Como é ter sua bike roubada em plena rodovia dos Bandeirantes
Você compra uma bike com o suor do seu trabalho, em um esporte caríssimo e muitas vezes elitista. Até que, em um domingo de sol, é atacado e jogado na estrada, no meio de caminhões.
Perde sua bicicleta, assim, do nada, e o que restam são escoriações, dores no corpo e medo.
Heitor Silva, 29, pedalava com um amigo no domingo (15 de julho) na rodovia dos Bandeirantes, entre os quilômetros 26 e 28, sentido capital paulista — como tem feito dezenas de vezes desde que começou a treinar ciclismo de estrada, há um ano.
Sua bicicleta não era “top de linha”, muito menos daquelas que ultrapassam os R$ 25 mil. Pelo contrário: ele nem sabe a idade do quadro, da marca Olmo. Levou seis meses para comprar todas as peças, economizando aqui e ali.
Mesmo assim, sem estar a bordo de uma bike vistosa ou com roupas caras e chamativas, ele e o colega foram atacados por quatro jovens. Passaram momentos de pânico. O amigo conseguiu fugir, mas Heitor perdeu aquela que vinha alegrando seu dia a dia.
Em mais um exemplo de descaso público contra a segurança de quem pedala nas estradas, o roubo se soma a uma longa lista de casos semelhantes em São Paulo. Como a Folha revelou em 2017, só nos primeiros quatro meses do ano passado o número de roubos de bicicletas na capital paulista teve um aumento de 77,8% em relação ao mesmo período de 2016.
A seguir, Heitor conta como foi o roubo.
Seu amigo, William de Andrade Soares, de 24 anos, também relatou para este blog como foi ter de fugir na contramão em uma das maiores rodovias do país. “Quando vi os assaltantes, minha primeira reação foi jogar a bicicleta para a pista”, diz Will. “Nem olhei se estava passando algum caminhão. Acabei caindo, talvez por ter sido empurrado. Levantei assustado, montei na bike e fui embora. Olhei para trás e vi o Heitor sendo empurrado no chão. Pensei em voltar, mas ouvi meu amigo gritando me mandando ir embora”, lembra ele.
Lamentável, triste, frustrante. Para dizer o mínimo.
O ATAQUE
HEITOR SILVA: “Estávamos voltando para São Paulo, na rodovia dos Bandeirantes. Naquele trecho, entre os quilômetros 26 e 28, há um pequeno viaduto, onde passa um acesso para a região de Perus.
Nesse viaduto, há uma subida leve. Pedalávamos em um passo legal, a uns 25 km/h. De repente, vi quatro pessoas saltando o guard-rail.
Por mais que eu soubesse de casos de roubo nas estradas, levei um susto. Foi tudo muito rápido, eles logo vieram em nossa direção.
Na hora, você liga o modo sobrevivência. Praticamente saltamos para o meio da rodovia, pedalando ainda. Os caras foram atrás, me agrediram, me jogaram no chão.
Eu caí no meio da Band, uns 2 metros à frente do William, que conseguiu voltar para a bike e pedalar na contramão, no meio dos carros e caminhões. Um dos garotos foi atrás dele.
Dois caras me seguraram, pegaram minha bike, me arrastaram pela rodovia. Você tenta escapar, se debate, sai no soco… até você se deparar com uma arma na sua cara. Aí você fica paralisado.”
O CHOQUE
“Foi muito tenso quando percebi que havia uma arma de fogo apontada para minha cabeça. Parece cena de filme. Lembro de alguns caminhões saindo pela direita, desviando pela esquerda.
Eu caí na quarta, terceira faixa da Band, algo extremamente perigoso.
Quando apontaram a arma, simplesmente parei, em choque. Levaram a bike. Enquanto um dos caras apontava a arma, os outros saltaram o guard-rail de volta para o mato, pegaram o acesso sentido bairro e foram embora.
Confuso, simplesmente comecei a caminhar na estrada. Parei uns 3 km para frente… Fiquei pensando: ‘O que aconteceu?’, sem saber se voltava para casa, se acionava alguém. Entrei em um modo vazio…
Fique lá um tempo até o William me encontrar de novo. Acionamos o resgate, que chamou a polícia rodoviária. Eles nos encaminharam para fazer um boletim de ocorrência, o que levou horas, aquela burocracia. Só aí fomos embora para casa.”
O DIA SEGUINTE
“Acho que até agora não caiu a ficha completamente. Mas o universo da bike é um ciclo muito grande de pessoas solidárias, que ajudam umas às outras, independentemente do estilo e preço da bike.
Só tenho a agradecer todo mundo que está me apoiando, tentando me ajudar a recuperar minha bicicleta. Teve gente da região que foi até a comunidade perguntar, teve gente que criou grupo de Whatsapp para ajudar. Isso fortalece as amizades adquiridas na vida na bike.
Eu, fisicamente, estou com algumas escoriações na mão, no pescoço. Bati a bacia durante a queda. O joelho deu uma zoada também, pois asfalto queima. Psicologicamente, estou bem, perdi minha bike, mas é um bem material. Vou correr atrás, bola para frente.
Apesar de ser um ciclista amador, participo de algumas provas. Vou correr atrás do prejuízo, tentar não parar de treinar.
Esses casos precisam ser divulgados, para a galera estar ciente. E para ver se alguém toma alguma uma providência. Já passou da hora de providências serem tomadas para nossa segurança.
Fica o aviso para a galera que treina nas estradas: cuidado.”