Os segredos de Ned Overend, o mountain biker que, aos 61 anos, nunca envelhece
Na história do mountain bike mundial, ninguém soube envelhecer melhor que a lenda Ned Overend. Aos 61 anos, o norte-americano coleciona uma longa lista de títulos na carreira — já foi campeão mundial de mountain bike, campeão mundial do Xterra, campeão mundial de ciclocross na categoria master, entre outros. Entretanto nenhuma conquista é mais impressionante que sua forma física duradoura. “Mr. Overend” pedala mais que 95% dos trintões por aí. Se o rolê for em trilha, pode esquecer: ele vai chegar na sua frente.
Overend nunca teve treinador, não é um “psico” dos treinos, não usa nem frequencímetro e não curte suplementos nutricionais além de um shake de proteína. Mantém-se rápido, leve e forte devido a um amor incondicional pela bicicleta. “Garoto”-propaganda da marca Specialized há décadas, ele pedala umas seis vezes por semana, sempre com o foco na diversão.
Pai de dois filhos, Overend vive com a esposa em Durango, no Colorado. Pedala em geral com uma galera mais nova, incluindo os estudantes da universidade local. Nesta semana, durante o lançamento mundial das novas bikes da Specialized, em Nova Jersey (EUA), ele chegou em terceiro em uma provinha informal de ciclocross, batendo um pelotão de jovens ciclistas cheios de autoconfiança e músculos. Em um pedal de “gravel” (na terra, porém com bicicletas híbridas, que misturam características de estrada e de mountain bike), Ned passou voando em trechos em que muitos garotos sofreram para ultrapassar.
Uns meses atrás, a revista Outside norte-americana publicou um perfil de Overend, com o certeiro título: “Os 60 são os novos 25”. Como diz o artigo, Overend é o ciclista campeão que nunca envelhece. Ou melhor, envelhece, sim, claro, mas com um sorrisão no rosto toda vez que sobe em cima da bike.
A seguir, os segredos do mago Overend para estar em plena forma física aos 61:
Como você lida com o envelhecer, em especial com o fato de o corpo não mais responder da mesma forma que antes?
NED OVEREND São mudanças que acontecem devagar, com o passar do tempo. Afinal, eu envelheço um dia de cada vez (risos). Todo ano é diferente. Certamente o que mais noto é como, a cada ano, fica mais difícil de o corpo se recuperar. Por isso fui adaptando meus treinos para acrescentar um maior espaço para a recuperação. Outro ponto que eu venho reparando em relação a minha forma atlética são as pequenas lesões que surgem com o envelhecimento, como as tendinites, por exemplo. Os músculos vão ficando mais duros, menos flexíveis. É preciso sabedoria para ir lidando e curando essas pequenas lesões e não exigir demais do corpo, dando tempo para o organismo se recuperar. E se dedicar a sessões de alongamento, fortalecimento, para ajudar na prevenção desse tipo de problema.
Quando você começou a reparar que a idade estava pesando na sua performance como ciclista?
É engraçado como tudo vai mudando depois que você atinge determinado número de anos. Eu me lembro bem quando isso aconteceu, lá por volta dos meus 40 anos. Eu sempre tirava um tempo longe da bike no inverno. Fazia outros esportes, mas não pedalava. Aí, em determinado começo de temporada de treinos, no início da primavera, eu me vi ficando para trás nos pedais com meus amigos. Eu não era mais tão forte como antes nessa época do ano. Pensei: “É isso, estou ficando velho”. Depois desse episódio, comecei a prestar mais atenção em manter meus músculos utilizados na bike sempre na ativa durante o ano todo, mesmo no inverno. Eu ainda posso atingir níveis muito bons de performance física, apenas preciso ficar atento ao tipo de treinamento que escolherei o ano inteiro. Não dá para ficar parado por um longo período, porque voltar à forma agora leva mais tempo.
Então você pedala o ano todo. No alto inverno, pedala dentro de casa, com a bike no rolo de treino, por exemplo? Ou sempre outdoor?
Não, nunca em casa. Sempre ao ar livre. Se está nevando, pedalo com uma fat bike [modelo robusto, com pneus bem largos para encarar terrenos nevados, areia etc.]. Ou espero o chão secar e saio em seguida.
E mentalmente falando: como aceitar o envelhecimento? Como você não se deixa abater com o fato de estar ficando mais lento, menos flexível, mais propenso a lesões?
É extremamente importante manter uma mente aberta. Claro, eu quero estar o mais condicionado que posso para minha idade e competir no mais alto nível para minha idade. Mas o que acontece é que estamos acostumados a ouvir: “Ah, sou velho, então sou mais devagar que antes”, ou “você não pedalar mais como os caras mais novos porque envelheceu”. Você deve ter a mente aberta para não acreditar nessas coisas. Sua atitude mental não pode ser negativa a ponto de te impedir de chegar à melhor forma. A idade não pode ser usada como uma desculpa para se estar acima do peso, ou mais devagar que antigamente. Quem faz isso está se derrotando mentalmente.
Em termos de alimentação, o que mudou com o passar dos anos? Você é um cara magro, dono de uma boa forma impressionante.
Eu apenas tenho mais disciplina que antes. E tento balancear o que meu corpo precisa: se estou fazendo treinos pesados, com bastante intervalos e tiros, capricho em comidas repleta de boas proteínas. Posso tomar um suplemento proteico depois desse tipo de treino ou um bom café com leite, que dá na mesma (risos). Sempre priorizo comidas que eu gosto, afinal essa é a recompensa de quem treina tanto, certo? Também fico meio distante de alimentos com carboidratos simples, e adoro vegetais, como uma salada grandona toda noite. Moderação, na verdade, é o que importa.
Dormir é uma parte importante da recuperação. Você se preocupa em dormir bem para o corpo se recuperar?
É muito importante dormir bem, porém isso fica cada vez mais difícil com a idade. Por isso passei a ter mais cuidado com a cafeína, não tomo café depois das duas da tarde. E evito produtos com cafeína na sua composição (como refrigerante, por exemplo). Não vejo TV antes de dormir, deixo o celular longe, levo um livro para cama. Assim vou me desconectando.
Você pedala todo dia?
Quando não estou viajando, geralmente pedalo uns seis dias na semana. Eu amo pedalar. Tenho vários modelos diferentes de bicicleta, vou variando. Há dias em que pedalo tranquilamente, em outro pego mais pesado. Nunca tive treinador, então eu mesmo vou me orientando, sempre escutando meu corpo e respeitando meus limites. Antes, se meu joelho doída em um pedal, eu continuava; hoje eu sei que o melhor é parar, se recuperar e recomeçar com tudo em cima. A dica é: você saiu para pedalar, ficou para trás naquela subida familiar e se sentiu cansado? Volte para casa e descanse até se sentir bem novamente.
A Outside americana fez este vídeo (em inglês) com a lenda Overend, explicando como ele se mantém na ativa por tanto tempo, em um nível tão admirável. Dá-lhe, Ned!