Pedalar muito é perigoso para o coração? Talvez, sim
Pedalo há 15 anos. Além dos treinos semanais, aos sábados não é raro eu passar mais de 3h30 em cima da bike. Para os leigos, os números podem assustar, mas quem pratica bike como esporte acha “normal”: tratam-se de esforços de mais de 100 km, muitas vezes com altimetria superior a 1.000 metros. Saudável, não? Nem tanto, em especial para o coração, como tem mostrado a ciência em diversos estudos nos últimos anos. A morte do jovem ciclista belga Michael Goolaerts, de 23 anos, durante a mítica prova Paris-Roubaix no domingo passado (dia 8 de abril), é mais um trágico capítulo desse tema polêmico e preocupante. O resultado da autópsia do atleta, divulgado hoje, revelou o que já se suspeitava: Goolaerts sofreu um ataque cardíaco pouco antes de se acidentar durante a competição. O ciclista foi encontrado inconsciente pelos médicos da organização. Os resgatistas afirmam que ele não respirava mais quando foi socorrido, e nos primeiros instantes achou-se que o ciclista fora vítima da queda.
A morte de Goolaerts o coloca em uma longa lista de ciclistas da história recente que morreram de mesma forma. Em 2016, como bem lembrou uma boa reportagem da Deutsche Welle, o holandês Gijs Verdick sofreu dois ataques cardíacos durante uma prova na Holanda e morreu logo após completá-la. Ele tinha 21 anos. Aos 22, o belga Daan Myngheer morreu pelo mesmo motivo em uma prova de dois dias na França, também em 2016.
Os haters não perderão tempo e logo acusarão a terrível cultura do doping no ciclismo como causa provável dessas mortes. E, em parte, eles têm razão. O uso de substâncias proibidas para melhorar a performance, como o EPO, tem correlação, sim, com casos de problemas cardíacos e outros males. Entretanto a ciência aponta que a resposta é mais complexa. Estudos relativamente recentes vêm provando que atividades de endurance, como o ciclismo, podem danificar o coração. Esportes de alta intensidade, e por um longo período de tempo, estressam o coração e podem causar danos e até calcificação coronariana (como concluiu uma pesquisa da Mayo Clinic de Minnesota, realizada em 2017).
A ciência ainda precisa desvendar todos os mistérios dessa questão. Mas a maioria dos médicos e pesquisadores parece defender que a moderação é a chave para se evitar esse tipo de fatalidade. O problema é: o que significa moderação para atletas amadores aficionados por seus esportes, como eu? Não há regras ou fórmulas ainda definidas para responder a essa pergunta — por isso, a qualquer sinal estranho (como taquicardias), procure um médico do esporte; e pare de achar que, quanto mais você pedalar, mais saudável se tornará.