Mais de 31 mil ciclistas se inscrevem para a Descida a Santos

Erika Sallum

Que diferença fez um ano na corajosa trajetória da Tradicional Descida a Santos! Se em dezembro de 2017 cerca de 3.000 ciclistas foram barrados com violência pela Polícia Militar, o próximo domingo (dia 2) vai marcar a mais organizada e mais lotada edição daquele que é um dos maiores eventos ciclísticos do Brasil (e, portanto, da América Latina).

O passeio, criado informalmente por cicloativistas nos anos 2000, larga do quilômetro 12,6 da Rodovia Anchieta, em São Paulo, e vai até o quilômetro 65 da Baixada Santista, em um total de 55 km. Batizado agora de Pedal Anchieta, teve até o momento em que escrevo este texto impressionantes 31.221 inscritos — um recorde não apenas na Descida a Santos, mas provavelmente na história dos eventos ciclísticos nacionais.

Claro que nem todo mundo deve ir, porém não se trata daqueles eventos de Facebook em que, para confirmar presença, basta um clique. Para participar do pedal, você tem de preencher uma ficha online com seu documento, contato de emergência, telefone e afins. Essas mais de 31 mil pessoas jogam na cara do governo, das marcas e da sociedade em geral o enorme interesse que a bicicleta vem provocando nos brasileiros, e o tanto que somos carentes de passeios — principalmente gratuitos — que acolham vários tipos de ciclistas.

A edição 2018 da Descida a Santos é especial em vários sentidos: acontece com autorização e apoio amplo de várias áreas do poder público.

“O conflito de 2017 desencadeou o início de longas conversas entre o Estado e nós, ciclistas, para que o passeio pudesse, enfim, ocorrer. Só eu participei de 35 reuniões”, diz Eduardo “Du” Gomes, que participou das primeiras descidas, ainda em 2008, e é uma das lideranças organizadoras desse pedal.

“En 2018, para a realização do Pedal Anchieta, contamos com o envolvimento do Estado, das secretarias, das prefeituras municipais, principalmente São Bernardo do Campo, Cubatão e Santos, que vão oferecer diversos serviços. Desenvolvemos em conjunto um ótimo plano médico, incluindo em torno de dez ambulâncias, além de postos de abastecimento com água da Sabesp, apoio mecânico e banheiros. E ainda teremos participação da Ecovias, Artesp e Polícia Militar, com batalhões em todos os quilômetros, Polícia Civil, Guardas Municipais. Tudo com a autorização do DER (Departamento de Estradas e Rodagem)”, diz ele.

Ciclistas barrados com gás lacrimogêneo na Tradicional Descida a Santos de 2017 (Foto: Reprodução)

É uma vitória gigantesca para o cicloativosmo de São Paulo, que em 2017 viu os participantes do evento serem barrados com bombas de gás lacrimogênio, em uma ação tosca da Polícia Militar para cumprir uma decisão da Justiça. Na época, como noticiei aqui neste blog, o evento foi proibido pelo juiz Celso Lourenço Morgado, da Vara de São Bernardo do Campo, pois “ameaçaria a circulação de veículos no sistema Anchieta/Imigrantes”.

Pegou muito mal para a gestão estadual as fotos e vídeos de famílias sendo tiradas a força da estrada. Houve audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo para discutir e cobrar do poder público sobre o ocorrido. E logo depois o governo começou a chamar os cicloativistas para reuniões — participei de algumas e pude ver que existia, sim, uma boa vontade de ambos os lados para que a descida voltasse a acontecer, agora com mais infraestrutura.

Lá nos anos 2000, o evento passou a ocorrer, entre outras razões, para mostrar que existia demanda para o cicloturismo em direção ao litoral paulista e para que se oficializasse a Rota Márcia Prado (homenagem à ciclista morta na avenida Paulista em 2009), que vai da capital ao litoral. A oficialização finalmente aconteceu em junho deste ano.

Ciclistas descem para Santos pela Rota Márcia Prado, em 2012 (Foto: Apu Gomes/Folhapress)

Ainda falta bastante trabalho para que o poder público crie a infraestrutura e ofereça a segurança necessária para que a Rota Márcia Prado se torne, de fato, um percurso de lazer e cicloturismo para quem mora no Estado. “O projeto da Rota está elaborado e em tramitação na Artesp”, diz Du Gomes. “Nossa ideia é que a construção da infraestrutura seja iniciada nos primeiros meses de 2019. Porém precisamos ver como fica isso com a troca de governo no início do ano que vem.”

As obras da Rota Márcia Prado vão incluir a construção de uma ciclovia separada da estrada, com proteção total do ciclista. Haverá ainda uma passarela para que a bike consiga atravessar de um lado para o outro da Interligação da Imigrantes com a Anchieta sem ter de dividir espaço com os veículos. Segundo a Ecovias afirmou nas reuniões, as obras têm previsão de durar cerca de seis meses.

Du Gomes frisa ainda que quem for participar do passeio neste domingo não esqueça de se alimentar bem e descansar antes para estar com boas energias para realizar o percurso — que não é difícil, porém pode ficar desafiador com o calor. “E leve sua bike em condições para rodar tantos quilômetros.”

A transformação da Descida a Santos em um evento tão grande e organizado enche o coração de quem ama bike de alegria, orgulho e esperança. E prova que a luta dos cicloativistas não pode parar, e que por meio dela muita coisa boa pode ser conquistada.

SERVIÇO

Pedal Anchieta 2018
Data: 
02 de dezembro de 2018
Local da Largada: 
Km 12,6 da Rodovia Anchieta, que estará reservada para bicicletas desde o km 10
Horário da Largada: 
Das 6h as 8h30 – chegue cedo!
Ponto de Chegada: Km 65 da Rodovia Anchieta (início do trecho urbano da cidade de Santos)
Percurso total do evento: 55 km
Inscrições: https://pedalanchieta2018.org/