrou um ambiente quase que exclusivo de homens héteros. Competitivos, mal aceitavam sua presença nos grupos mais fortes —provavelmente porque já sabiam que Erika os deixaria comendo poeira, especialmente nas duras subidas do Matão (ladeira íngreme da USP) e do Pico do Jaraguá. 

Mesmo assim, como tudo o que fazia, Erika deu o sangue para ocupar seu espaço e garantir a representação das minas no cenário ciclístico nacional. Em seu começo, encontrou pelo caminho outras raras e corajosas garotas, todas com a mesma dificuldade —não era apenas nos pelotões que elas sofriam o preconceito, a própria indústria da bike pouco se importava com a mulher. “Não havia roupas para pedalar feita para nós (algumas felizardas conseguiam comprar peças lá fora), muito menos equipamentos específicos para nosso corpo”, escreveu Erika, aqui no Ciclocosmo.

Com sua beleza estonteante, a ciclista esguia e de coxas fortes chegava sempre muito elegante aos pelotões —como viajava muito, trazia “da gringa” os mais elegantes conjuntos de jerseys (camisas) e  bermudas femininas— e invadia, com as outras raras minas, as irmandades de ciclistas machões que rodavam pela USP ou pelas estradas paulistas.

Aos poucos as destemidas penetras foram ganhando respeito, e novas adeptas. “O mais maravilhoso é que, enfim, percebemos nossa própria existência. Formamos grupos os mais diversos, nos unimos em torno não apenas da bike, mas do fato de sermos mulheres que amam pedalar, partimos para cima de quem não respeita nossos corpos e direitos e estamos liderando hoje uma das revoluções mais inacreditavelmente belas do universo ciclístico”, relatou Erika, também aqui no Ciclocosmo.

Desafiar os padrões e peitar quem os impõe não é para qualquer um, é ato de quem não se conforma com as injustiças da vida. Peitar é coisa de mulher resiliente, que defende seu espaço e seus direitos mesmo com tanta força contrária. Peitar não é só uma metáfora para aquelas pessoas dispostas a arriscar a pele e a dignidade pelos seus ideais. Peitar é achar o próprio significado de viver. É coisa que homem precisa aprender com a mulher, especialmente nesse país, (des)governado por um misógino —como bem sabe, desde 2003, a deputada federal Maria do Rosário (PT) e tantas outras que se sentiram atacadas pela atual política nacional.

Peitar é coisa de gente corajosa como a Erika, que se jogava contra um mundo de adversidades lutando pelo bem de todas, e mesmo baqueada, segurava sua bandeira feminista firme e de pé.

Não bastasse a agressividade de uma nação machista e desgovernada, a mulher brasileira sofre,  —ironicamente— no seio de sua coragem, com o tipo de câncer que mais mata em nosso país. De acordo com estudo estatístico do Instituto Nacional de Câncer (Inca) de 2020, o câncer de mama é disparado o que mais acomete as mulheres daqui, acumulando um total de 29,7 % de todos os tipos de câncer detectados em mulheres no Brasil.

Peitar essa doença, alertar e acolher, foi uma das mais belas lutas sociais deixadas pela Erika Sallum. Sustentar sua linda bandeira e garantir a representação das minas no maior de todos os pelotões —o da vida— é função de todos, inclusive dos homens.

Para ajudar na conscientização e combate ao câncer de mama, uma pedalada em homenagem à Erika Sallum será realizada neste sábado (23) às 9h30, com partida do gramado central do Parque do Povo (SP). O evento é organizado pela revista Go Outside e tem apoio da rede Bike Anjo e do Fuga Clube de Ciclismo.

“A todas as mulheres que pedalam, meus parabéns. Vocês são foda.” —Erika Sallum 

INFORMAÇÃO

Além da pedalada paulistana, também estão programadas pedaladas em Porto Alegre (RS), Natal (RN), Belém (PA) e Volta Redonda (RJ). 

