O Brasil que pedala
Nada mais apropriado que estrear um blog 100% dedicado à bicicleta falando do magnífico Projeto Transite, do paulistano Felipe Baenninger, 29 –que enfim acaba de se tornar um livro. Se você parou para ler este novíssimo espaço que a Folha inaugura nesta quinta-feira (27) é porque, de alguma forma, sente-se ligado àquela que está entre as maiores invenções do homem. E o Projeto Transite nada mais é que um retrato da paixão do brasileiro pela bike: Baenninger pedalou durante três anos por 40 mil km e 26 Estados do país, registrando pessoas que utilizam a bicicleta para se locomover, fazer esporte ou apenas se divertir. A mesma ideia norteia este blog Ciclocosmo, que trata da bike em todas as suas vertentes: de dicas de treinamento e notícias sobre competições e atletas (Vive le Tour!) a informações relevantes sobre mobilidade urbana e cicloativismo, passando por nutrição e personagens que estão mudando o planeta com suas magrelas –e exemplo de Baenninger.
Ao longo de sua jornada, esse fotógrafo autodidata produziu um acervo de 523 retratos, que agora se transformam em um fotolivro no qual as imagens acompanham curtos relatos. Não há nenhum compromisso de Baenninger com a “reportagem” no sentido tradicional da palavra (não aparece o sobrenome de muitos entrevistados, e o texto corre solte, descompromissado). Muito menos a obra pretende ser uma pesquisa ampla sobre o tema. É, isso, sim, o resultado da coragem de um rapaz em seus 20 e poucos anos que foi se transformando radicalmente em uma viagem profunda por um Brasil que até então praticamente desconhecia. A bicicleta é o fio condutor para que ele mostre seu olhar sobre a própria cultura e, principalmente, sobre as dificuldades do brasileiro em um país desigual, mas fascinante.
Para publicar o livro, Baenninger recorreu ao financiamento coletivo, fazendo tudo de forma independente, como é mesmo a sua cara.
A seguir, um bate-papo com o fotógrafo:
O que você mais percebeu sobre a relação do brasileiro com a bicicleta em tantas regiões pelas quais passou?
É uma relação íntima, com um objeto doméstico utilitário muito durável e, pelo menos até um tempo atrás, caro para a grande maioria. Ouvi relatos de pessoas que venderam a bicicleta para se casar, comprar um terreno etc. Muitas me contaram também que possuíam um automóvel, porém optaram pela bicicleta por gosto. Isso quebra um pouco aquele discurso de que as pessoas usam a bicicleta só por necessidade. O livro traz 60 relatos entre os mais de 500 que consegui, e poderiam ser muitos outros. Entretanto o que é latente é que a bicicleta significa um meio de transporte eficiente e extremamente prazeroso para o brasileiro.
Por que a bike virou o principal elo de ligação entre você e o Brasil que não conhecia?
A bike foi o meio que encontrei para rodar tão longe por um longo período. Eu gosto do tempo da bicicleta, a maneira como você chega a um lugar e imediatamente muda a percepção das pessoas, pois gera uma empatia instantânea. Isso foi fundamental no processo de conhecer o outro. Não teria sido da mesma forma se eu tivesse escolhido o carro (fora que financeiramente a gasolina inviabilizaria meu projeto).
Qual o personagem mais incrível que você conheceu por causa da bike?
Sou tipo pai que não escolhe preferido para não gerar ciúmes (risos). Mas eu fecho o livro com o depoimento de dois agricultores e ativistas ambientais do Ceará. Tive a honra de conhecê-los e poder registrar sua história. Manoel Inácio Nascimento e Ivania Alencar são pessoas maravilhosas. Eu já os conhecia pelo filme que produziram durante uma viagem pela América Latina, o “Ciclovida – Lifecycle”, que fala da luta deles para montar um banco de sementes crioulas para plantar na volta para casa. Os dois me contaram sobre a relação com a bicicleta com tanta poesia e paixão, me impactou demais. São frases lindas como: “Quando tu vai de bicicleta, você para aqui, e a população te diz tudo. Você nunca é estranho em lugar nenhum”.
Qual a situação mais esquisita pela qual passou durante o Transite?
Puxa, não consigo eleger uma só, minha vida é esquisita (risos).
Você amadureceu muito durante estes três anos de Transite. Sua relação com a bike continuou a mesma, ou também se transformou?
Eu ainda uso a bike como meu principal meio de transporte. E isso dificilmente mudará, pois é o melhor custo benefício. Mas a bicicleta vai muito além, ela é a ventoinha nestes dias quentes que vivemos.
* Mais informações sobre o livro projetotransite.com.br