Brasileiro quer atravessar a Antártida toda de bike

Desde a popularização das “fat bikes”, como são chamados os modelos robustos com pneus bem grossos feitos para encarar neve, areia e outros terrenos complicados, a Antártida faz brilhar os olhos de ciclistas expedicionários do mundo todo.

Agora um brasileiro quer tentar uma cicloviagem ambiciosa: pedalar todo o continente antártico, no que seria a primeira travessia de costa a costa. Já houve quem tentasse desbravar a região em duas rodas, porém em geral começavam na costa e iam até o Polo Sul (ver mapa abaixo). Pela primeira vez, um ciclista quer encarar a façanha de ponta a ponta, em uma empreitada de 55 dias e temperaturas que variam de menos 10°C a menos 40°C.

O ciclista em questão é o gaúcho Leandro Martins, 35, que atualmente vive na China, onde dá aulas de inglês para crianças. Não se trata de um novato em aventuras ciclísticas: em 2013, ele pedalou 14.000 km por 18 países, em uma viagem que lhe deu certa notoriedade pelo encontro com o Papa Francisco (leia aqui).

Mas agora a “brincadeira” é mais séria. Aventureiros renomadíssimos, como o explorador polar norte-americano Eric Larsen, já tentaram a proeza, mas precisaram abandonar a viagem. Em 2014, o também norte-americano Daniel Burton conquistou um baita recorde ao pedalar 1.247 km de Hercules Inlet até o Polo Sul geográfico.

O professor brasileiro com sua fat bike em Harbin, na China (Foto: Divulgação)

No caso de Leandro, serão 1.800 km, tendo como ponto de partida a Plataforma de Gelo Ross. De lá, ele ruma para a Geleira Leverett, cruza o Planalto Antártico até alcançar o Polo Sul, em uma jornada de umas três semanas e cerca de 3.000 metros de subida acumulada. Depois são mais cinco semanas, agora com muitos trechos de descida, para atingir o destino final, Hercules Inlet.

Ele planeja pedalar de 30 a 40 km diários, e contará com um carro de apoio para transportar parte dos suprimentos — caso contrário, precisaria carregar mais de 120 kg de bagagem. Mesmo com a ajuda de um veículo, a expedição, se bem-sucedida, será uma das mais duras e corajosas do mundo.

O gaúcho está em fase de finalização dos preparativos, em busca, principalmente, de patrocinadores que queiram auxiliar nos custos da viagem (mais informações sobre isso e outras questões de seu projeto, basta acessar o site Laoshi By Bike: www.laoshibybike.com). “Laoshi” significa “professor” em chinês, e o brasileiro planeja entrar em contato com seus alunos uma vez por semana, para contar sobre as aventuras gélidas.

Leandro no Lago Baikal, na Sibéria, em fase de preparação para a Antártida (Foto: Divulgação)

Bati um papo com Leandro para saber mais sobre essa saga:

Há muitos lugares inóspitos no mundo, incluindo outras áreas geladas e desertos incríveis. Por que a Antártida? Pergunto isso porque fazer expedições por lá custa caro e precisa de muita logística.
LEANDRO MARTINS 
A Antártida é um lugar tão único e especial que parece ser parte de outro planeta. Ouvi de pessoas que já estiveram lá que uma expedição no continente de gelo é uma experiência para toda vida. É claro que o custo logístico de um projeto como esse torna tudo muito mais difícil, mas é aí que a determinação e o trabalho duro fazem a diferença.

Que bike você vai usar, já sabe? Já tem alguma marca de fat bike te patrocinando?
A princípio, usarei uma Momentum, da Giant. Estamos ainda em contato com empresas do setor.

Você contará com um planejamento alimentar. Como será isso?
Nas condições que se enfrenta na Antártida, e pedalando uma média de dez horas por dia, o total de calorias necessárias pode chegar a 7.000. É preciso uma dieta hipercalórica, com paradas para comer de hora em hora, além de duas refeições quentes por dia, no estilo “comida de acampamento”.

Onde vai dormir? Vai levar sua própria barraca? Você terá que tipo de apoio de equipe ao longo da expedição?
Vou acampar todos os dias, assim como serei eu mesmo que fará as atividades de camping, como cozinhar e derreter neve para beber. Se tivesse que carregar todo o suprimento, combustível para cozinhar e equipamentos necessários para me manter ao longo de quase dois meses, teria que carregar comigo algo como 120 kg — o que tecnicamente é impossível. Por essa razão haverá um carro de apoio que levará tudo isso e que levará apenas o motorista e uma equipe de TV (que vai fazer um documentário). Mas não contarei com nenhuma ajuda deles. É uma expedição solo.

Quais seus maiores receios para essa travessia?
Primeiramente as condições meteorológicas, por serem muito imprevisíveis. E, depois, acho que ser levado ao meu limite físico por um período tão longo de tempo será um grande desafio.

Quantos quilômetros por dia imagina percorrer para completar os 1.800 km?
Estou prevendo uma média de 30 a 40 km por dia. Pedalar na neve requer um maior esforço físico e se alcança uma média de velocidade muito menor do que pedalando em qualquer outro terreno. Lembro que durante minha viagem de bike pelo mundo eu pedalava uns 100 km diariamente. Na Antártida, estarei feliz de conseguir fazer 30 km sob condições tão adversas.

Já pedalou em um lugar com temperaturas extremamente baixas antes? Onde?
Nos últimos dois anos, participei de treinamentos e expedições em regiões com temperaturas e condições semelhantes às da Antártida. Estive no Norte da China, na Rússia, fiz um treinamento polar com profissionais na Noruega. Também realizei uma expedição solo atravessando o lago Baikal, na Sibéria, onde por dez dias enfrentei temperaturas em torno de 30 °C negativos e ventos que chegaram a 127 km/h. E sempre acampando, derretendo neve para beber e cozinhar, com uma rotina muito próxima do que será a expedição na Antártida.