Filme desvenda por que a Eritreia é o maior polo de ciclistas da África

Erika Sallum

Nos últimos anos, a bicicleta e o ciclismo têm sido ferramentas essenciais de uma poderosa revolução pela qual passa o continente africano. Em países como Ruanda, Congo e África do Sul, a bike vem transformando vidas e ajudando a fortalecer a autoestima de povos inteiros. Mas em nenhuma outra nação de lá o ciclismo mobiliza tanta gente quanto na Eritreia.

Localizado no “Chifre da África”, o país de 5,6 milhões de habitantes é um celeiro de talentos, alguns dos quais têm brilhado em competições internacionais como o Tour de France. E é exatamente esse o tema de um emocionante minidocumentário lançado agora pela produtora Sinamatella, da África do Sul. Batizado de “King of the Mountains”, o projeto desvenda por que a nação — que sofreu 30 anos com sua guerra pela independência — é tão apaixonada por bikes.

Daniel Teklehaimanot, da Eritreia, a maior estrela do ciclismo nacional (Foto: Divulgação/Sinamatella Productions)

A história do ciclismo competitivo na Eritreia começou por volta dos anos 1930, durante a colonização italiana. Em 1932, as primeiras bikes chegaram por lá, levadas por soldados europeus. Foi paixão à primeira vista, e desde 1937 o país sedia campeonatos nacionais de ciclismo, que movimentam a nação no estilo do futebol por aqui.

O fio condutor da narrativa de “King of the Mountains” é Daniel Teklehaimanot, o maior nome do ciclismo local. “Como toda criança na Eritreia, havia uma bicicleta em casa. E eu sempre adorei pedalar”, diz ele, que se tornou ciclista profissional em 1998. As cenas de Daniel pedalando pelas ruas empobrecidas de seu país são de grande sensibilidade. Assim como a de dois velhinhos, um deles ciclista olímpico nos anos 1960, conversando em um café da capital, Asmara, e relembrando que a origem humilde de todos eles serviu de motivação para se lançarem na carreira.

Em 2008, Daniel se tornou o primeiro ciclista da Eritreia a ser selecionado para treinar no Cycling Center da União Ciclística Internacional (UCI), na Suíça. A UCI é o maior órgão do ciclismo e rege as regras das competições internacionais. Ir para esse centro significa estar a um passo de pedalar com os maiores ciclistas do planeta — e foi o que aconteceu com Daniel. Em 2015, ele e outro colega foram chamados para competir no Tour no France — e viraram os primeiros atletas negros a participar e a completar a mais famosa prova de ciclismo de estrada do mundo.

A bicicleta ocupa lugar central na cultural da Eritreia (Foto: Divulgação/Sinamatella Productions)

Daniel não apenas completou o Tour de France como vestiu a camisa de bolinhas de “rei da montanha” do Tour de France, dada aos atletas mais rápidos nas duríssimas etapas íngremes da competição. Hoje faz bonito em outras provas míticas, como o Giro d’Italia (como tratei em 2017 neste blog, aqui).

“Todo mundo estava assistindo àquele Tour de France, porque não era apenas um ciclista nosso participando. Era todo um país participando”, diz no filme, emocionado, Misghina Haile, secretário da Federação Nacional de Ciclismo da Eritreia. Quando os dois atletas retornaram do Tour, o país virou uma grande festa — só comparável ao dia de sua independência, em 1993.

“A Eritreia sempre sonhou em subir ao pódio do Tour. Mas isso era impossível para nós”, diz, no documentário, o primeiro técnico de Daniel. Agora não é mais impossível. Que lindo ver a bike servindo de força para tornar todo um país mais orgulhoso de si e confiante no futuro e em seus talentos.

A seguir, assista ao filme “King of the Mountains” na íntegra (em inglês):