Coletivo Bike System pedala para ajudar moradores de rua na pandemia

“Lava uma (mão), lava outra (mão)/
A doença vai embora junto com a sujeira/
Vermes, bactérias, mando embora embaixo da torneira”

Quem mora nos arredores do Minhocão, no centro de São Paulo, tem visto a cena se repetir há duas semanas, aos domingos: um grupo de ciclistas vestidos com roupas azuis semelhantes às de médicos que lutam contra o coronavírus passa pedalando, carregando doações e uma caixa de som da onde sai a música Lavar as Mãos, de Arnaldo Antunes.

É a galera corajosa e alto astral do coletivo Bike System, criado há cinco anos com o objetivo de levar música a vários lugares da cidade, da maneira mais legal que existe — de bike.

Em tempos de pandemia, o Bike System está mostrando como arte e bicicleta podem se unir em ações para ajudar a população mais vulnerável da capital, os moradores de rua.

Os integrantes do Bike System durante ação no domingo passado, no centro de SP (Foto: Caio Guatelli)

É uma iniciativa tão simples quanto genial. Por meio de arrecadações, os integrantes do coletivo fazem um combo de duas garrafas pet, uma com água pura e outra com sabão e água, amarrando-as com barbante. Recolhem quantos kits conseguem e saem pedalando e distribuindo a quem vive na rua e está aos deus-dará em meio à maior crise global de saúde da história.

“Além de conscientizar a população vulnerável, nosso ato é também uma forma de resistência social e denúncia política. Atuamos de maneira autônoma como sociedade civil, promovendo acesso à saúde — um dos nossos direitos universais — a uma população de rua que hoje se encontra às margens das ações promovidas pelo Estado”, diz Mauro Farina, 39, DJ, produtor de eventos e cofundador do Bike System.

Também fazem parte do coletivo o film maker Juan Rodrigues Quintas, 30 anos, e o DJ, designer e curador Pedro Barreira, 36.

Simples e genial: levar água e sabão a quem não tem acesso a nada para se proteger do vírus (Foto: Caio Guatelli)

O Bike System não possui patrocínio ou fonte de renda, e conta com doações para continuar levando água e sabão para as pessoas em situação de rua. Você pode fazer a sua parte e ajudar. Para isso, acesse o perfil deles no Instagram (@bikesystem) e saiba como colaborar.

Bati um papo com Farina sobre a campanha, que deveria servir de inspiração para os governos municipal, estadual e federal ampararem aqueles que nem ao menos possuem um teto para se proteger em quarentena.

Como vocês do Bike System chegaram à conclusão de que poderiam ajudar outras pessoas durante a crise do coronavírus?
MAURO FARINA: Percebemos que podíamos fazer uma ação efetiva em tempos de crise sem gerar aglomerações e levando esperança para quem não pode sair de casa e, principalmente, para os moradores de rua que praticamente não estão sendo contemplados com quaisquer medidas governamentais.

Como tem sido a recepção das pessoas nas ruas (e janelas)?
Tem sido muito maravilhosa e inspiradora, bem além do que esperávamos. Famílias inteiras vêm até suas janelas nos saudar, e inúmeras vezes fomos aplaudidos durante o percurso. Inclusive fomos contemplados com ovos atirados em nossa direção, mas isso não nos atingiu nem nos desanimou (inclusive, por favor, não jogue ovos, doe para nós, e levaremos a quem precisa).

Participe e colabore com a galera do Bike System: a humanidade agradece (Foto: Caio Guatelli)

Como a bike pode contribuir para aliviar e melhorar a crise da pandemia?
Por meio de um vídeo do artista Mundano e de alguns amigos agentes de saúde, a gente se deu conta de que poderia utilizar a bicicleta como instrumento para ações direcionadas à prevenção do contágio, fornecendo material de higienização e conscientizando as pessoas da importância do simples ato de lavar as mãos. Juntando-se a isso suas características de mobilidade, vemos que a bicicleta permite uma maior conexão e interação com a rua, além da possibilidade de chegar em locais de difícil acesso como vielas etc.

Dentro desse conceito todo, como a bicicleta serve de ferramenta de mudança?
A bicicleta  é uma ferramenta de mudanças em vários contextos urbanos, principalmente de atitude. E tudo através da simplicidade, de sair e pedalar sem pensar muito aonde se quer chegar. Levamos junto a música, que alimenta a alma e nos fortalece, especialmente em uma época de pandemia.

Como foi criado o projeto Bike System?
Criamos cinco anos atrás, junto ao espaço cultural Casa da Luz. Como produtor da Free Beats, festa que leva música de graça para lugares públicos no centro de São Paulo, sentia muita vontade de ter uma forma mais prática e bacana de fazer isso. Assim nasceu o Bike System, uma ideia de amigos e uma forma de tornar a cidade mais divertida.