São Paulo (SP): Homenagem à Erika Sallum —Parque do Povo, 23/10, 9h30

Porto Alegre (RS): Homenagem à Erika Sallum —Largo do Zumbi, 23/10, 16h

Natal (RN): Pedal Outubro Rosa —Leroy Merlin (Liga), 23/10, 15h

Belém (PA): Pedala Mana —São Brás, 24/10, 7h00

Volta Redonda (RJ): Pedal Bike Flor —Praça do Aero, 21/10, 15h

 

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Paris-Roubaix, que acontece neste final de semana, finalmente inclui mulheres https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/09/30/paris-roubaix-que-acontece-neste-sabado-finalmente-inclui-mulheres/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/09/30/paris-roubaix-que-acontece-neste-sabado-finalmente-inclui-mulheres/#respond Thu, 30 Sep 2021 23:37:48 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/Screen-Shot-2021-09-30-at-20.17.04-320x213.jpg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=3231 Todos os anos, desde 1896, a comunidade ciclística internacional para tudo para assistir 150 homens disputarem a mais extraordinária das “clássicas” de um dia, a francesa Paris-Roubaix. Conhecida como “Inferno do Norte” —são 257.7Km com muita lama e os terríveis pavés (paralelepípedos)— a prova premia o ciclista mais rápido a completar o trecho que parte dos arredores de Paris e chega no mítico velódromo de Roubaix. 

Quase todo o mundo fica sabendo, através da TV, rádio, jornal ou internet, o nome do vitorioso e as qualidades de seu pedigree. Normalmente esse cara passa a ter um dos melhores salários —se ainda não tinha— do mundo do esporte. Os vencedores ficam para a história —Fausto Coppi, Eddy Merckx, Tom Boonen, Peter Sagan… Ano após ano, um novo ele, o cara, o astro, um homem-deus a venerar no mundo das bicicletas. 117 vezes, sempre homem.

Foram 95 deles, para só agora conhecermos quem será a melhor delas —e são tantas! Como pôde o mundo do ciclismo escantear o potencial e gracioso espetáculo feminino? Foi preciso um tremendo esforço feminista, capitaneado pela holandesa Marianne Vos (tricampeã mundial e um ouro olímpico), para que no próximo sábado (2/10) aconteça a primeira Paris-Roubaix Femmes (mulheres).

Diferente da versão masculina, a feminina larga bem mais longe de Paris e terá apenas 115.6Km. Apenas? Sim, apenas (que pergunta machista!). Só mesmo uma sociedade masculinizada para deixar isso acontecer —125 anos de atraso e 142Km a menos para elas, as grandes estrelas da Paris-Roubaix 2021! 

As mulheres do time Bike Exchange treinam no circuito da Paris-Roubaix – foto: divulgação

Talvez seja por descuidos desse tipo que, no reflexo social, vemos tantos homens não aceitarem ser vencidos por mulheres que muitas vezes são naturalmente mais capazes. Ou então tornar realidade certos abusos machistas inacreditáveis, como o que aconteceu no último dia 28/9, com a ciclista Andressa Lustosa, em Palmas (PR).

Apesar do crescente entusiasmo (de parte) do público com as competições femininas de bike, ainda é sofrível a desigualdade entre homens e mulheres nesse esporte, em todos os níveis. Provas de ciclismo feminino de estrada não costumam ser transmitidas na íntegra por nenhum canal de TV. Ou não costumavam —pela primeira vez teremos por aqui uma prova feminina transmitida ao-vivo. Renan do Couto e Celso Anderson (sim, dois homens e nenhuma mulher!) farão a narração da primeira Paris-Roubaix Femmes, com início às 10h de sábado na ESPN2.

Para Nadine Gil, ciclista alemã profissional, “o crescimento do ciclismo feminino foi incontrolável nos últimos anos, e vem ganhando apoio de grandes times e marcas que antes só financiavam homens”. A atleta ressalta que, apesar da diminuição das diferenças entre homens e mulheres, ainda é decepcionante ter que competir provas muito mais curtas que as provas masculinas.

Mesmo com 142Km a menos, a Paris-Roubaix Femmes promete fortes emoções. Serão 17 trechos de pavé, inclusos os temidos Mons-en-Pévèle e Carrefour de l’Arbre, famosos por terem destruído braços, costas, pernas e rodas dos garanhões que por ali já passaram. Diferentemente da largada (que será em Denain), a chegada será igual a dos homens, no  velódromo de Roubaix.

A lista das favoritas é grande, e vem encabeçada por Marianne Vos —essa holandesa está no topo da forma física e por pouco não conquistou seu quarto ouro no mundial de estrada, disputado no sábado passado. Como atual campeã mundial, a italiana Elisa Balsamo aparece firme e forte na disputa. Outra italiana, Elisa Longo Borghini, traz um currículo de peso —foi vencedora de algumas clássicas, como a Strade Bianche (2017). A experiente Annemiek van Vleuten não poderia ficar de fora; aos 38 anos de idade, a holandesa ganhou importantes clássicas esse ano, incluindo a Ronde van Vlaanderen. 

Não há pavé nem homem algum que segure essas mulheres. Curvem-se, o caminho é todo delas!

