Ciclistas são barrados de treinar a mais de 20 km/h na ciclovia do Rio Pinheiros

Nesta semana, uma boa parte dos ciclistas que treina na ciclovia do Rio Pinheiros, em São Paulo, foi surpreendida por veículos e funcionários da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) tentando impedi-los de pedalar ali a mais de 20 km/h.

O local se tornou, nos últimos anos, um dos preferidos de ciclistas de estrada e triatletas, que costumam treinar ali e na Universidade de São Paulo (USP).

Segundo relatos de diversas pessoas, na quarta-feira (1 de agosto), dois veículos da CPTM foram utilizados para fechar parte da pista da ciclovia, enquanto funcionários do órgão orientavam os ciclistas a diminuir a velocidade. “Havia seguranças armados e também funcionários tirando fotos de todo mundo”, conta um dos ciclistas. “Eles falaram que, nesta semana, estavam orientando sobre a velocidade, mas que em breve iriam tomar novas medidas, sem explicar quais seriam”, diz ele.

Em 2017, passaram 470.299 ciclistas pela “ciclo”, segundo o governo do Estado (Foto: Folhapress)

Pelo regulamento para uso da ciclovia do Rio Pinheiros, inaugurada em 2010, é proibido circular acima da velocidade permitida, de 20 km/h. Mas, até hoje, essa regra nunca valeu de fato, e a “ciclo” se tornou ponto de encontro de pelotões de ciclistas, grupos de assessoria esportiva, atletas de fim de semana, amadores focadões, fixeiros entusiasmados e outras tribos ciclísticas.

Enviei uma lista de perguntas sobre o tema à CPTM, que respondeu, como de praxe, com um email sisudo, sem muitas explicações, em que reitera a velocidade máxima de 20 km/h.

As primeiras duas frases da resposta da CPTM, no entanto, chama a atenção. “A CPTM esclarece que a Ciclovia Rio Pinheiros não é pista destinada a treinos de ciclistas profissionais. Inaugurada em fevereiro de 2010, a área é uma alternativa segura de lazer e deslocamento para os moradores da capital”, diz a mensagem de sua assessoria de comunicação — que não quis dar maiores esclarecimentos por telefone.

A CPTM acrescenta que suas “equipes de segurança fiscalizam a área e intercedem quando algum ciclista é flagrado infringindo as normas, especialmente por conta dos riscos de acidentes e quedas graves envolvendo os ciclistas”.

Ora, no próprio regulamento está escrito que é proibido ali “a prática de outras atividades esportivas que não sejam exclusivamente para a finalidade da ciclovia (ciclismo)”.  Ué, ciclismo pode? Ou não pode? Pode, desde que seja até 20 km/h? Mas aí não é ciclismo? Decidiu-se agora que só pode “lazer e deslocamento de moradores”? Quando isso foi decidido? E por que a CPTM resolveu tomar só agora medidas para que a velocidade máxima de 20 km/h seja respeitada.

Desde 2013, parte da “ciclo” está interditada para obras que nunca foram concluídas (Foto: Fabio Braga/Folhapress)

Infelizmente o órgão não quis dar maiores explicações. A CPTM nem ao menos confirma a notícia de que um incidente envolvendo um pelotão de ciclistas e um funcionário da companhia, que teria sido atingido por uma bicicleta em alta velocidade na semana passada, seria o motivo da reação.

O imbróglio sobre onde ciclistas podem entrar na cidade de São Paulo não é novo, e está longe de acabar. Inaugurada em 2010, a ciclovia que margeia o rio Pinheiros possui 21,2 km de extensão, a partir da estação CPTM Villa Lobos-Jaguaré até Interlagos. É a maior da cidade. Só que, desde 2013, fechou-se parte da ciclovia, entre as estações Vila Olímpia e Granja Julieta, por conta das obras do monotrilho da linha 17-ouro, com promessas de que ela seria reaberta em dois anos — o que nunca aconteceu.

Para atender os ciclistas, o Metrô implantou uma via alternativa do outro lado da marginal Pinheiros, com acesso pela ponte Cidade Jardim e transposição pela ponte João Dias. Mas esse trecho foi alvo de diversos casos de roubo de bikes, e a sensação generalizada de insegurança transformou-o em “terra de ninguém”, onde poucos ciclistas são vistos treinando ou se deslocando.

Eu pedalo na “ciclo” toda semana. Cansei de ver pelotões de ciclistas sem noção em altíssima velocidade dando fechadas bruscas em outras pessoas — e muitas vezes xingando quem não dá passagem. Nos finais de semana, quando famílias e crianças pedalam ali, passou a ser comum ver triatletas e ciclistas de estrada pedalando como se o local fosse feito só para eles.

Acidentes são comuns, e tenho uma lista de colegas que já caíram e se machucaram feio ali, por estarem pedalando sem cuidado, muito rápido, ou por imprudência de terceiros.

Por isso, antes de criticar a CPTM, muitos ciclistas “performance” deveriam parar para refletir sobre seu comportamento em um espaço público, frequentado por quem também ama pedalar, mas que usa a bike para se deslocar pela cidade ou para lazer.

Entretanto dizer que ali não é espaço para “ciclistas profissionais” também não procede. A ciclovia, que aliás é fruto de uma parceria entre a CPTM e a Empresa Metropolitana de Águas e Esgoto (Emae), é de todos.

Para Aline Cavalcante, diretora de participação pública da Ciclocidade (Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo), é preciso ficar atento para a importância de se compartilhar o espaço destinado a ciclistas em geral. “O ciclista que treina é uma parte importantíssima dentro da cultura da bicicleta. O que precisamos conversar com eles é sobre respeitar os mais vulneráveis – outros ciclistas e pedestres – e compartilhar os espaços com segurança”, diz ela.

A CPTM, como administradora da ciclo, precisa pensar em alternativas para quem treina na ciclovia. No Rio de Janeiro, por exemplo, existem as chamadas Área de Proteção ao Ciclismo de Competição (APCC), com horários determinados para quem pratica ciclismo. Soluções assim precisam surgir de conversas com todos os lados envolvidos, sem imposições de regulamentos que não fazem sentido na prática.

“Infelizmente a cidade não dispõe de infraestrutura exclusiva para treinos (como velódromos, por exemplo), por isso é fundamental a consciência de que existem outras pessoas convivendo naquele lugar. Não podemos agir como motoristas em cima de bicicleta ameaçando os outros com comportamento violento”, afirma Aline.

Imagem postada em 2017, mas que nesta semana circulou em grupos de ciclistas que treinam na ciclovia