Ciclovia do rio Pinheiros reabre com melhorias e desafio de ser mais inclusiva
No dia 3 de agosto, está prevista a reabertura do lado leste da ciclovia do rio Pinheiros, fechado desde 21 de março por causa da pandemia. É uma notícia e tanto em uma cidade cujo transporte público tem estado abarrotado, apesar do ainda elevado número de casos de covid-19.
Com 21,5 km totais, a ciclovia teve grande parte de sua extensão interditada em 2013, por conta de obras do monotrilho que deveriam durar dois anos — até hoje isso não aconteceu. Como resultado, desde então os usuários contam apenas com o trecho que vai do Parque Villa-Lobos à Vila Olímpia.
Como já escrevi aqui no blog, desde março deste ano a administração do local passou para a iniciativa privada, no caso, a Farah Service, por meio de chamamento público. Pelo contrato, a parceria dura 36 meses, que podem ser estendidos por mais 60 meses.
A empresa não recebe nada da CPTM (Companhia Paulista de Transporte Metropolitano), a responsável pelo local, e arca com todos os custos, com exceção da segurança. Em contrapartida, pode captar investimentos com os projetos e anúncios que fizer.
A convite da Farah Service, visitei a ciclovia na semana passada, para ver de perto quais melhorias estão sendo realizadas.
Michel Farah, CEO e fundador da empresa, se mostra bastante animado com as potencialidades que a ciclovia oferece. Isso, por si só, já é louvável, visto que por anos e anos a CPTM tratou o local como uma espécie de fardo que caíra por acaso em suas mãos.
Os ciclistas que voltarão a usar a querida “ciclo-capivara” vão ver um ambiente mais bem cuidado, com grama cortada, plantio de árvores, pintura renovada, com trechos sinalizando em tinha amarela os pontos de maior perigo de acidentes.
No acesso ao Parque do Povo, agora há uma área de espera, onde o usuário pode aguardar um amigo ou observar o melhor momento de entrar na pista (muita gente já se machucou nesse entroncamento por falta de atenção). Ao lado, a empresa construiu uma guarita de alvenaria, com banheiro, muito mais decente do que a triste versão anterior, na qual a equipe de manutenção sofria com calor, frio e falta de infraestrutura.
No acesso da Vila Olímpia, foi instalado um container com cinco chuveiros (banho a R$ 16), uma mão na roda para quem está suado e precisa de uma ducha antes da escola ou do trabalho. E, no retorno do Parque Villa-Lobos, agora existe uma pequena rotatória, uma tentativa simples e que pode se mostrar eficiente em evitar as trombadas desnecessárias de antes.
A Farah também está firmando parceria para a instalação de iluminação, para que a ciclo possa ser usada até as 23h (hoje ela funciona das 5h30 às 18h30).
Tudo lindo, ainda mais para nós, ciclistas paulistanos, acostumados com a falta de apoio público e privado a políticas cicloviárias. Certo? Não totalmente.
Ao se tornar a nova administradora da maior ciclovia da capital, a Farah Service também aceita, automaticamente, o complexo desafio de fazer do local um espaço inclusivo, onde diferentes vertentes de ciclistas possam se sentir seguros para pedalar, seja como meio de transporte, lazer ou esporte. Afinal, a ciclo é pública e a todos pertence.
A tarefa até parece simples, mas não é. A ciclovia do rio Pinheiros tem um movimento de 50 mil acessos por mês, sendo 28 mil de usuários únicos. O público “da mobilidade”, ou seja, que utiliza a bike para se deslocar pela cidade, compõe uma bela parcela: 17 mil, enquanto 11 mil pedalam ali por esporte, lazer ou turismo.
Pense nos números acima sob a ótica da pandemia e da ideia de que a bicicleta é um meio de locomoção seguro, que evita aglomerações, que faz bem à saúde física e mental e, para completar, não polui. Por essas e outras, é primordial incentivar mais paulistanos a pedalar. E a ciclovia precisa se tornar um espaço ainda mais acolhedor a ciclistas — amadores e veteranos — que usam a bike para transporte.
Nesse aspecto, causa estranheza a retirada do acesso da ponte Cidade Jardim. A escada, de fato, estava instalada de forma mambembe em um lugar que volta e meia provocava incidentes. A Farah afirma que retirou a estrutura a pedido da equipe que cuida da ciclovia, que apontara diversas falhas de segurança nela.
Para piorar, a CPTM anunciou que o acesso de ciclistas pela estação Santo Amaro foi desativado do nada, sem aviso prévio, consulta com usuários e entidades.
Seja lá como for, a diminuição de acessos é um ponto de inflexão em uma ciclovia que precisa urgentemente ser mais plural e diversa, em uma época bizarra de pandemia e distanciamento social. Enquanto o resto do mundo, incluindo Peru e Colômbia, criam novas ciclovias e ciclorrotas emergenciais para ajudar a conter a propagação do coronavírus, São Paulo praticamente assistiu a esse “boom da bike” sem fazer nada por seus cidadãos.
“A ciclovia da Marginal passa por inúmeros lugares importantes, mas faltam conexões”, diz Sasha Hart, da Câmera Temática da Bicicleta (câmara técnica criada para auxiliar o Conselho Municipal de Transporte e Trânsito em temas relacionadas à mobilidade por bicicletas). “Hoje há trechos literalmente sem saída. Na zona oeste, por exemplo, ela passa próxima da abarrotada ciclovia da avenida Faria Lima, onde a CET já contabilizou quase 10 mil viagens de ciclistas por dia. Se a ciclovia da Marginal Pinheiros tivesse mais acessos, ela seria bem mais utilizada.”
Outra questão crucial que a Farah vai enfrentar é como fazer com que diferentes tipos de ciclistas convivam em harmonia. Muita gente (eu, inclusive) usa a ciclo da Marginal para treinar. Com a proibição de ciclistas “esportivos” na USP, a ciclocapivara se tornou praticamente o único local onde praticar ciclismo. Mas é preciso saber compartilhar a via com outros usuários, sem que a atividade de um prejudique a do outro.
Parafraseando aquela música dos Titãs, a gente não quer só ciclovia, a gente quer ciclovia, acessos, inclusão, diversidade e, claro, muita gente pedalando.