 

INFORMAÇÃO

PARIS-ROUBAIX FEMMES

Quando: sábado, 2 de outubro

Distância: 115,6 quilômetros

Trechos em paralelepípedos: 17

Comprimento total dos trechos em paralelepípedos: 29,2 quilômetros

Na TV: ESPN2 às 10h

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Prova masculina: Domingo, 3 de outubro

Na TV: ESPN2 às 10h

A versão feminina da Paris-Roubaix largará de Denain e terá 115.6Km
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Sob ameaça do Talibã, ciclistas afegãs queimam suas histórias https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/09/19/sob-ameaca-do-taliba-ciclistas-afegas-queimam-suas-historias/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/09/19/sob-ameaca-do-taliba-ciclistas-afegas-queimam-suas-historias/#respond Sun, 19 Sep 2021 17:43:27 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/P4180386px-320x213.jpg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=3173 Com o retorno ao poder do grupo fundamentalista Talibã, 20 anos após a invasão americana do Afeganistão, mulheres ciclistas eliminaram todos seus registros neste esporte. Temendo as severas punições da sharia (lei religiosa), entre elas a morte por apedrejamento, as ciclistas queimaram fotografias, diplomas, troféus e todo tipo de equipamentos de ciclismo tão logo as Forças dos Estados Unidos se retiraram do país, há menos de um mês.

A brutal tomada da capital Cabul pelos combatentes talibãs, em 15 de agosto, e o bloqueio ao aeroporto internacional, colocou ciclistas e outros atletas, assim como músicos e artistas que não se encaixam nas doutrinas da sharia, em situação de vulnerabilidade. Queimar seu passado e se submeter ao regime é a única opção aos que não conseguiram embarcar na caótica retirada americana.

“O ciclismo acabou no Afeganistão”, lamenta um membro da Federação Afegã de Ciclismo. Para ele, a proibição de mulheres no esporte e as restrições aos homens —o Talibã proibiu o uso de roupas justas e shorts por qualquer indivíduo— impede o futuro do esporte no país.

Pelotão do time afegão de ciclismo feminino passa, em 19 de abril de 2014, pelo sítio arqueológico de Bamiyan, no Afeganistão – patrimônio mundial pela Unesco (Foto: Shannon Galpin)

A ativista americana Shannon Galpin, que trabalha há mais de uma década com apoio humanitário às ciclistas afegãs —entre outras ações, Shannon conseguiu patrocínios ao time nacional de ciclistas afegãs e produziu o documentário “Afghan Cycles”—, lamenta a atual situação: “são as primeiras mulheres na história desse país a usar bicicletas por esporte e reivindicar seu espaço público. Hoje, essas jovens não podem mais se identificar como ciclistas ou atletas, do contrário tornam-se alvos do regime Talibã.”

Os registros de barbáries contra o povo afegão são seculares. A história descreve os primeiros morticínios ideológicos contra tribos afegãs no século 13, por grupos mongóis guiados pelo imperador Gengis Khan. “De forma infame, Gengis Khan deixou para trás pirâmides de cabeças humanas nas suas conquistas pelo Afeganistão”, descreveu a antropóloga afegã Amineh Ahmed em artigo para o periódico “Cambridge Journal of Anthropology”. Desde então, as atrocidades contra esse povo nunca mais cessaram.

Na Idade Moderna, as disputas sangrentas pelo território passaram pelas mãos de diversos líderes tribais em diferentes guerras, quase sempre financiadas por interesses estrangeiros —Inglaterra, Rússia (e também União Soviética), China, Paquistão, Iran e Arábia Saudita guardam suas culpas. Estados Unidos, última nação a abandonar sua guerra por lá, invadiu o Afeganistão em 2001 à procura do terrorista Osama Bin Laden —líder do grupo Al Qaeda, escondido ali pelo primeiro regime do então recém criado grupo Talibã— logo após os atentados de 11 de setembro.

Por 20 anos, e pelos governos de quatro presidentes (George W. Bush, Barack Obama, Donald Trump e Joe Biden), os EUA tentaram implantar a democracia e afastar líderes extremistas daquele país. Em meio a uma mixórdia política e muita corrupção, o regime democrático levou ao país grandes mudanças de comportamento, em especial para as mulheres. A desobrigação do uso da burca foi seguida por uma série de liberdades, antes banidas pelo extremismo islâmico do Talibã. O acesso à educação, às artes e ao esporte foi novidade para muitas gerações de afegãs e a única realidade para as gerações mais recentes, nascidas no período de ocupação americana. Tudo isso acabou num estalo.

