A todas as mulheres que peitam a vida, meus parabéns. Vocês são fantásticas!

Se hoje a participação da mulher se expande pelos mais machistas círculos da sociedade, e derruba velhos muros patriarcais, saiba que muito disso se deve à coragem e à força de mulheres que ousaram peitar as mais brutas e injustas convenções de nossa história.

Há 16 anos, quando Erika Sallum decidiu ser ciclista e frequentar os pelotões de São Paulo, encontrou um ambiente quase que exclusivo de homens héteros. Competitivos, mal aceitavam sua presença nos grupos mais fortes —provavelmente porque já sabiam que Erika os deixaria comendo poeira, especialmente nas duras subidas do Matão (ladeira íngreme da USP) e do Pico do Jaraguá. 

Mesmo assim, como tudo o que fazia, Erika deu o sangue para ocupar seu espaço e garantir a representação das minas no cenário ciclístico nacional. Em seu começo, encontrou pelo caminho outras raras e corajosas garotas, todas com a mesma dificuldade —não era apenas nos pelotões que elas sofriam o preconceito, a própria indústria da bike pouco se importava com a mulher. “Não havia roupas para pedalar feita para nós (algumas felizardas conseguiam comprar peças lá fora), muito menos equipamentos específicos para nosso corpo”, escreveu Erika, aqui no Ciclocosmo.

Com sua beleza estonteante, a ciclista esguia e de coxas fortes chegava sempre muito elegante aos pelotões —como viajava muito, trazia “da gringa” os mais elegantes conjuntos de jerseys (camisas) e  bermudas femininas— e invadia, com as outras raras minas, as irmandades de ciclistas machões que rodavam pela USP ou pelas estradas paulistas.

Aos poucos as destemidas penetras foram ganhando respeito, e novas adeptas. “O mais maravilhoso é que, enfim, percebemos nossa própria existência. Formamos grupos os mais diversos, nos unimos em torno não apenas da bike, mas do fato de sermos mulheres que amam pedalar, partimos para cima de quem não respeita nossos corpos e direitos e estamos liderando hoje uma das revoluções mais inacreditavelmente belas do universo ciclístico”, relatou Erika, também aqui no Ciclocosmo.

Desafiar os padrões e peitar quem os impõe não é para qualquer um, é ato de quem não se conforma com as injustiças da vida. Peitar é coisa de mulher resiliente, que defende seu espaço e seus direitos mesmo com tanta força contrária. Peitar não é só uma metáfora para aquelas pessoas dispostas a arriscar a pele e a dignidade pelos seus ideais. Peitar é achar o próprio significado de viver. É coisa que homem precisa aprender com a mulher, especialmente nesse país, (des)governado por um misógino —como bem sabe, desde 2003, a deputada federal Maria do Rosário (PT) e tantas outras que se sentiram atacadas pela atual política nacional.

Peitar é coisa de gente corajosa como a Erika, que se jogava contra um mundo de adversidades lutando pelo bem de todas, e mesmo baqueada, segurava sua bandeira feminista firme e de pé.

Não bastasse a agressividade de uma nação machista e desgovernada, a mulher brasileira sofre,  —ironicamente— no seio de sua coragem, com o tipo de câncer que mais mata em nosso país. De acordo com estudo estatístico do Instituto Nacional de Câncer (Inca) de 2020, o câncer de mama é disparado o que mais acomete as mulheres daqui, acumulando um total de 29,7 % de todos os tipos de câncer detectados em mulheres no Brasil.

Peitar essa doença, alertar e acolher, foi uma das mais belas lutas sociais deixadas pela Erika Sallum. Sustentar sua linda bandeira e garantir a representação das minas no maior de todos os pelotões —o da vida— é função de todos, inclusive dos homens.

Para ajudar na conscientização e combate ao câncer de mama, uma pedalada em homenagem à Erika Sallum será realizada neste sábado (23) às 9h30, com partida do gramado central do Parque do Povo (SP). O evento é organizado pela revista Go Outside e tem apoio da rede Bike Anjo e do Fuga Clube de Ciclismo.

“A todas as mulheres que pedalam, meus parabéns. Vocês são foda.” —Erika Sallum 

INFORMAÇÃO

Além da pedalada paulistana, também estão programadas pedaladas em Porto Alegre (RS), Natal (RN), Belém (PA) e Volta Redonda (RJ). 

São Paulo (SP): Homenagem à Erika Sallum —Parque do Povo, 23/10, 9h30

Porto Alegre (RS): Homenagem à Erika Sallum —Largo do Zumbi, 23/10, 16h

Natal (RN): Pedal Outubro Rosa —Leroy Merlin (Liga), 23/10, 15h

Belém (PA): Pedala Mana —São Brás, 24/10, 7h00

Volta Redonda (RJ): Pedal Bike Flor —Praça do Aero, 21/10, 15h