Australiano tenta quebrar recorde de maior distância pedalada em 7 dias

Nos últimos anos, uma vertente antigamente underground do ciclismo tem conquistado cada vez mais adeptos: as longas distâncias.

São ciclistas que ou entram em competições de percurso bem extenso (como os 1.600 km da Inca Divide) ou se lançam em desafios pessoais, nos quais o objetivo é ficar muitas e muitas horas em cima da bike até completar algum feito insano (caso do Everesting).

O australiano Jack Thompson, 32, faz parte do segundo grupo: decidiu, por conta própria, quebrar o recorde mundial de maior distância pedalada em sete dias. Durante a próxima semana, ele vai tentar fazer 500 km por dia (!), para somar 3.500 km ao final da empreitada.

Não é pouca coisa. Um atleta dedicado de ciclismo de estrada chega a pedalar 700 km ou até um pouco mais. Porém nada que chegue perto do que Jack pretende rodar, em um percurso próximo a Sevilha, na Espanha, país onde mora.

A bike tem salvado Jack da depressão (Foto: @sauriproductions)

Jack é veterano em ultradesafios: já fez três Everesting de uma só vez (pedalar a altimetria da maior montanha da Terra, ou seja, 8.848 metros), encarou quatro vezes seguida a subida mais temida de Taiwan (na qual acontece uma prova batizada de KOM Challenge) e percorreu de bike, sozinho, parte dos Himalaias.

Como muita gente que curte longas distâncias, Jack é assumidamente viciado em ciclismo e nas endorfinas que a modalidade produz. Tem sido o esporte um dos principais fatores para o australiano tratar uma depressão crônica. É na bicicleta, quilômetro após quilômetro, que ele ouve seus monstros interiores e acalma a mente.

A seguir, meu bate-papo com Jack, o Ultraciclista (@jackultracyclist), como é conhecido esse australiano extremamente simpático.

Por que forçar tantos seus próprios limites para quebrar esse recorde mundial?
JACK THOMPSON: Eu sempre acalentei a ideia de ver meu nome em um recorde mundial. Os quilômetros pedalados em uma semana sempre são uma espécie de grande parâmetro para ciclistas de estrada determinarem o quão pesado é seu treinamento semanal. E por isso pensei que esse seria um feito e tanto em minha busca para quebrar os limites do ultraciclismo, de minha mente e dos estigmas atrelados aos problemas psicológicos.

Você vai pedalar em um mesmo percurso em Sevilha, ou em diferentes estradas?
Eu planejei uma volta de 274 km (137 km ida e o mesmo de volta). Passei tempos mapeando percursos mais planos, e também que fossem menos atingidos por ventos. Essa rota em particular foi a que melhor oferece as duas condições na Espanha, onde moro. Com as restrições de viagem por causa da pandemia, precisei pensar em um trajeto dentro do país. Eu hoje considero a Espanha minha terra, e quebrar esse recorde “em casa” também me pareceu ótimo.

Para você, qual será o maior obstáculo durante sua tentativa de quebrar o recorde?
O vento. Eu venho monitorando o clima como se fosse um metereologista, e estou confiante de que tudo estará dentro do esperado. Mas o clima é sempre imprevisível, pode mudar do dia para a noite. Além do vento, ingerir uma enorme quantidade de calorias diárias também será desafiador. Eu geralmente tenho uma taxa de queima calórica de 800 calorias por hora, o que já é complicado de suprir. Imagine em um pedal de sete dias seguidos, no qual provavelmente vou totalizar mais de 150 horas em cima da bike. São muitas calorias!

Ele vai tentar pedalar 500 km por dia (Foto: @sauriproductions)

Quantas horas você acredita que vai passar pedalando a cada dia?
Planejo pedalar entre 18 e 20 horas por dia. Em um mundo ideal, vou fazer 500 km diários. Não quero de jeito nenhum atrasar meu cronograma, porque eu sei o quanto isso pode perturbar minha mente.

Por que você se apaixonou tanto por ciclismo de longa distância?
Para mim, o ciclismo é onde me refugio de pensamentos pesados que rodam na minha cabeça. Eu tenho e continuo sofrendo de depressão. Enfrento altos e baixos diariamente, e a bike me ajuda muito a achatar essa curva de sobe e desce. Ao desafiar meus limites e documentar esses desafios em filmes, eu tenho conseguido inspirar outras pessoas e a ajudá-las durante tempos difíceis. Isso, por si só, me inspira enormemente.

Na sua opinião, por que uma simples bicicleta consegue ajudar tantas pessoas a superar momentos de crise?
Eu amo a simplicidade de uma bike. Trata-se de um objeto que, desde criança, me proporciona aventura e liberdade. Eu amo isso. Já adulto, continua a me oferecer essa sensação de escape. São apenas duas rodas, um quadro e uma série de peças, mas com ela você pode viajar o mundo, ver lugares maravilhosos e encontrar pessoas interessantes. Nos tempos atuais, é tão fácil cair nas armadilhas de dinheiro, ambição e procura por poder… e nada disso nos faz feliz. Simplificar a vida, para mim, significa pedalar minha bike.

Além desse novo desafio, qual empreitada ciclística anterior foi a mais dura?
Boa pergunta. Acho que foi pedalar três vezes a altimetria do Everest no desafio “The Grand Tours Everesting Project”. Eu estava com uma lesão na mão e também, naquela época, não era tão cuidadoso com minha nutrição. De repente me vi totalmente sem energia, e tive até alucinações. Recentemente, mudei bastante meu posicionamento em cima da bike e minha estratégia de alimentação, e espero colher os frutos disso agora.