“O sonho acabou. Voltamos 20 anos ao passado. Como mulher, não tenho o direito de sair de casa, de estudar ou de trabalhar. As mulheres hoje são obrigadas a se manter trancafiadas em casa. Pedalar é ilegal no regime Talibã”, disse uma ciclista que começou a pedalar em 2018 e já  fazia parte da seleção afegã de ciclismo.

A cicloativista americana Shannon Galpin (terceira a partir da esquerda) participa de treino com ciclistas mulheres no Afeganistão (Foto: Shannon Galpin)

Outra ciclista, iniciada profissionalmente no esporte há 2 anos, disse: “o ciclismo teve diversos efeitos no meu estilo de vida. Melhorou meu corpo, minha alma e meu conhecimento.” O seu maior sonho, até a retomada do Talibã, era competir as Olimpíadas de Paris em 2024.

Galpin relata que as ciclistas que conseguiram escapar junto com a retirada americana deixaram tudo para trás, levaram apenas uma pequena bolsa de mão. “As que ficaram foram obrigadas a destruir todo seu histórico no esporte”.

COMO AJUDAR

As afegãs destacadas nesse texto —e que tiveram suas identidades preservadas por questões de segurança— como também todas as ciclistas daquele país, podem ser beneficiadas por projetos de auxílio humanitário, como o anunciado pela ativista Shannon Galpin, o “Evacuação das Mulheres Ciclistas Afegãs”.

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Filme mostra que tamanho do corpo pouco importa para quem ama pedalar https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/03/30/filme-mostra-que-tamanho-do-corpo-pouco-importa-para-quem-ama-pedalar/ https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/2021/03/30/filme-mostra-que-tamanho-do-corpo-pouco-importa-para-quem-ama-pedalar/#respond Tue, 30 Mar 2021 12:53:52 +0000 https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/abob1-1200x675-320x213.jpeg https://ciclocosmo.blogfolha.uol.com.br/?p=3058 O novo documentário “All Bodies on Bikes”, lançado nesta semana, joga na nossa cara um dos maiores preconceitos no universo da bike: pessoas gordas — ou, como gostamos de chamar de maneira fascistinha, “acima do peso” ou “fora de forma”, como se existissem um peso ideal e um condicionamento certo a ser atingido.

O filme, produzido pela sempre competente produtora norte-americana Sweetgrass Productions, tem apenas 13 minutos, mas cada segundo que passa nos enche de emoção e esperança: enfim, os tempos estão mudando e já passa da hora de acelerarmos nossas bicicletas e deixar a gordofobia para trás. Chega!

“All Bodies on Bikes” é estrelado por Marley Blonsky, cicloativista que já liderou o movimento With These Thighs (Com Estas Coxas), que defende a diversidade de corpos na bike (entrevistei-a para este blog, leia mais aqui), e Kailey Kornhauser, que esteve na capa da revista Bicycling proclamando que “every body is a cycling body” (todo corpo é um corpo para se pedalar).

Bem produzido, com cenas lindas de uma cicloviagem de dois dias que a dupla fez recentemente pelo estado do Oregon (USA), o curta-metragem dá um tapa na cara de nós, que em gigantesca maioria acredita que ser um bom ciclista significa, sempre, ser magro.

“Ser rápido não é o que te faz ser um ciclista experiente’, diz Kailey no filme. “Para ser ciclista, você só precisa ser uma pessoa que pedala uma bike.” Simples assim.

Kailey, aliás, dá belíssimos depoimentos ao longo do documentário, cutucando a ferida desse problema: por que associamos gordura com sentimentos negativos? Por que achamos quase sempre que ser gordo é ser preguiçoso, feio?

Ela revela ainda que, por um longo tempo, usou a bike como forma de punição; era preciso sofrer para conseguir o corpo desejável. Pedalar virou parte da obsessão de queimar calorias, assim como uma perigosa restrição alimentar que a deixava com tonturas e vertigens.

Um dia, Kailey contactou Marley, atraída pela desenvoltura com que esta pedalava, sem vergonha do próprio corpo e mandando um baita recado para nossa sociedade doente: ela não estava ali para “consertar” seu corpo, muito menos para fazer com que parecesse menor.

Juntas, a dupla resolveu lutar pela inclusão no universo da bike. Ao final do filme (assista abaixo, na íntegra), elas se unem a outros ciclistas gordos, em um pelotão admirável de corpos “fora do padrão” — que pedalam por amor à bike, por diversão e para nos fazer entender que todos nós, sem exceção, podemos e devemos sentir o prazer inenarrável que a bicicleta nos proporciona.

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