Ciclovia do rio Pinheiros passa por reforma — e isso é importantíssimo hoje

Eis um fato com o qual a cidade de São Paulo precisa se familiarizar o quanto antes: no tal “novo normal” pós-coronavírus, as metrópoles do mundo todo terão na bicicleta um de seus maiores aliados.

Parte dos paulistanos já se deu conta do fato, mesmo que ainda só em teoria, como mostrou recentemente a pesquisa Viver em São Paulo: Especial Pandemia, realizada pelo Ibope Inteligência e a Rede Nossa São Paulo. Segundo a pesquisa, feita entre 21 de maio e 1º de junho, 38% dos habitantes da capital desejam se deslocar mais a pé depois que a fase aguda da pandemia passar, enquanto 20% querem usar mais a bicicleta no dia a dia.

Prática, econômica, não poluente, a bike afasta as pessoas das aglomerações. Além disso, comprovadamente, trata-se de uma ferramenta que faz um bem danado para a saúde física e mental (algo essencial após meses de distanciamento social).

Como diz o cartaz que reproduzo abaixo, “pedalar não é fantasia; é o futuro”. E esse futuro já chegou, sem pedir licença, atropelando uma cidade inteira (e o país também).

Por tudo descrito acima, os desdobramentos envolvendo a ciclovia do rio Pinheiros ganham importância especial. O local está sob nova administração desde março e passa atualmente por uma reforma, enquanto permanece fechado por conta da pandemia.

Uma ciclovia melhor, mais segura e acolhedora aos ciclistas pode atrair mais gente e, como consequência, contribuir para desafogar o movimento em ônibus e metrô, ajudando a evitar uma segunda onda de contaminação.

Sem falar que mais pessoas pedalando significa menos gastos com saúde pública: uma pesquisa de 2018 revelou que, se a população do município incorporasse a bike em suas atividades, haveria uma economia anual de R$ 34 milhões no Sistema Único de Saúde (SUS) só em internações por doenças cardiovasculares e diabetes (escrevi sobre essa pesquisa aqui).

Funcionários contratados pela Farah Service, nova gestora da ciclovia, trabalhando na reforma (Foto: Divulgação)

Para receber mais ciclistas, São Paulo precisa de mais infraestrutura cicloviária, além de oferecer mais segurança a quem pedala.

Um passo interessante foi dado em março deste ano, quando a ciclovia passou para as mãos da iniciativa privada, no caso a empresa Farah Service, por meio de um chamamento público. A parceria é de 36 meses podendo ser prorrogados por mais 60 meses.

A empresa não recebe nada da CPTM, a responsável pelo local, e arca com todos os custos, com exceção da segurança. Em contrapartida, pode captar investimentos de marcas que queiram apoiar a iniciativa por meio de anúncios ou serviços.

Entrevistei Michel Farah, CEO e fundador da Farah Service, para saber mais sobre a reforma. Segundo ele, as melhorias são resultado de um estudo realizado pela empresa e também de conversas com usuários, entre assessorias esportivas e ciclistas amadores.

Estranhamente, a Farah Service não consultou nenhuma entidade civil organizada em torno das questões de mobilidade urbana.

Melhorias são bem-vindas, porém deveriam ser definidas com base em um processo participativo público e inclusivo, o que não foi feito”, diz Sasha Hart, da Câmera Temática da Bicicleta (câmara técnica criada para auxiliar o Conselho Municipal de Transporte e Trânsito em temas relacionadas à mobilidade por bicicletas). 

Dentre as melhorias, não está prevista, por exemplo, a inclusão de mais acessos à ciclovia, uma demanda de muita gente que vai para o trabalho de bike. Pelo contrário: a escada de acesso à ponte Cidade Jardim será retirada, a pedido dos usuários esportistas consultados pela Farah, que usam o local para treinar. 

