‘Bicipolitana’ transforma cidadezinha italiana em vanguarda da mobilidade
Uma cidade italiana de pouco menos de 95.000 habitantes está dando uma aula ao resto do país — e, na verdade, ao mundo, em especialmente a nós daqui — sobre como a bicicleta pode (e deve) ser um instrumento fundamental em um planejamento sério de mobilidade urbana.
Localizada na região de Marche, na costa leste, a comuna de Pesaro decidiu uns anos atrás diminuir o papel dos carros na vida de seus cidadãos. Estreitando ruas e eliminando centenas de vagas para automóveis, foi criando uma incrível rede de ciclovias com ares e importância semelhantes ao metrô em grandes centros urbanos.
O projeto, que ainda não foi totalmente finalizado, não para de crescer e ganhou atrativos como estações para carregar bikes elétricas, oficinas mecânicas gratuitas ao longo de sua rede cicloviária e ônibus que agora carregam até seis magrelas. Além disso, a ideia toda recebeu um nome que merece um belo prêmio em sua corajosa tentativa de provar aos moradores que pedalar é uma das soluções para quem quer se locomover por Pesaro: Bicipolitana.
Obviamente a comuna italiana não é a primeira a pensar nisso. Dois anos atrás, o designer Michael Graham fez mapas semelhantes aos de metrô para ciclovias de cidades como Londres, Washington e São Francisco. Mas o que chama a atenção em Pesaro, que visitei na semana passada para conhecer de perto a Bicipolitana, é como uma cidade tão pequena e tradicional, em um país que ama ciclismo, mas não está na vanguarda da ciclomobilidade, conseguiu a proeza de pensar (e agir!) de forma clara e inteligente sobre o assunto.
As ciclovias de Pesaro começaram a sair do papel por volta de 2005. Entretanto, como tudo na vida depende de corações e mentes, o “boom” cicloviário da cidade teve como importante incentivador um político de pensamento fresco e empolgação invejável: Andrea Biancani, de 48 anos, presidente da Comissão Ambiental e de Mobilidade da região de Marche. “As grandes cidades podem se dar ao luxo de ter metrô. Nós, não. E temos uma geografia ótima para se pedalar”, diz ele, enquanto anda de bike por um novo trecho de ciclovia ao lado da praia. Em Pesaro, no inverno, ventos costumam carregar quilos e quilos de areia em direção à cidade. Para proteger a ciclovia, o governo fez uma largo espaço para vegetação, e agora o problema foi resolvido. Simples e prático.
Cada trecho da Bicipolitana ganhou uma cor e um número, como se fosse uma linha de metrô. Espalhadas pelas ruas, placas informam para onde leva cada uma delas. Hoje há 90 km construídos, em especial ligando costa, centro e alguns bairros, porém o governo vai fazer um total de 200 km, focando agora em quem mora em locais mais distantes. Os “Bici-Bus” ajudam a interconectar todo o sistema de transporte público.
Existe um projeto maior, de ligar todas as cidades da costa leste italiana, batizado de Ciclovia Adriática, no qual cada região se responsabilizaria pela construção da parte que lhe cabe.
No início, a Bicipolitana não foi recebida com entusiasmo, pelo contrário. Quando a prefeitura começou a eliminar vagas de carros — muitas na porta das casas das pessoas (como mostra a foto abaixo) –, foi uma chuva de protestos. “Foi um desastre! Moradores enfurecidos, sem falar em donos de hotéis, lojas e restaurantes. Todo mundo reclamando que os automóveis não tinham mais onde parar”, diz Biancani, dando risada, enquanto cumprimenta senhores grisalhos em suas bicis rodando de lá para cá.
Pesaro enfim sacou como a bike pode ser essencial não apenas para a saúde ou mesmo a mobilidade. Hoje sua Bicipolitana é motivo de orgulho para quem mora na cidade e pode, por exemplo, sair de casa, pegar trem e ônibus com a bike, ou ir ao mercado comprar de forma segura, depois voltar sentindo o vento da modernidade no rosto.
São Paulo percebeu isso também, mas precisa de políticos perspicazes e corajosos para colocar ideias assim em prática. Não percamos a esperança!