Novidade no Brasil, Bikingman desafia corpo e alma

Dia desses meu amigo Jeffrey me perguntou se eu medito. Respondi que não. Fui então surpreendido com uma segunda pergunta. Reveladora, a questão serviu de alerta ao meu grande engano: “mas você não pedala, Caio?” Realmente Jeffrey, eu medito… E como medito! O excesso de intenções conscientes sobre minhas pedaladas, muitas vezes solitárias e levadas ao limite das capacidades físicas, sempre ocultaram de mim o profundo mergulho introspectivo que o ato de pedalar me proporciona.

Penso agora que só isso —o profundo mergulho introspectivo— pode justificar a participação de ciclistas amadores numa prova tão treta como o primeiro Bikingman Brasil. É mesmo necessário o equilíbrio de mestres iogues e a reflexão de monges budistas para superar —sem nenhum tipo de ajuda externa— os 1.000 Km de buraqueira, os 19.000 metros de ascensão acumulada, as subidas mais insanas do país, no limite máximo de cinco dias (120 horas).

A prova Bikingman Brasil, que largará às 5h desta segunda-feira (1/11) em Taubaté (SP), cruzará estradas de terra e asfalto, e contará com desafios extremos de nosso país: A subida mais longa pela estrada mais alta do Brasil —35 Km e quase 2.000 metros de ascensão dentro do Parque Nacional do Itatiaia—, e a subida pavimentada mais dura em território nacional, que começa em Paraty (RJ) e termina 17 Km depois, em Cunha (SP).

Parafernália que Jessica Ropcke vai carregar consigo pelos 1.000 Km (foto: Pedro Filipi Valente Silva)

Os cenários de natureza exuberante, pelas serras da Mantiqueira, do Mar e da Bocaina, e a beleza pitoresca de cidades históricas nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, trazem o equilíbrio mental para tamanho desgaste físico. 

Vinícius Martins, organizador da prova e experiente ciclista de ultradistância, comenta que “diferente dos desafios ‘brevê’, que não premiam o mais rápido, o Bikingman é uma competição sim. Essa característica aproxima o ciclista competitivo do modelo contemplativo do cicloturismo”. Ganha quem terminar os 1.000 Km mais rápido. Vinícius já tem seu palpite, acredita que o mais veloz terminará a prova em 60 horas (2 dias e meio) —o que obrigará o futuro campeão a pedalar quase constantemente, com breves cochilos que, somados, não passarão de 4 horas.

Durante a prova, a peculiar regra da autossuficiência deixa o desafio ainda mais severo. Nenhum tipo de ajuda é permitido. O ciclista tem que carregar tudo, de roupas a ferramentas, passando por comida e hidratação. É osso! No caminho, só é permitido o uso de estruturas públicas, como restaurantes, hotéis e borracharias. Se, eventualmente, o ciclista passar pela cidade da família e decidir comer um pudim na casa da vovó, ou tirar um cochilo da casa da prima, estará automaticamente desclassificado. Burlar essa regra é quase impossível —todo trajeto é registrado por aparelhos de GPS instalados em cada uma das bikes, e divulgado publicamente ao vivo, através do website do evento (sim, você pode ser um espectador remoto e curtir a emoção a partir de seu sofá, o que pode ser bem legal!). 

Apesar da dureza desta prova, tem sim gente iniciante em ultradistância na lista de largada. A empresária catarinense Jessica Ropcke nunca competiu nada tão longo. “Conhecer lugares novos de bike é motivador. Vou encarar como se fosse uma viagem de bike”. Para se preparar, Jessica começou a fazer treinos mais longos e teve que aprender técnicas de mecânica de bicicleta, como trocar as pastilhas de freio —tarefa que diz já fazer melhor que o noivo, um ciclista experiente. As mulheres são minoria, e Jessica diz que isso a motiva ainda mais. Seu objetivo é concluir a prova dentro do limite de 5 dias para incentivar outras mulheres a participar na próxima edição da prova.

A advogada paulistana Victória de Sá tem longa experiência em ultradistância e provas Bikingman. Com alguns desafios bravos no currículo, como Everesting e Inca Divide, Victória sabe bem onde está se metendo. “Adoro planejar e ter estratégias. O bom planejamento me ajuda a não gastar energia pensando durante a prova”

Victória de Sá em sua experiência na prova peruana de ultradistância Inca Divide (Foto: Bruno Rosa)

Quando perguntei para Victória se ela tinha alguma dica para quem quer começar nas provas de ultradistância, me surpreendi. Achei que ela falaria sobre equipamentos, mapas, treinamento… “Tem que sentir o ambiente. O sol, a lua, a chuva, as árvores, o asfalto, a sombra, o calor…” disse a sábia ciclista.

Realmente, meu amigo Jeffrey, pedalar é pura meditação.