Palmas para quem te leva comida de bike enquanto você faz quarentena
A paranaense Tatiana Angélica da Silva, 26 anos, é formada em educação física e sonha em um dia ser treinadora de futebol, professora de natação ou de tênis. Deixou a pequena cidade de Novo Itacolomi, com menos de 3.000 habitantes, e decidiu vir para São Paulo tentar novas perspectivas de vida e de profissão.
Na capital desde 2016, ela ainda não conseguiu nada na área em que estudou. Para pagar aluguel e comida, há 1 ano e 5 meses virou bike courier, pedalando pela cidade toda para fazer as mais variadas entregas. Na crise do coronavírus, com muitos escritórios fechados, Tatiana completa a renda trabalhando para aplicativos de comida.
Enfrenta todos os dias motoristas mal-educados, uma gente que não se dá sequer o trabalho de pedir desculpas. Tem de lidar, da hora em que sai de casa até o fim do expediente, com cansaço físico, acentuado por uma mochila do Rappi com encomendas que chegam a pesar 20 kg.
“As dores nos braços, costas e joelhos são insuportáveis, inclusive à noite muitas vezes”, diz ela, que recentemente conseguiu comprar uma bike elétrica usada.
“Além disso, tem o cansaço emocional de ficar sob sol e chuva, sem um lugar para se abrigar, para comer direito ou esperar até a próxima entrega”, completa.
Manter a mente 100% atenta o tempo todo para evitar acidentes, desviando de pedestres e carros, ajuda a fazer com que volte para casa exausta.
Enquanto parte da classe média paulistana se isola em casa pedindo refeições por apps, são ciclistas como Tatiana que ganham as ruas de uma São Paulo cada vez mais vazia. É ela que se arrisca entrando em restaurantes e lanchonetes para te levar pizza, sanduíche, macarrão e qualquer outra coisa que você esteja com vontade.
Você tem apenas de abrir a porta, pegar a sacola e depois lavar as mãos (incluindo no sentido figurado).
Já Tatiana pedala cerca de 60 km por dia, tentando atingir o máximo de pedidos de comida para ganhar uma grana extra, além dos serviços de bike messenger que faz para uma empresa — pela qual entrega eletrônicos de pequeno e médio porte, itens de petshop, produtos de decoração como cortinas e lençóis. Também trabalha para uma marca de vestuário, carregando roupas e calçados em sua bike, e uma marca de café, para quem transporta cápsulas.
[O fotógrafo e documentarista Caio Guatelli acompanhou um dia na vida de Tatiana nesta semana e fez um vídeo mostrando como é; assista a seguir]
Por que eu estou te contando tudo isso? Porque devemos um agradecimento especialíssimo não apenas a médicos, enfermeiros, motoristas de ônibus, lixeiros, caixas de supermercado e outras profissões que não podem parar, mesmo quando um vírus misterioso está a nossa espreita.
Os cada vez mais numerosos entregadores-ciclistas merecem nosso respeito e profunda gratidão — e não só porque te levam comida em casa. Mas também porque usam um meio de transporte fenomenal, que não polui, não provoca aglomerações, não é violento como uma moto e que tem se tornado uma maneira absurdamente eficaz de se locomover por São Paulo em tempos de corona: a bicicleta.
Na maior crise global de saúde que se tem notícia na história recente, muita gente por aí pensa que Tatiana deveria erguer as mãos para o céu por ainda ter trabalho.
Ela concorda que a pandemia deixou as ruas de São Paulo mais bike-friendly, com menos veículos motorizados dando fechadas e cometendo barbeiragens que deveriam ser consideradas crime contra ciclistas.
“Nunca foi tão fácil pedalar por aqui, pena que é por uma situação horrível coma essa”, conta Tatiana, que se protege como dá. Sai de casa com uma máscara, álcool gel que ela própria compra e tenta contar com a sorte.
Também passou a carregar um pouco de sabão e uma garrafa de água pura, para usar em situações mais críticas, como quando precisa arrumar a corrente da bike.
“Antes já era difícil ter acesso a banheiro e água nos restaurantes. Agora ficou impossível, eles não deixam mais nenhum entregador usar. Quando chego em casa, esfrego desinfetante na bicicleta, tiro a roupa na entrada, depois limpo o celular, a chave e o cartão, e aí tomo banho.”
Na hora de pegar sua próxima sacola do Rappi ou Uber Eats das mãos de quem faz entregas de bike, pense nisso. Afinal, se essas gigantes dos apps de comida não estão nem aí para as pessoas que trabalham para elas, pelo menos você pode fazer a sua parte — mesmo que seja dar apenas um sorriso em agradecimento.