Bikes compartilhadas ‘sem estação’: solução genial ou uma baita dor de cabeça?
Pedalando recentemente em Taiwan, pude enfim conhecer de perto as tais bikes compartilhadas “dockless”, isto é, que não precisam ser pegas e deixadas em estações fixas — após se cadastrar, o usuário chega a seu destino e pode devolver a bicicleta onde quiser. Em Taipei, capital taiwanesa, a oBike vem replicando o estrondoso sucesso que as gigantes chinesas Ofo e Mobike tiveram em seu país quando surgiram, uns anos atrás. A ideia é genial, pelo menos na teoria: quer coisa melhor que não precisar se deslocar até uma estação de bikes compartilhadas (tipo as do Itaú) — atire a primeiro roda quem nunca deu com a “cara na porta” ao cruzar um bairro todo até uma estação dessas bikes e não encontrar nenhuma disponível? Ou pior: descobrir que a estação mais próxima fica muito longe de onde você está.
No sistema “dockless”, você se cadastra, baixa o app e vai até uma bike da empresa escolhida, deixada por outro usuário em alguma rua perto da sua casa ou trabalho. Em geral, basta escanear um QR Code para abrir a trava e pronto. Após usá-la, é só largar a bicicleta onde quiser.
As bikes “dockless” são, em geral, mais resistentes que as tradicionais compartilhadas, precisando de menos manutenção. E o aluguel costuma ser bem mais barato (no Reino Unido, custa menos de 1 libra por 30 minutos).
Assim que estrearam, as chinesas Ofo e Mobike se tornaram coqueluche em cidades como Beijing e Shangai. Segundo reportagem do The Guardian, só na China já são mais de 16 milhões de “dockless bikes” (só a Mobike conta com 1 milhão de unidades). Neste ano, a Mobike começou a operar no Reino Unido, além de Itália e Austrália. Em setembro, foi a vez de os Estados Unidos experimentarem a onda Mobike, em Washington DC. Os números da Ofo são ainda mais surpreendentes: a empresa opera 10 milhões de bikes amarelas (cor símbolo da companhia) em 180 cidades de 13 países.
O sucesso dessas precursoras abriu caminho para outras start-ups, como a também chinesa Bluegogo (de cor azul) e a norte-americana LimeBike (verde-limão).
Em breve, certamente veremos um sistema de bicicletas sem estação por aqui no Brasil. Isso é quase certo em São Paulo, onde o prefeito João Doria assinou, em setembro, um decreto que estabelece um novo modelo de compartilhamento de bikes — anunciando uma previsão do aumento do número de bikes compartilhadas disponíveis de 200 para 10 mil em um ano.
Mas a moda das bikes “dockless” veio acompanhada de uma profunda lista de problemas. Na China, elas invadiram as ruas de tal forma que começaram a atrapalhar pedestres, o trânsito e donos de lojas, que de repente viram suas portas inundadas de magrelas largadas ao deus-dará. Outro perrengue tem sido o vandalismo: em muitas cidades, há pilhas enormes delas quebradas — alguns especialistas apontam que o preço extremamente camarada de seu aluguel levou parte dos usuários a não ter o menor cuidado, enquanto outra fatia da população vandaliza o equipamento deixado em ruas mais isoladas, já que não há estações para intimidar esse tipo de ato.
Fora isso, essas start-ups conseguiram enriquecer graças a investimentos milionários (a Alibaba injetou grana pesada na Ofo, por exemplo), tornando-se mais um capítulo na série de bolhas de tecnologia naquele país. Lançada no ano passado, a Bluegogo espalhou 600 mil bikes por lá em apenas seis meses, conquistando 20 milhões de usuários. Má administração e muita especulação levaram a Bluegogo ao colapso — alarmando milhões de clientes, que pagaram uma taxa de adesão e, pelo visto, não vão recebê-la de volta.
Aqui, a discussão já começou: com o decreto de Doria, a Ciclocidade (Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo) divulgou seus questionamentos. Um deles: “A liberação automática de bicicletas com o Bilhete Único também será possível para as bicicletas sem estação (dockless)?”. A organização também se mostra preocupada com “a possibilidade de as poucas vagas existentes para bicicletas serem tomadas por bicicletas compartilhadas dockless, em detrimento daquelas pessoas que utilizam sua própria bicicleta” — e, para solucionar isso, propõe a criação de áreas específicas destinadas ao estacionamento de bicicletas compartilhadas sem estação. Entretanto, penso eu, esses estacionamentos específicos não descaracterizariam a ideia essencial das dockless, que é de ser uma alternativa prática e rápida a quem precisa se deslocar pela cidade e não mora ou trabalha perto de uma estação? Por isso é importante debater bem diversos pontos antes de aderirmos à tendência.
A era das “bikes dockless” veio para ficar, e vê-las nas cidades brasileiras é apenas questão de (pouco) tempo. As situações na China e outros países que já utilizam esse sistema têm ensinado muitas lições. Se vamos abraçar essa ideia, é imprescindível que a gente aprenda com elas.