Cena da bike cresce e vive momento especialíssimo no Rio de Janeiro

Erika Sallum

Em muitos lugares do Brasil a “cena da bike” vem conquistando um espaço significativo nos últimos anos. Tem sido assim em São Paulo, Curitiba, Porto Alegre e muitas outras capitais. Mas poucas têm vivido este momento interessantíssimo como o Rio de Janeiro. Provavelmente a mais bela cidade do planeta para se pedalar, o Rio abraçou a causa: se alguns anos atrás havia um número tímido de corajosos ciclistas a desbravar ruas e montanhas, agora os cariocas mostram ao mundo um lifestyle todo particular — no qual cabem várias tribos e amores diversos pela magrela. “Não tem como não cair no clichê quando se pensa no Rio: temos um clima excelente, com visual absurdo. Uma hora você está voando no plano, na orla; na outra está nas montanhas. Tudo isso dentro da cidade!”, diz Antenor Martins, 36, editor de vídeo e ciclista.

Ciclistas pedalam no Rio em ensaio da marca local Sumaré, que produz roupas para ciclismo (Foto: Sumaré.cc)

Há mais de uma só razão para o “boom” da bike na capital. Apesar dos vários aspectos negativos das Olimpíadas, não se pode esquecer que o evento trouxe um ar de renovação para os ciclistas de lá. Ruas ganharam melhor asfalto, e ficaram mais conhecidos os percursos bons para se pedalar. Às vésperas dos Jogos, por exemplo, a prefeitura trocou por asfalto os paralelepípedos da estrada da Guanabara, via de acesso à praia de Grumari, na zona oeste.

O governo do Rio também foi pioneiro na criação das chamadas Áreas de Proteção a Ciclistas de Competição (APCC), onde carros não podem entrar em determinado horário do dia, exclusivamente dedicado a quem treina. Desde 2013, já havia a APCC do Aterro do Flamengo — criada após a morte de um ciclista, atropelado por um carro. Depois veio a APCC da Praia da Reserva, da Barra ao Recreio, aberta em 2016. Está prevista para breve uma nova APCC, na zona portuária.

O Bastarda Café, aberto em 2016, tem inspiração no ciclismo e virou point local (Foto: Reprodução/Sprudge.com)

Mas não é só de iniciativas públicas que vive a efervescência ciclística carioca. Apaixonados por bicicletas foram ajudando a transformar a cidade em um espaço cade vez mais “bike friendly”. Inaugurado em 2016, o Bastarda Café fica perto do Horto, região estratégica de quem acessa a estrada para a Vista Chinesa, um dos trajetos mais famosos para treinos (o Bastarda acaba de ganhar o prêmio Veja Rio de melhor cafeteria da cidade). Surgiram outros “points” nas redondezas, como a IBS (Intense Bike Shop), loja que passou a vender cafés e cervejas, e a Vista Club, e ambos se tornaram endereços movimentados de ciclistas.

Há mais assessorias esportivas funcionando e — enfim! — mais mulheres pedalando (até pouco tempo atrás, não se viam muitas ciclistas nas ruas).

Também recentemente foi lançada a marca de roupas de ciclismo Sumaré.cc, que tem contribuído para sofisticar o estilo em torno do esporte local, e cujo nome homenageia uma das famosas estradas da Parque Nacional da Floresta da Tijuca, o paraíso dos ciclistas “da gema”.

Os “fixeiros” Alex Bueno de Andrade e João Whitaker, da equipe Gorilla Fixed (Fotos: Diego Cagnato)

As muitas vertentes da bicicleta no Rio também se fortaleceram com a galera das bikes fixas (de uma só marcha e pinhão fixo). Fixeiros são seres urbanos por excelência, mas, como no Rio a natureza está sempre presente, os fixed gear cariocas trazem um jeito todo especial de ser, mais cheio de gingado, humor e leveza que seus colegas de outros locais. Grupos como os Gorilla Fixed se unem para treinar e participar de provas. Criam suas próprias jerseys (camisas de bike), postam suas rotinas nas redes sociais e, assim, vão consolidando a comunidade da bike por lá. “Tudo começou quando andávamos de fixa juntos no Rio. A vontade de nos desafiarmos fez com que criássemos uma equipe”, diz João Whitaker, o “Jow”, de 27 anos.

A galera do Night Ride RJ se reúne na Praça do Ciclista para pedaladas noturnas (Foto: Diogo da Vinhal/Night Ride RJ)

Para muito além das “bikes do Itaú” com turistas na orla, os amantes das bicicletas no Rio também se reúnem para pedais noturnos, como os do Night Ride RJ. Promovem alleycats — provas underground no meio dos carros –, explorando os muitos cantos de uma cidade cuja beleza não está só perto do mar.

Nem tudo são flores, óbvio. Assaltos em percursos como o Sumaré não são raros. É preciso mais incentivo do poder público. Falta segurança, sobra violência. Os motoristas continuam ferozes. O amor pela bike ainda é tímido em relação a quem usa a magrela para ir trabalhar ou apenas se locomover. Mas sobra amor e criatividade para pensar em novas formas de atrair mais gente para a absurdamente incrível sensação de se pedalar na mais maravilhosa cidade do mundo. Agora não tem mais volta.