Não se pode contemplar apenas ciclistas de elite que circulam ali em alta velocidade”, diz Hart. E ele tem razão: a ciclovia do rio Pinheiros não pode ser apenas um local de treinamento esportivo. É preciso saber compartilhar espaços (ouviram, pelotões de atletas muitas vezes mal educados?) e entender que todo mundo tem o direito de uso.

A seguir, Michel Farah explica o projeto com mais detalhes:

Desde que a parceria foi concretizada, quais melhorias já foram feitas no local, mesmo fechado por conta da pandemia?
MICHEL FARAH 
Inicialmente, gerenciamos a reforma do asfalto na área cedida com as enchentes do verão e também podamos a vegetação. Estamos retirando a escada de acesso à ponte Cidade Jardim e fazendo a manutenção de bebedouros, lavatórios e banheiros. Há ainda a pintura de pontos de apoio e manutenção elétrica deles; ligação de energia, água, esgoto, troca de fechaduras, lâmpadas fluorescentes, luminárias tartarugas e higienização.

Estamos produzindo e instalando placas de sinalização e placas de aviso de restrição por conta do conoravírus em todos os acessos da ciclovia. Além disso, estamos retirando o lixo ao longo de seus 21,5 km. Foram removidas mais de 50 toneladas de lixo e 1 milhão de metros quadrados de grama cortados. Os próximos passos são a instalação de postes de iluminação e câmeras de segurança. Haverá novas guaritas, para melhorar o ambiente de trabalho dos controladores de acesso.

 Na última semana, também foram instaladas seis vending machines com produtos para ciclistas, seis máquinas de carregar celulares e um container-chuveiro no ponto de apoio da Vila Olímpia, levando mais uma funcionalidade para a ciclovia. 

Slides de apresentação da Farah Service para atrair patrocinadores (Foto: Reprodução)

Na apresentação da Farah para prospectar parceiros, há imagens que mostram que haverá uma via só para carros [reproduzidas acima]. Os ciclistas não ficarão espremidos em uma só faixa?Originalmente, não existia a ciclovia, que era apenas uma via para os carros de serviço da CPTM, Sabesp e outros órgãos governamentais. Depois, essa via foi adaptada e alargada para conviver com as bicicletas, sendo a faixa da margem do rio preferencialmente para veículos e a que beira os trilhos, para bicicletas [na prática, não é isso que ocorre: há duas mãos para uso das bicicletas, e veículos respeitam essa organização, buzinando eventualmente para conseguir passar].

Haverá velocidade limite na ciclovia? Como vocês vão gerenciar os grupos que treinam ali em alta velocidade e as pessoas que utilizam a ciclovia para deslocamentos?
Os limites de velocidade da ciclovia não serão alterados, porém faremos vídeos para comunicar boas práticas para a segurança de todos. 

Os espaços para patrocinadores podem contemplar algo como um café para o usuário comer e descansar, abrindo assim opções de lazer mais completas para quem usa a ciclovia, especialmente nos finais de semana?
Sim, com certeza está nos nossos planos abrir cafés, minimercados, oficinas de bicicleta e serviços que beneficiem os usuários. 

Os novos containers com chuveiros para os ciclistas (Foto: Divulgação)

Por que apenas um dos lados da ciclovia ficou sob responsabilidade da Farah Service?
A Farah está com o contrato de doação com a CPTM, que administra apenas o lado leste da ciclovia. O lado oeste está sob cuidados do metrô, porém temos o intuito de adotar esse outro lado também.

Haverá mudanças no horário de funcionamento?
De imediato, não, mas estamos tentando um patrocinador para fazer a iluminação da ciclovia. Isso ampliaria o horário diurno de 5h30 para 4h da manhã e noturno de 18h30 para 23h [hoje a ciclovia funciona das 5h30 às 18h30].

Quando as melhorias serão finalizadas?
Estão sendo realizadas desde o primeiro dia da parceria e vamos continuar até o fim do nosso contrato. Acreditamos que até o final do ano teremos a maioria de nossas propostas já implantadas.