Livro ensina o básico sobre bike e cidades aos ‘Pondés’ que não sabem nada do assunto
“O inteligentinho de esquerda é o que acha que andando de bicicleta vai salvar o mundo”, metralhou Luiz Felipe Pondé, colunista da Ilustrada, durante sua participação na Casa Folha, na Festa Literária de Paraty, na quinta-feira (11 de julho).
Que Pondé adora criar polêmica e chamar atenção com frases esdrúxulas, isso a gente sabe — e seus fãs adoram. Mas se aproveitar de um tema tão rico, importante e atual quanto o desenvolvimento urbano por meio da bicicleta chega a ser cruel. Será Pondé inteligente(inho) o suficiente para ter consciência disso?
Foi exatamente para seres como o colunista da Folha que o urbanista canadense Mikael Colville-Andersen lançou neste ano o livro “Uma Breve Introdução ao Ciclo Urbanismo para Pessoas que Estão Cagando e Andando para o Assunto”.
Traduzida para o português por Rodrigo M. Mattos, mestre em arquitetura e urbanismo e entusiasta em mobilidade humana, a obra é uma versão menos densa de seu livro anterior (Copenhagenize: The Definitive Guide to Global Bicycle Urbanism, sobre o qual escrevi aqui), feita sob medida para esses tipos que enchem a boca para meter o pau em ciclovias e políticas públicas que teimam em defender a bicicleta como uma das mais eficientes ferramentas para tornar cidades lugares melhores para se viver.
Para quem não sabe — né, Pondé? –, Colville-Andersen é um dos grandes nomes a promover o uso da bike, não para turbinar a saúde ou a silhueta dos cidadãos de locais ricos como Copenhague (onde ele vive), mas para fazer com que as pessoas se desloquem de um ponto A até um ponto B da forma menos burra possível: pedalando.
A indústria automobilística (e os políticos para os quais faz lobby) costuma torcer o nariz para pesquisas e dados sobre o tema. Por isso há quase duas décadas o canadense tem rodado o mundo, incluindo o Brasil, dando palestras na tentativa de explicar o óbvio. O urbanista também trabalha diretamente com governos de diversos países para tornar mais viáveis sistemas cicloviários.
Como diz na introdução, o autor apenas espera esclarecer alguns fatos para “melhorar o nível da conversa”. Aos Pondés da vida, ele replica: “Não gosto de pensar que os impostos que pago possam ser gastos para cuidar da sua saúde quando você se tornar um peso para a sociedade à medida que envelhecer… devido a doenças decorrentes do sedentarismo. Prefiro que o dinheiro dos meus impostos pague por escolas, parques, moradias (…)”.
Sem perder o bom humor, Colville-Andersen faz um breve glossário para definir termos aparentemente compreendidos por todos, mas que na verdade precisam ser bem explicadinhos, como “ciclista urbano”, “ciclovia”, “ciclofaixa”, “ciclofaixa protegida” etc. Dessa forma, escreve ele, autor e pessoa-que-caga-para-o-assunto podem, pelo menos, falar a mesma língua.
Depois, a “cartilha” relembra pontos básicos — como o fato de a bicicleta ser, de longe, o meio de transporte de melhor custo-benefício inventado pelo homo sapiens. E que, em um espaço ocupado por um só carro, cabem dez bicicletas confortavelmente estacionadas.
Todas as afirmações da obra são, claro, comprovadas com pesquisas e estudos sólidos. A exemplo da informação de que “se locomover diariamente de bike como meio de transporte aumenta a expectativa de vida em cerca de sete anos”. Outra interessantemente óbvia é que uma pista comum para carros consegue fazer mover 1.300 veículos por hora — quando o tráfico não está intenso –, ao passo que dá para mover 7.000 cidadãos por hora em uma rua apenas fazendo pequenos ajustes para que a via receba infraestrutura cicloviária.
Se lá pela metade do livro o leitor que não sabe nada sobre o assunto ainda não se convencer, aparece impressa em letras grandes e fáceis de ler para os preguiçosos em aprender mais a respeito do tema: os custos de 1 km de ciclovia são recuperados pelo governo em menos de cinco anos, apenas com os benefícios de saúde e redução do trânsito.
“Uma Breve Introdução ao Ciclo Urbanismo” é aquele presente ideal para seu amigo que ficava revoltado quando as ciclovias estavam se multiplicando por São Paulo poucos anos atrás. Tem pouco texto, frases curtas, dados claros, tudo bem mastigado para que a pessoa pense alguns segundos antes de soltar alguma aberração sobre bikes salvando o mundo.
Vou até comprar um de presente para o Pondé 🙂