Brasileira pedala do Alasca ao Brasil em uma linda viagem solo
Tudo começou com alguns questionamentos sobre identidade brasileira, a partir da clássica obra “As Veias Abertas da América Latina”, de Eduardo Galeano: “Somos americanos mesmo?”, “temos algo em comum com o resto do continente?”, “quem somos, afinal?”. Uniu-se a essas indagações o amor pela bicicleta e pelas viagens e — voilà! –, quando se deu conta, lá estava a bióloga paulista Juliana Hirata, 37, com o ambicioso plano de pedalar do Alasca até o Brasil. Sozinha, sem apoio, apenas com a força de suas pernas.
A jornada, que teve início em Prudhoe Bay, no extremo norte da América do Norte em 23 de abril de 2016, já soma 500 dias. E não há data certa para ser finalizada, em uma façanha raras vezes encarada por uma mulher, ainda mais latino-americana. Juliana não tinha muita experiência com ciclismo, apenas algumas cicloviagens no currículo. E, claro, uma vontade gigantesca de desbravar o mundo por si só, visitando parques, comunidades e todas as atrações que pudessem ajudá-la a compreender melhor as várias identidades das Américas.
Em teoria, a viagem estava prevista para terminar em dois anos, mais precisamente em maio de 2018, porém a própria Juliana já desencanou de fixar uma data. Vai se deixando levar, sentindo o vento no rosto e curtindo o prazer imenso da liberdade de se pedalar sem pressa.
A seguir, ela fala um pouco sobre a expedição, diretamente da Colômbia, o primeiro país latino-americano que alcançou desde que partiu do Alasca:
Como foi o processo de preparo da viagem e por que viajar sozinha?
O projeto que batizei de Extremos das Américas começou a ser planejado em julho de 2015. Foram nove meses de preparação até a partida. Eu tinha um completo desconhecimento da América Latina, mas guardava em mim uma atração quase romântica sobre nossa cultura e áreas naturais. Agora, aos poucos, estou dando um pouco mais de concretude ao que até então eu acalentava na fantasia e na teoria. Fui movida também por uma razão ligada à causa feminista: não há registros de mulheres latino-americanas que tenham feito esse trajeto de bike sozinhas. Estamos em 2017 e temos quase 60 anos de história dessa rota (a primeira viagem de bike foi, provavelmente, no final da década de 1960, realizada por dois casais norte-americanos). Dezenas de homens já fizeram isso solo, porém nenhuma mulher latino-americana. Não é bizarro? Nosso próprio continente ainda é inóspito para nós, mulheres. E isso tem um impacto grande na forma como nos relacionamos com a comunidade. Visibilidade e representatividade são importantes para que viajar, solo ou não, seja cada vez mais seguro para todas nós.
Quais lugares mais te chamaram a atenção?
Só para citar alguns, eu adorei Dalton Highway, no norte do Alasca. São 800 km na plataforma gelada do Ártico, em meio a tundra e animais incríveis. Também curti muito as Rochosas Canadenses, onde a estrada 93, que conecta Jasper à Banff, tem os maiores glaciares fora dos Pólos. A paisagem é incrível, com lagos azuis e turquesas ao longo de todo o caminho, além de montanhas de tirar o fôlego. Destaque também para o percurso de Whitehorse (Yukon, Canadá) a Skagway (Alasca): esse pedacinho de fronteira no sudoeste do Canadá é montanhoso e cheio de histórias sobre mineração e corrida ao ouro. São 200 km que passam por diversas cidades-fantasmas, estações de trem abandonadas e o menor “deserto do mundo”, o Carcross.
Qual a maior aventura até agora?
Dalton Highway continua sendo minha maior aventura. Ter estado isolada em um lugar tão inóspito e com riscos reais de morte por tanto tempo foi a melhor experiência da viagem até aqui. Mas também adorei ter subido em um vulcão pela primeira vez na vida, dormido em meio a milenares cedros vermelhos no Canadá, pernoitado em uma ilha deserta no mar do Caribe, visto de perto animais como ursos, sentido o vento gelado de um glaciar e até ter sido atacada por coiotes!
Juliana Hirata está postando vários vídeos sobre sua viagem, que podem ser vistos aqui.