Marcas ligadas à bike se posicionam: vidas negras importam!
O universo da bike, em especial o esportivo, é reconhecidamente bem pouco diverso. Nas competições aqui e lá fora, imperam homens brancos, em geral heterossexuais e com grana. Seja nas estradas, nos velódromos, pistas ou trilhas, são raros os atletas negros — veja só o Tour de France, o maior evento de ciclismo de estrada do planeta, que levou 108 anos para ter um ciclista negro em seu pelotão (no caso, Yohann Gene, de Guadalupe, em 2011).
Nos últimos anos, surge um ou outro atleta negro a se destacar em nível internacional, caso de Daniel Teklehaimanot, da Eritreia, que vem participando de grandes competições, como o Giro d’Italia (até escrevi sobre isso aqui, em 2017, de tão peculiar que o assunto ainda é), provando que a África pode ser um berço riquíssimo de novos talentos.
Isso sem falar nos casos de racismo descarados, que partem muitas vezes dos próprios ciclistas, como aconteceu em 2011, no Tour do Rio, quando o italiano Marco Coledan chamou o brasileiro Renato Santos de “negro sujo” e acabou expulso da prova.
As marcas ligadas à bike não têm feito muito para a situação mudar. Em termos de diversidade, vêm se dedicando bem mais à causa das mulheres (ainda temos poucas ciclistas por aí, se comparado aos homens) do que à causa negra — afinal, o poder de compra feminino é grande, e a indústria finalmente percebeu que, para se expandir, precisa atrair esse outro público.
Por isso a (ótima) surpresa ao ver que diversas marcas ligadas ao mundo da bike nos Estados Unidos estão se posicionando em favor do movimento Vidas Negras Importam, que ganhou gigantesca repercussão com o assassinato de George Floyd, sufocado no asfalto pelo policial branco Derek Chauvin, em Minneapolis.
Uma das primeiras marcas a se posicionar foi a Specialized, renomada fabricante de bikes que, nos últimos anos, vem fazendo certo esforço para que a comunidade ciclística se torne mais plural.
Na mensagem que você pode ver acima, a Specialized assume que o ciclismo tem sido um “jardim murado” de exclusão racial, algo que permeia da comunidade ao marketing da indústria. E reconhece que ela própria tem sido parte do problema e que precisa trabalhar duro para se tornar parte da solução. “Não temos todas as respostas, nem sabemos todos os problemas, mas estamos de ouvidos abertos hoje. Diga-nos como podemos melhorar, estamos te ouvindo”, diz a marca, em seu perfil no Instagram.
(Nota-se que a Specialized Brasil, no entanto, até agora se calou, perdendo a chance de mostrar a força transformadora que a marca pode ter, inclusive aqui, onde penamos com racismo e fascismo…)
“Precisamos de grandes mudanças”, concorda a Trek, outra poderosa marca norte-americana de bikes (cuja filial brasileira, porém, permanece calada em relação ao tema, infelizmente). No Instagram, a fabricante divulgou nota de seu presidente, John Burke, na qual diz que “mudanças começam com ideias”, para enfim tratar do racismo que assola o país.
Até a britânica Rapha, marca caríssima de roupas de bike, tomou atitude. Conhecida por vestir homens brancos, heteros, ricos do mundo inteiro, a empresa postou um belo texto nas redes sociais, no qual lembra o poder do esporte em transformar vidas e sociedades.
Outras marcas como a Patagonia (de roupas e equipamentos outdoor, e sempre progressista e corajosa), a Santa Cruz, a Felt, a Ornot e a Wahoo declararam seu apoio aos protestos contra o racismo e a desigualdade nos EUA. Não é pouca coisa em se tratando de uma indústria extremamente elitista.
A Patagonia, aliás, postou um vídeo lembrando que justiça social e justiça ambiental são interconectadas e caminham lado a lado. A fabricante de ciclocomputadores e outros produtos de tecnologia Wahoo foi valente e tascou logo um “Ficar em silêncio é ser cúmplice”.
Que feio para a Cannondale, outra mega marca norte-americana (que comprou a Caloi no Brasil), que até agora não se juntou às outras nessa campanha pelos direitos humanos.
A UCI (União Ciclística Internacional), a associação internacional das federações de ciclismo, também está fazendo a egípcia e se mantém revoltantemente quieta, logo ela que chancela competições tão branquelas, loiras e europeias.
Mas a USA Cycling, federação norte-americana, se ligou que é preciso reconhecer o racismo no esporte e assegurar “igualdade, equidade, transparência e dignidade” às pessoas, principalmente aos atletas negros. No lugar da foto, publicou uma nota de apoio. E, na legenda, foi sucinta: #BlackLivesMatter.
Que os protestos ganhem cada vez mais força no mundo da bike, para que nos tornemos mais tolerantes, diversos, plurais, acabando, de uma vez por todas, com o racismo, a homofobia, as desigualdades — e, claro, com o fascismo.