Level Up Movement amplia o espaço dos negros no mundo da bike
Quando começou a pedalar, a norte-americana Erica Elle não sabia quase nada sobre o universo da bike. Acreditava que um dos caminhos para aprender mais sobre essa comunidade e esporte seria por meio de outros ciclistas, seus clubes e turmas.
Mas ela logo entendeu que estava errada. Mulher e negra, Erica percebeu que não havia espaços seguros e diversos para pessoas de sua cor, assim como para muitas outros grupos mais vulneráveis.
Resolveu, então, parar de pedalar? De jeito nenhum. Criou (ainda mais) coragem e decidiu abrir, mesmo que na marra, o caminho para que mais pessoas negras se sentissem à vontade para se aproximar da bicicleta — uma ferramenta certeira de empoderamento e crescimento pessoal.
“Saquei que eu mesma teria de tomar a iniciativa e criar um espaço para não somente crescer nesse meio como para que outras pessoas conseguissem também”, diz Erica, fundadora do Level Up Cycling Movement, um movimento dedicado a apresentar os muitos benefícios do ciclismo a minorias e também a ajudar a facilitar a trajetória de jovens ciclistas dessas comunidades aos níveis mais profissionais do esporte.
O Level Up organiza pedais para grupos ainda pouco bem-vindos no meio da bike, promove palestras sobre as vantagens de se pedalar, faz eventos nos quais ciclistas célebres — como o negro Justin Williams — podem conhecer de perto seus fãs, participa de campanhas de doações para comunidades em necessidade, e por aí vai.
No Instagram do grupo (@levelup_cyclingmovement), dá uma alegria enorme ver os vídeos de pelotões negros, femininos, entre outros, saírem por aí com suas bikes, cheios de esperança e orgulho de um futuro mais diverso.
Se o ciclismo não dava passagem a praticantes de outras raças, gênero e classe social, agora o caminho não tem mais volta: as minorias estão conquistando seu lugar. Como diz o slogan do Level Up, “the Movement is here”.
A seguir, Erica explica melhor sobre sua organização e as atividades que organiza.
Por que você decidiu criar o Level Up Cycling Movement?
ERICA ELLE: Quando eu comecei a pedalar, percebi que não havia minorias nessa comunidade, e era rara a representação de mulheres em clubes de ciclismo dos quais tentava participar, em eventos de bike e pedaladas em geral. Conforme fui me apaixonando pelo ciclismo, passei a investir mais tempo nisso, a gastar mais dinheiro com equipamentos caros, a ler revistas especializadas, a assistir provas. Foi então que reparei que não havia nada que me representasse nesse esporte, ou pequenas minorias com quem eu gostaria tanto de pedalar.
Encontrei e comecei a pedalar com ciclistas jovens e talentosos dessas minorias, que tinham o sonho de competir em nível profissional. Após assistir a algumas competições, foi ficando bem claro que a chance dessas pessoas irem além do nível amador era praticamente zero. Mesmo no circuito amador, o apoio para eles era ínfimo.
O esporte que agora eu tanto amava pela sensação de liberdade que me proporcionava parecia, na verdade, uma caixa de vidro fechada, da qual se via o resto do mundo participar, menos pessoas como eu.
Foi quando eu, enfim, entendi que mulheres e minorias, de amadores a profissionais, não tínhamos um espaço no qual nos conectar, para nos sentir seguros, onde pudéssemos aprender e florescer com garantida inclusão.
Inspirada pela frase “Crie o futuro que você quer ver”, decidi fundar o Level Up Cycling Movement, para levar o ciclismo e seus benefícios a minorias e, dessa forma, construir comunidades seguras onde se pode lapidar talentos.
E como é possível tornar mais diversa a comunidade ciclística?
Acredito que seja possível nutrindo, educando, expondo esse meio. Eu tenho testemunhado um crescimento exponencial do ciclismo em minorias ao meu redor. No Level Up, nós já oferecemos 250 sessões de treinamento para mulheres e minorias, além de várias pedaladas focadas nesse tipo de ciclista.
São tantas as histórias de superação, de perda de peso, de melhora da saúde física e mental. Ver o progresso das pessoas com meus próprios olhos é o que me motiva todos os dias a fazer do mundo da bike um lugar melhor para nós.
Nos pelotões profissionais, a diversidade é ainda mais rara. Você tem visto mudanças positivas nos últimos anos? Como mudar isso?
Tenho visto algumas mudanças recentes, mas só vindas da UCI [a organização internacional que rege o ciclismo profissional] e de algumas poucas equipes. Tenho percebido mais esforços da UCI em selecionar ciclistas de minorias para seus training camps e em atrair atenção para suas competições. Há iniciativas também de algumas federações e organizações em relação ao ciclismo feminino, para equiparar com o do masculino itens como salários e apoio médico, além do número de profissionais do staff para apoiar as ciclistas durante a temporada. Todos esses esforços são um bom começo.
Alguns eventos do Level Up contaram com a presença de ciclistas negros que estão ficando célebres, como Justin Williams. Qual a importância de se ter pessoas assim icônicas hoje?
A missão de Williams de diversificar o esporte, assim como a disposição que ele tem para usar sua voz e sua plataforma, são essenciais para o futuro do ciclismo. Seu trabalho e sua dedicação têm contribuído muito não somente para consolidar a ideia, mas também a realidade de que o ciclismo de elite e profissional podem ser para todo mundo.
Como uma simples bicicleta pode empoderar as pessoas?
Tenho visto bikes trazerem tanta alegria para muitas vidas, de maneiras tão diversas. Tenho testemunhado bicicletas unirem famílias e aprofundarem amizades de toda uma vida. Ontem mesmo, uma jovem mulher com quem tenho treinado me contou que, por causa do ciclismo, ela tem aprendido a ter mais empatia com os outros. Por causa da bicicleta, vejo pessoas voltarem a ter controle sobre sua própria saúde. Já vi gente ficar empoderada e criar seu clube de ciclismo, quando pouco antes nem percebia seu talento para liderança. Resumindo: a bike te empodera a se conectar consigo mesmo para que você encontre maneiras de impactar o mundo.