Colômbia coloca primeiro sul-americano no alto do pódio do Tour de France

Escrevo diretamente da Colômbia, para onde vim de férias pedalar e entender de perto por que o país produz alguns dos melhores ciclistas de todos os tempos.

Que suerte! Por coincidência, minha estadia por aqui calhou com o Tour de France, a mais importante competição em etapas do ciclismo de estrada.

Em uma edição histórica e emocionante, o jovencito Egan Arley Bernal Gómez, de apenas 22 anos, conseguiu se manter com a camisa amarela de líder na penúltima etapa, que aconteceu neste sábado (27 de julho).

Isso lhe dá, virtualmente, a vitória no Tour, já que o último dia é de celebrações, champanhe e final triunfal em Paris. Se tudo correr bem e ele cruzar a linha de chegada sem imprevistos, se consagrará neste domingo (28 de julho) o grande campeão de 2019.

Nos botecos locais, discussões acaloradas sobre a performance de Bernal e Nairo (Foto: Erika Sallum)

Bernal se torna, assim, o primeiro sul-americano a ganhar um Tour de France. E leva para a Colômbia o troféu da última Grande Volta que faltava para o país — o conterrâneo Nairo Quintana venceu o Giro d’Italia em 2014 e a Vuelta a España em 2016.

Entretanto a conquista de Bernal representa muito mais: a excepcional performance do rapaz nascido em Bogotá e criado no município de Zipaquirá mostra (de novo!) como um país que enfrentou episódios de violência extrema vem conseguindo fazer do ciclismo uma impressionante ferramenta de transformação e de afirmação da autoestima nacional — apesar de tudo. De origem humilde e indígena, Nairito já havia entrado para a lista dos grandes nomes do ciclismo, assim como Rigoberto Urán, Esteban Chaves e Fernando Gaviria, só para citar os mais famosos.

Esses talentos não impactam somente o esporte local. Quando Nairo sobe em um pódio ou quando Bernal aparece com o maillot jaune de líder do Tour de France, os colombianos não sentem apenas o coração bater mais forte, mas também se enchem da certeza de que décadas de Pablo Escobar, sequestros das Farcs, presidentes tacanhos e uma longa tradição em corrupção não acabaram com sua esperança no país.

A situação melhorou bastante desde que o ex-grupo guerrilheiro Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia (Farcs) assinou acordos de paz durante o governo do então presidente Juan Manuel Santos, premiado por isso com o Nobel da Paz em 2016.

Graças aos acordos, é possível hoje pedalar por áreas onde não muito tempo atrás era impensável passar mesmo de carro, por temor de sequestros cometidos pelos integrantes das Farcs.

Vegetação densa e estradas calmas aguardam quem se aventura a pedalar na Colômbia (Foto: Erika Sallum)

Atualmente, em departamentos como Antioquia, o medo foi substituído por estradas bem pavimentadas (ai, que inveja!) e motoristas muito educados com os ciclistas (ai, que inveja 2). Povo amistoso, paisagens únicas que misturam bosques de altitude e vales tropicais, além de comida barata e saborosíssima, são outras surpresas que esperam os turistas que amam bike.

País de estrelas de outras modalidades, como Mariana Pajón, a maior estrela feminina da história do BMX, a Colômbia tem uma das relações mais lindas do mundo com a bicicleta. Isso mesmo sem a grana de uma Holanda ou os governantes gente fina da Dinamarca.

As altas montanhas andinas e o relevo desafiador ajudam a explicar parte da paixão nacional e do sucesso em provas internacionais. No entanto, há muito mais por trás dessa saga. A Colômbia rural sempre se locomoveu de bike — a exemplo de Nairo, que, filho de campesinos, passou parte da infância andando de bike enferrujada no departamento de Boyacá.

Nos anos de 1950, o país sediava a primeira Volta à Colômbia, competição inspirada nos grandes tours europeus e evento essencial na consolidação do ciclismo como esporte de alcance nacional. A modalidade teve momentos de baixa popularidade, porém figuras emblemáticas injetaram de ânimo a torcida.

Exímios escaladores, talentos como Luis Alberto “Lucho” Herrera, ganhador da Volta da Espanha em 1987, e Fabio Parra, o primeiro colombiano a conseguir um lugar no pódio no Tour de France, colocaram o país no mapa do ciclismo mundial. E fizeram do termo “escarabajo” (escaravelho) sinônimo de força colombiana nas montanhas — esses insetos podem subir qualquer coisa com suas patinhas de agarras.

Paixão nacional que começa desde criancinha (Foto: Erika Sallum)

De lá para cá, a Colômbia se livrou de Escobar, sentou para conversar com as Farcs, melhorou (um pouco) seus índices sociais, lançou estrelas da bike e, com isso, vem atraindo cada vez mais turistas-ciclistas para desbravar suas terras em duas rodas. Já há até agências de luxo especializadas em roteiros lindos, como a Colombia Cycling, que contratei para me ajudar nestas férias.

Quer conhecer um dos países mais legais da América Latina do jeito mais sensacional que existe (de bike!)? Então deixe o preconceito de lado, esqueça os atentados das séries sobre Escobar e se jogue em uma aventura inesquecível pela terra natal de Nairo e, agora, de Bernal.