Na semana da mobilidade, São Paulo pôde festejar, mas há muito a mudar
“Atualmente, São Paulo virou referência de estrutura cicloviária”, contudo, “ainda temos vergonha de suar, de chegar de bicicleta nos lugares.” Juntos, esses dois comentários —respectivamente do urbanista Gustavo Partezani e da vereadora e cicloativista Renata Falzoni— demonstram o nível da dicotomia cultural que a mobilidade sustentável sofre na cidade mais populosa do Ocidente.
Com a maior malha cicloviária do país —segundo a CET, são 684Km—, a cidade de São Paulo ainda não preparou seus cidadãos para utilizá-la. Para Partezani, ainda falta um plano de educação para a mobilidade: “a urbanidade ensinada nas escolas ainda não aborda uma questão fundamental no desenvolvimento do ser-humano, que é a educação para o espaço público, para a mobilidade.”
Durante a semana mundial da mobilidade (20-26 de setembro), percorri —de bike, claro— ruas do centro e da periferia da cidade. O que senti foi chocante, e confirma a falta de pedagogia para a mobilidade, relatada por Partezani. A já famosa agressividade do motorista brasileiro, sentida na pele por todo ciclista que roda por aqui, surge —ridícula e obviamente!— de uma falta de investimento em educação para os deslocamentos urbanos sustentáveis. A formação básica dos cidadãos para o tema da mobilidade, seja qual for seu estrato social, é superficial ou inexistente dentro do sistema educacional de nosso país.
Desde o Tremembé (zona norte) até o Capão Redondo (zona sul), passando pelo caos do centro, pelo rico Jardins e pelo diverso Paraíso, o cenário falho é todo muito parecido —com as portas voltadas para importantes ciclovias, escolas paulistanas tem nenhuma (ou quase nenhuma) preocupação com cidadãos ciclistas. Falta desde a oferta de estrutura para estacionar bicicletas, até a importante orientação pedagógica sobre o assunto.
A vereadora Falzoni indica que, no Brasil, aprendemos a nos deslocar na cidade por conta própria: “somos orientados pelo ‘não!’ —‘não pedale na rua!’—, mesmo a rua sendo legalmente uma via para bicicletas.” A vereadora ainda comenta que na Alemanha, a educação para a mobilidade sustentável começa muito cedo: “lá as crianças aprendem a pedalar na escola, aos 6 anos de idade. Quando chegam aos 12, passam a ensinar as mais novas e ganham o diploma de cidadã.”
De volta à realidade nacional… Os dois filhos adolescentes da engenheira Erika Horta estudam no Bandeirantes, uma das escolas que mais produzem intelectuais em São Paulo. Mesmo morando no bairro do “Band” (Paraíso), Erika prefere levar os filhos de carro ou a pé por temer o trânsito agressivo. Sobre a orientação escolar, a mãe comenta: “acho que a escola não os encoraja, lá não há nem bicicletário”.
Questionado, o Bandeirantes afirmou ter oferecido, em 2019, um programa extra-curricular sobre mobilidade urbana para a primeira série do ensino médio. Entretanto, a direção da instituição não comentou sobre a continuidade do curso, nem soube responder sobre as qualidades dos próprios equipamentos de apoio ao deslocamento por bicicleta. Disseram haver um bicicletário, mas não respondem sobre o número de vagas e a frequência de sua utilização. Levantei o dado por conta própria —são apenas 6 paraciclos para 2600 alunos!
Muitos alunos do Bandeirantes nunca ouviram falar da oferta do programa extra-curricular citado pela direção da escola, tampouco da existência dos paraciclos.
Na região central, alunos e professores da escola municipal Celso Leite Ribeiro Filho são servidos com uma ótima ciclovia que passa pelo portão de entrada. De nada adianta —na escola não há sequer uma única vaga para bike. “Nunca vi ninguém chegar aqui de bicicleta. Nem professor, nem aluno, nem pai de aluno”, relatou um dos professores da instituição enquanto uma van escolar atendia seis estudantes, moradores do mesmo bairro onde fica a escola.
Chega a ser constrangedor —tantos investimentos públicos e privados em malha cicloviária, tantos alertas sociais e ambientais, e tanta gente insistindo no trânsito sujo e caótico que nos adoece e mata desde o século passado! Sem falar no custo do carro, dos 7 Reais por litro de gasolina, do tempo perdido… A mudança de hábitos é urgente, e começa com incentivo e educação —para jovens e adultos— em ocupação sustentável e pacífica do espaço público.
Guardadas as excessões —e com todo o respeito a quem não pode pedalar—, carro é, na maioria das situações urbanas, um atraso em sua vida! Bora chegar de bike na escola, no trabalho, na casa dos amigos… Além de cuidar da sua saúde, você conhecerá gente muito mais interessante pelo caminho do que conheceria trancado em sua bolha ambulante —experiência própria, pode confiar!
SERVIÇO
Rede Bike Anjo —O projeto tem por objetivo trazer mais ciclistas para as ruas, de forma segura. A rede oferece aulas GRATUITAS para quem quer aprender a pedalar ou para quem já sabe mas tem medo de se deslocar pela cidade. Os voluntários —bike anjas e bike anjos— também oferecem soluções para colégios e empresas.
Para chama-los, basta se inscrever (por aqui).