#ClimbHigherTogether quer mais mulheres pedalando (em subidas!)

Apesar do crescente entusiasmo (de parte) do público com as competições femininas de bike, ainda é sofrível a desigualdade entre homens e mulheres nesse esporte, em todos os níveis.

Provas de ciclismo de estrada como o Giro Rosa, a versão delas do tradicional Giro d’Italia, não costumam ser transmitidas na íntegra por nenhum canal de TV. Os salários e prêmios deles e delas quase nunca são os mesmos, com exceção de alguns eventos, como a competição australiana Santos Tour Down Under. E ainda não temos tantas moças participando de provas amadoras e campeonatos nacionais.

Isso não só no Brasil como em muitos lugares onde as competições de bike são bem mais fortes, como Estados Unidos e Europa.

Na Grã-Bretanha, não é diferente, mas nas últimas semanas um movimento feminino (e feminista) interessante vem conquistando adeptas por lá em uma modalidade bem particular: as provas de subida. As competições de “hill climb” são famosas no Reino Unido, atraem mulheres, porém não muitas — e é isso o que o movimento #ClimbHigherTogether (#SubamosMaisAltoJuntas, em tradução livre) pretende mudar.

Organizado por ciclistas locais como Becky Hair, 30, o movimento quer unir mais mulheres em torno do tema, inspirar meninas a começarem a pedalar (e a competir), lutar por salários e prêmios iguais aos homens e mais visibilidade na mídia, além de criar ambientes mais amigáveis para iniciantes se sentirem confiantes para se lançar em desafios ciclísticos.

Becky compete nas provas do Reino Unido e torce para ter mais concorrentes mulheres (Foto: Arquivo pessoal)

A ciclista e fisioterapeuta Becky começou a pedalar por influência do pai e penou até se sentir confortável para competir. Já tiraram sarro dela em lojas de bike e já foi olhada com desdém em pelotões majoritariamente masculino. Mas a moça cresceu em todos os sentidos e hoje, toda corajosa, compete em hill climbs, em provas de critério e ainda inventa movimentos interessantes para convencer mais meninas de que o lugar delas é em cima de uma bicicleta.

A seguir, um bate-papo com essa inglesa muito especial:

Como nasceu o movimento #ClimbHigherTogether?
BECKY HAIR: Desafios de subida são uma tradição bem britânica. Basicamente consiste em uma competição que começa no sopé de uma montanha e termina lá no topo, e vence quem faz o percurso em menos tempo. A temporada de subidas dura pouco, de setembro a outubro, para tradicionalmente caber no calendário que inclui provas de ciclismo de estrada e de critério. 

Só que os desafios de subida têm muito pouca participação de mulheres: cerca de 12% apenas. Neste ano, houve um forte movimento do Clube de Ciclismo de Reading para melhorar esse número para as etapas do campeonato nacional de subidas. Agora entre os participantes há 30% mulheres!

Eu e algumas poucas ciclistas dos desafios de subida, então, decidimos começar uma campanha com a hashtag #ClimbHigherTogether. Eu e minha colega Haddi Conant recebemos o apoio de muitas meninas com quem competimos no passado. Nós todas queremos continuar esse movimento, queremos divulgar imagens positivas sobre o assunto. 

Basicamente, queremos aumentar o número de mulheres competindo no Reino Unido, encorajá-las a compartilhar suas histórias e a continuar esse debate — se elas virem mais mulheres em provas, mais vão querer se inscrever. Também queremos lutar pela igualdade de gênero, especialmente depois que uma recente competição de subida deu prêmios bem diferentes para homens e mulheres.

Quais as principais desigualdades que ainda existem hoje nas competições femininas e masculinas?
Muito poucas mulheres competem. E a experiência de uma competição para elas não é a mesma que para eles. Por exemplo, em alguns casos, juntam categorias como “ júnior” e “mulheres”. Muitos organizadores de provas continuam achando a prova masculina o principal e mais importante evento. 

Eu venho participando de competições femininas faz anos, e uma das grandes barreiras para elas vem do fato de muitas não terem confiança em suas bikes (medo de um pneu furado no meio do percurso, por exemplo). Isso limita a independência de sair por aí pedalando, e muitas acabam só saindo para pedalar com os maridos. Cursos de mecânica ajudam bastante na autoconfiança. É importante ter mais mulheres pedalando, tirando dúvidas, o que leva mais ciclistas a também perguntarem mais e a participarem mais. 

Como fazer com que a comunidade ciclística seja mais igualitária em relação às mulheres?
Aumentando o número de mulheres nas competições, por meio de mais investimentos em redes sociais, TV e revistas. Se houvesse mais material audiovisual sobre o tema, mais mulheres se inspirariam a competir, e maior ficaria o pelotão feminino nas provas. Precisamos de atitudes e atributos positivos associados ao universo das competições, além de mostrar às pessoas como elas podem chegar lá — e isso se dá tornando todos os níveis das provas mais acessíveis.

Também é bem evidente que as equipes profissionais e as provas femininas sofrem com falta de dinheiro para torná-las mais atrativas para a mídia. Mesmo olhando para trás para a época dos escândalos de doping envolvendo Lance Armstrong, os contratos das equipes profissionais e os patrocinadores das mulheres eram as primeiras coisas a serem cortadas. Muitas ciclistas profissionais ainda precisam ter outro emprego para manter a carreira no ciclismo. É urgente ter mais mulheres nos comitês organizadores de provas, para ajudar a espalhar essas ideias. Isso pode ser feito — há algumas mulheres de grande sucesso nas provas britânicas. 

Em um nível mais de base, comunitário, precisamos oferecer mais pedaladas acessíveis às mulheres, mais cursos de mecânica e de técnicas de pilotagem. Precisamos encorajá-las a pedalar em todos os níveis.

Eventos de ciclismo profissional feminino como o La Course (a versão delas do Tour de France) e o Giro Rosa têm ajudado a melhorar a situação?
Sem patrocínio e sem cobertura na mídia, não se tornam eventos que chegam às mulheres que mais precisam vê-los. Essas provas ainda não são transmitidas na TV britânica, o que é vergonhoso. Precisamos de cobertura de TV, de revistas de ciclismo, do jornalismo esportivo em geral.